
Jovem, intenso, coletivo. Há quatro, cinco anos, nada disto seria sinónimo de PSG, mas o paradigma mudou. E João Neves pode muito bem ser uma das caras dessa revolução.
Pelo segundo ano consecutivo, o Paris Saint-Germain está nas meias-finais da Liga dos Campeões - esta terça-feira joga com o Arsenal, em Londres, na 1.ª mão (20h, Sport TV5). A chegada de Luis Enrique ao Parque dos Príncipes trouxe consigo um conceito e uma ideia bem clara, de um futebol pressionante e vigoroso, que raramente se coaduna com os caprichos das primas-donas de outros tempos. Ganhar a Champions significa ter 11 jogadores a defender e 11 a atacar. Um ambiente em que o médio português se sente em casa, no seu jeito duro de roer que chuta para canto qualquer metáfora com o seu tamanho.
Em entrevista ao site The Athletic, João Neves diz que foi precisamente essa a mensagem passada por Luis Enrique na primeira chamada telefónica entre os dois, quando o PSG ainda namorava o internacional português, após uma época de destaque no Benfica. Queria uma equipa coesa e unida, tivesse a bola ou não. “Adorei o que ele me disse”, confessa. Por esses dias, havia dúvidas em João Neves, temendo a precocidade da decisão de saltar para um dos grandes europeus. A reunião com o técnico espanhol tem sido frutífera: no campeonato, onde o PSG é o proverbial campeão francês, contribuiu com oito assistências e três golos e muito trabalho invisível sem bola. Na Liga dos Campeões, Neves tem levado ao extremo as exigências de Luis Enrique, que pede pressão imediata aos jogadores após a perda da bola. É o jogador com mais desarmes na competição, com 45, de acordo com o site FBref, que usa dados da Opta.
Há um fascínio evidente de João Neves quando fala de assaltos. De assaltos à bola, leia-se, e das subtilezas da arte da pressão. O futebol de Luis Enrique caiu que nem chuteira à medida do pé nas características do português. “É muito bom atacar, mas a sensação de tirar a bola a alguém…”. Neves não acaba a frase, talvez nem precisasse, mas logo concretiza a ideia. “Muitos jogadores não entendem, mas o sentimento é: se nós não temos a bola, temos de recuperá-la. Mesmo quando estás a atacar, tens de pensar: ‘Se eu perder a bola, o que posso fazer?’ Essa parte do jogo não é importante para muita gente e muitos jogadores, mas se queres passar mais tempo a atacar, tens de recuperar a bola assim que a perdes”, segue a peroração de João Neves, numa ideia que talvez fosse alvo de chacota no PSG de há uns anos.
João Neves sublinha que, para si, essa parte do jogo dá-lhe “muito prazer” e não esconde uma vontade quase cruel de fazer sofrer o adversário: “Quanto menos tempo tiverem para respirar, melhor para nós.” A cara de menino esconde um competidor de dentes de fora, mas sempre disposto a ouvir. O médio revela que, por vezes, Luis Enrique o chama ao seu gabinete para lhe mostrar vídeos - “o que fiz bem, o que fiz mal” - e que gosta que o treinador o faça. O espanhol tem confiado em Neves para outras posições que não só a de médio centro, ao lado de Fabian Ruiz e à frente de Vitinha.
Este ano, já chegou a jogar nas laterais, ainda que com liberdade para cirandar: “Nós temos muita posse de bola, por isso eu até posso estar na estrutura como lateral, mas depois jogo a ala ou médio. A única coisa com a qual me tenho de preocupar é como devo defender, mas tenho o Marquinhos mesmo ao meu lado a dizer-me o que tenho de fazer ou fazer melhor.”
A paixão pelo emprego
Escolhe um trabalho de que gostas e não terás de trabalhar nem um dia na tua vida, já lá dizem os pensadores de LinkedIn. Mas numa era de futebolistas desinteressados no seu próprio labor, é refrescante ver um jogador a entusiasmar-se com futebol que não seja aquele jogado por si. João Neves olha, por exemplo, para Joshua Kimmich, Jude Bellingham e Jamal Musiala como modelos a seguir para melhorar o seu desempenho no último terço, onde, confessa, ainda não se sente totalmente à-vontade.
Sobre o adversário desta terça-feira deixa elogios ao guarda-redes David Raya e ao seu jogo de pés, pela forma como ajuda a construção do Arsenal, e a Declan Rice, depois dos dois livres diretos marcados ao Real Madrid: “Eu adoro futebol, por isso fiquei muito feliz por ver esses dois golos.” A bola não tem de perder a magia, vista a cor que vista.