E de repente, outro tempo. Sem luz, televisão, eletrodomésticos. Sem metro, comboio, aviões. Quase sem comunicações, rede, Internet. Bombas de combustível fechadas, o abastecimento doméstico de água em perigo, hospitais só para urgências. Uma vida elétrica desligada durante onze horas, despida de corrente e ligações.

O impacto inicial foi de impotência, pela constatação da dependência, da certeza imediata dos problemas no regresso ao analógico. O caos nas estradas, sem semáforos e com os pais, numa torrente uníssona, a ir buscar os filhos às escolas. As filas nas bombas de gasolina. O açambarcamento nos supermercados, numa reedição da corrida pandémica ao papel higiénico e enlatados.

Porque não há transportes, o carro está na reserva ou sem bateria, a placa elétrica não funciona, nem os estores ou o código da entrada do prédio. A máquina de café ignora as cápsulas e dependência de todo um povo.

O telemóvel, objeto que faz tudo e até chamadas, está quase mudo, e tornar-se-á um tijolo inútil quando se lhe acabar a bateria.

Mas resolvidas as urgências, do apagão fez-se luz sobre um mundo novo. Ou velho, do antigamente. Foi como uma experiência sociológica, em que Portugal (e Espanha) serviu de cobaia, país de ratinhos de laboratório que face a casas inoperacionais e redes sociais desligadas rumaram às ruas, para passear, fazer piqueniques, andar de bicicleta, ler ou jogar xadrez num banco de jardim, brincar no parque.

Aqui e ali ouviam-se rádios a pilhas, que esgotaram nas salvadoras lojas de imigrantes, ou a rádio ligada em carros de portas escancaradas, o único elo de ligação à realidade.

As refeições transformaram-se em convívios de vizinhos, um com quintal e brasas, outro com gás para aquecer a sopa. Ou apenas em ceias familiares de sandes mistas à luz de velas (ou leds recarregáveis) mas com conversa e loiça lavada iluminada por lanternas de mineiro na testa.

A normalidade, outra vez

Não houve distúrbios nem convulsões. Em meio dia, o país recuou décadas de desenvolvimento mas também regressou à vida. Quando por volta das 21h cessou o apagão – a hora variou consoante o local do país -, poucos não gritaram de alívio, a mostrar o apego à eletricidade e ao regresso à normalidade. Não se sabe que lições cada um guardou desse dia, mas pelo menos o transístor do chinês ficou como testemunho histórico de um lado bom da escuridão.

Esta terça-feira, o país está a trabalhar apenas com energia do país e sem limitações. O apagão quase só está presente nas conversas. Todos querem partilhar como ultrapassaram a falta de eletricidade, como participantes eufóricos num acontecimento histórico – “A essa hora eu estava…”

As escolas e universidades abriram e os transportes funcionam normalmente. O Metro de Lisboa que arrancou com problemas, mas retomou toda a circulação por volta das 8h30 apenas com constrangimentos em alguns acessos mecânicos.

A situação acordou também normalizada nos hospitais, mas é certo que a interrupção elétrica de segunda-feira provocou o adiamento de milhares de consultas, cirurgias e tratamentos, que terão de ser reprogramados.

Também os Tribunais abriram portas, apesar de alguma “instabilidade” no Citius, o sistema informático da Justiça; e os serviços de telecomunicações estão praticamente normais em todas as operadoras.

No Aeroporto de Lisboa, que ontem teve de fechar os acessos durante várias horas e não permitia o levantamento das bagagens, ainda há malas por entregar a centenas de passageiros, que fazem fila, entre a zona de chegadas e de partidas, em frente ao pequeno gabinete de "Irregularidades com bagagens / Perdidos e Achados". A restante operação corre sem distúrbios.

Em dia de rescaldo, só não se sabe o que causou o apagão. A hipótese de ciberataque engorda nas redes sociais, apesar da empresa responsável pela gestão da rede elétrica espanhola – a Red Eletrica - ter afastado essa hipótese. Porém, até o Tribunal Nacional de Espanha decidiu investigar essa possibilidade. Talvez então se faça luz sobre o que aconteceu.