Elon Musk, o enfant terrible do mundo empresarial e agora compagnon de route de Donald Trump, é um génio dos negócios, mas também um provocador compulsivo, aparentemente determinado a exportar a sua visão simplista e caótica das relações sociais e políticas para o palco internacional. O americano é reconhecido pela sua capacidade de revolucionar indústrias, como a dos automóveis elétricos e a exploração espacial, tendo reinventado uma das maiores redes sociais (ainda que para pior) e brincando com satélites como se fossem peças de Lego.

No entanto, tal como o poder e o dinheiro não compram bom gosto (veja-se o design do Tesla Cybertruck), também não garantem discernimento político. E, ao que parece, o bilionário sul-africano naturalizado americano decidiu que entende de geopolítica europeia. Felizmente, ou infelizmente para nós, europeus, Musk é tão bom analista político quanto seria a chefiar uma fábrica de pretzels na Baviera.

Musk parece acreditar que o seu êxito empresarial e o impacto que teve na (re)eleição de Donald Trump o qualificam automaticamente como autoridade em geopolítica e política mundial. A ideia parece ser, contudo, a de lançar uma nova “ordem mundial”, transplantando o caos e a imbecilidade política para novas paragens. Gerir uma mega-empresa está a anos-luz de compreender a complexidade de sistemas políticos e sociais.

Musk decidiu interferir na política interna de vários países, de forma estratégica e consciente. Em relação à Alemanha, expressou uma preocupante simpatia pela líder da Alternativa para a Alemanha (AfD, extrema-direita), Alice Weidel. Este gesto seria alarmante por si só, mas torna-se mais desconcertante vindo de alguém que prega a transição energética e um futuro sustentável. A AfD, pelo contrário, defende o fim dos carros elétricos, a eliminação da energia eólica e o regresso aos motores a combustão – ideias que minam os próprios alicerces da fortuna de Musk. A incoerência não poderia ser maior: ou Musk desconhece as posições da AfD (difícil de acreditar) ou está deliberadamente a ignorar que o seu apoio implícito legitima um partido cujas políticas ameaçam a Alemanha e a estabilidade europeia.

A Alemanha enfrenta desafios reais — migração descontrolada, burocracia excessiva e uma economia sob pressão que exigem soluções responsáveis e liderança corajosa. No entanto, a AfD não oferece respostas concretas, apenas populismo ruidoso e políticas regressivas. Defende o ‘Dexit’ (saída da Alemanha da União Europeia) e a retirada da NATO, que seriam catastróficas, isolando a Alemanha e fragmentando o continente. Musk, ao amplificar a voz da AfD, comporta-se como um provocador irresponsável que, consciente ou inconscientemente, enfraquece a posição estratégica da Alemanha e da Europa no mundo.

A sua irresponsabilidade não se limitou à Alemanha. No Canadá, país admirado pela sua estabilidade e multiculturalismo, Musk fez insinuações vagas sobre autoritarismo, acusando o Governo de Justin Trudeau de restringir liberdades, sem apresentar qualquer prova ou contexto. Já no Reino Unido, parece ressentir-se de qualquer liderança que não se conforme com a sua ideia de “liberdade absoluta” e chegou a sugerir ao rei que dissolvesse o Parlamento e convocasse novas eleições. Isto numa altura em que várias vozes no Partido Conservador já admitem uma coligação eleitoral, ou pós-eleitoral, com o Reform UK de Nigel Farage — fervoroso apoiante de Trump e líder da maior mentira política, que resultou no ‘Brexit’.

O padrão é evidente: Musk encara a política como palco para as suas tiradas disruptivas, sem consideração pelas consequências, ou talvez com plena consciência destas. Aparentemente, o objetivo subjacente a esta irresponsabilidade é desestabilizar o Velho Continente, provocar ruturas e apoiar os populismos de extrema-direita. Uma Europa enfraquecida, refém de forças extremistas, é um objetivo claro de Putin. Ao apoiar a AfD, Musk legitima um movimento que ameaça desestabilizar a Europa e enfraquecer a NATO — algo que só beneficia adversários da coesão ocidental, como a Rússia. No Canadá e no Reino Unido, as suas provocações apenas reforçam divisões e minam o debate político sério.

A influência de Musk não deve ser subestimada. Com milhões de seguidores e uma plataforma global, as suas declarações têm impacto real, mesmo quando carecem de lógica, noção ou informação. Esta irresponsabilidade calculada não só desvia a atenção de questões importantes como mina a confiança nas instituições democráticas, coisa que vimos acontecer nas eleições americanas, que foram um test drive para esta estratégia. Musk comporta-se como um “Nero moderno”, mais interessado em assistir ao caos que ele próprio ajuda a criar.

O gesto realizado por Musk na cerimónia de tomada de posse de Trump, em Washington, não pode ser ignorado ou relativizado. É evidente que se trata da saudação usada pelos nazis, a Hitlergruβ. Ver tanta gente a negá-lo é tão grave, ou até mais, do que o próprio gesto. Esta negação coletiva, consciente ou não, reflete uma normalização perigosa de símbolos e comportamentos associados a ideologias totalitárias que deveriam permanecer no lixo da História. Quando figuras públicas como Musk recorrem a gestos tão carregados de simbolismo histórico, seja por provocação ou convicção, estão a testar os limites do que a sociedade tolera. Ignorar ou justificar este comportamento, especialmente num momento e lugar tão simbólicos como a tomada de posse de um Presidente dos Estados Unidos, é compactuar com a erosão dos valores democráticos e do respeito pela memória histórica.

O perigo de figuras como Musk na política não reside apenas nas suas palavras, mas no impacto que têm. A Europa enfrenta desafios enormes — migração, transição energética, reformas económicas — e o que menos precisa é de bilionários com agendas ocultas a amplificar discursos populistas e divisórios. Este caso é um lembrete de que sucesso empresarial não equivale a entendimento político ou responsabilidade. Enfrentar os desafios do século XXI exige vozes responsáveis, conhecimento e compromisso com a construção de soluções reais.

Musk, com as suas tiradas provocadoras, ajuda a semear o caos num mundo já minado pela desinformação e pelas fake news. Talvez fosse bom recordar-lhe que, como na engenharia, também na política são necessárias bases sólidas. O bilionário é uma mistura de génio e louco, um visionário capaz de construir foguetões, mas incapaz de entender as nuances políticas. É como dar um piano Steinway a um orangotango: as ferramentas são boas, mas o resultado é um caos.