"Mesmo com as dificuldades, com as minhas muletas, eu andei. Mas o problema eram os tiros que estava a ouvir, isso sim me estava a preocupar", explicou à Lusa o jovem comerciante, a escassos metros da Portagem de Maputo da N4, principal via de acesso à capital moçambicana, que esteve hoje bloqueada por quase 10 horas.

Afonso Sumbana, 34 anos, esteve entre as milhares de pessoas que foram obrigadas a fazer o trajeto entre Maputo e Matola a pé, após o bloqueio da via por alguns transportadores em protesto contra a retoma da cobrança de portagens.

O grupo usou um camião-cisterna como escudo para evitar a intervenção da polícia a metros da portagem, mas, nos arredores, ouviram-se, por alguns momentos, disparos da polícia, que tentava desobstruir outras vias, sobretudo na "Casa Branca", importante ponto de entrada do município da Matola.

"Eu trabalho na  Casa Branca e durante todo percurso até aqui ouvia disparos. Disso, sim, tive medo. De resto, mesmo na minha situação, eu decidi andar para chegar a casa", acrescentou Sumbana.

Durante mais de dez horas, a polícia, com um forte aparato no local, evitou utilizar a força para desmobilizar o protesto contra a retoma da cobrança de portagens, face ao camião-cisterna utilizado pelos manifestantes, que o imobilizaram, furando os pneus, junto a um posto de abastecimento, a poucas dezenas de metros da praça das portagens da N4, da concessionária sul-africana TRAC.

Como Afonso Sumbana, o que restou para as milhares de pessoas que vivem e trabalham entre Maputo e Matola foi caminhar, embora com algum cuidado, já que na estrada, que, em determinado ponto, atravessa uma vegetação, falava-se do risco de assaltos.

"Hoje é só andar a pé mesmo, mas, aqui na parte da portagem, estamos a andar em grupos para não sermos assaltados. É arriscado, mas não há alternativa", acrescentou Maria Alice, 60 anos.

O bloqueio das portagens de Maputo da N4 terminou cerca das 17:30 (menos duas horas em Lisboa), ao fim de mais de 10 horas.

Os transportadores que tinham bloqueado a via pouco depois das 07:00 da manhã começaram a retirar as viaturas passavam alguns minutos das 17:00, pacificamente, e, em menos de 30 minutos, a circulação ficou praticamente reposta, com a polícia a tomar conta da via, para evitar novos cortes.

A desmobilização foi voluntária, tendo a polícia tentado, ao longo de todo o dia, sem sucesso, negociar a saída dos manifestantes, que também chegaram a vandalizar parte das instalações da TRAC, a poucas centenas de metros, destruindo duas viaturas no interior.

Rapidamente, dezenas de viaturas imobilizadas ao longo de várias horas retomaram a circulação naquela estrada - que, além de ligar à fronteira, é o único acesso direto entre Maputo e Matola, as duas maiores cidades do país -, mas na generalidade das cabines não se cobrava portagem.

As instalações da TRAC, sem funcionários no interior, permaneceram durante o dia sob vigilância da polícia, com um blindado da Unidade de Intervenção Rápida na porta, enquanto na N4, ao lado, agentes da UIR chegaram a realizar disparos e lançaram gás lacrimogéneo para travar novos bloqueios.

A cobrança de portagens naquela via, explorada pela sul-africana TRAC, ficou suspensa durante semanas, devido às manifestações pós-eleitorais em Moçambique, e foi retomada na passada quinta-feira.

O então candidato presidencial Venâncio Mondlane apelou em dezembro ao não pagamento de portagens em todo o país, sendo que, após a destruição e vandalização de algumas cabines de cobrança, várias foram fechadas, incluindo as da TRAC.

EAC (PVJ) // MLL

Lusa/Fim