
Ranhuras minúsculas em dentes fossilizados permitiram a uma equipa internacional de cientistas reconstruir parte do quotidiano dos dinossauros saurópodes e revelar padrões de alimentação, adaptação ao clima e possíveis migrações sazonais. Os resultados foram publicados esta semana na revista Nature Ecology and Evolution e incluem contributos de investigadores portugueses.
Dentes como janelas para o passado
A investigação recorreu a uma técnica inovadora - a Análise de Textura de Microdesgaste Dentário (DMTA) - aplicada pela primeira vez, de forma sistemática, a saurópodes. A equipa analisou 322 digitalizações 3D de dentes de 39 dinossauros, provenientes de três formações geológicas com registos fósseis de referência: Lourinhã (Portugal), Morrison (EUA) e Tendaguru (Tanzânia).
Estas marcas microscópicas — visíveis apenas com tecnologia avançada — resultam do atrito entre os dentes e os alimentos nos últimos dias ou semanas de vida dos animais. Segundo Daniela E. Winkler, investigadora principal, “é fascinante que arranhões tão pequenos possam revelar tanto sobre dieta e comportamento”.
Clima como fator decisivo
As diferenças observadas entre os fósseis revelaram muito mais do que preferências alimentares. Os Camarasaurus da Lourinhã e dos EUA mostraram padrões de desgaste quase idênticos, o que sugere um comportamento alimentar seletivo e, possivelmente, migrações sazonais para aceder sempre às mesmas plantas.
Por contraste, os dinossauros da Tanzânia apresentavam desgaste dentário mais intenso. Os cientistas acreditam que isso se deve à ingestão de vegetação coberta de areia soprada por ventos de zonas desérticas próximas, o que tornou a dieta mais abrasiva.
Portugal no mapa dos dinossauros
O estudo contou com a participação de Emanuel Tschopp (Leibniz Institute e Freie Universität Berlin) e do português André Saleiro, investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa e do Museu da Lourinhã.
André Saleiro destaca que o trabalho “ajuda a perceber como diferentes espécies partilhavam habitats e como o ambiente moldava essas relações ecológicas”.
A equipa espera agora aplicar a mesma metodologia a outras espécies e regiões, incluindo dinossauros herbívoros portugueses e saurópodes anões como o Europasaurus. A ideia é aprofundar a compreensão dos ecossistemas do passado com ferramentas tecnológicas cada vez mais precisas.