Portugal está a meio de um ciclo de crescimento económico, mas continua a operar com um sistema laboral que parece ter parado no tempo. A produtividade continua estagnada, a contratação de talento estrangeiro é um labirinto burocrático e o mercado de trabalho permanece excessivamente rígido. A legislação que regula o trabalho em Portugal é, em muitos aspetos, analógica num mundo digital.

A revisão estrutural do Código do Trabalho anunciada pelo novo Governo pode, por isso, assumir-se como um virar de página, que torne a realidade laboral portuguesa mais adaptada a um contexto de enorme concorrência internacional pelo talento. Assim tenha capacidade de criar um formato laboral mais ágil, mais transparente e mais conectado com a realidade.

A proposta de criação de um número único de cidadão era de louvar, mas levanta questões constitucionais e com a CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados), mas uma agregação de NIF e NISS já ajudava, permitindo acelerar admissões no geral e atrair mais talento global.

A legislação portuguesa continua a tratar o desempenho por baixa performance como um tema tabu. A verdade é que o atual regime de cessação contratual por inadaptação é disfuncional: exige provas quase impossíveis e processos morosos. É utilizado? A resposta que me atrevo é: não. Em consequência, as empresas evitam contratar e as equipas não evoluem. É tempo de discutir, com coragem, um modelo de avaliação objetiva de performance, com garantias de contraditório e proteção social. Meritocracia não é precariedade, é responsabilidade partilhada.

Outra ideia com enorme potencial, transições temporárias entre regimes de trabalho: há que incentivar mais jovens que estudam e trabalham, profissionais em fase de transição ou trabalhadores que querem reduzir carga horária sem sair do mercado. Todos beneficiariam de contratos modulares, mas é essencial garantir que estas transições são voluntárias, reversíveis e juridicamente claras. Há que olhar para os números e concluir que são estas as tendências dos principais sectores laborais em Portugal e não é só no mundo digital.

A possibilidade de comprar dias adicionais de férias é uma prática já adotada por várias grandes empresas em Portugal, a maior parte em políticas de benefícios, mas que tem tido resultados positivos em termos de satisfação e retenção de talento. No entanto, para que esta medida possa ser generalizada com segurança é essencial que venha acompanhada de regras claras: limites contratuais bem definidos, neutralidade fiscal (para o trabalhador poderíamos isentar de IRS e Segurança e Social e para o empregador o custo associado à concessão desses dias adicionais podia ser dedutível como despesa de pessoal). O tempo é hoje um dos ativos mais valorizados e o direito laboral deve reconhecê-lo como tal.

O Código do Trabalho deve criar um "estatuto do trabalhador digital" para profissionais de plataformas digitais, evitando decisões judiciais casuísticas. Este estatuto deve ser optativo, acordado entre as partes, conferindo segurança jurídica e promovendo o crescimento das plataformas. Deve também incluir um regime específico para nómadas digitais, incentivando a sua contribuição para a Segurança Social portuguesa.

É crucial, além do "subsídio digital", recentrar a regulação do teletrabalho em trabalho híbrido, assegurando direitos como a desconexão e a saúde mental. A legislação deve permitir critérios objetivos de revisão do modelo, considerando produtividade e necessidades do negócio. As empresas devem ter ferramentas de alerta para evitar a sobrecarga dos trabalhadores.

A extensão administrativa de convenções coletivas deve ser revista. Em vez de impor regras a empresas não filiadas, o foco deve estar na promoção de negociação sectorial em áreas emergentes: tecnologia, saúde digital, energias renováveis. A negociação coletiva deve ser um motor de inovação, não um travão. A reforma laboral é uma questão de visão. Precisamos de um sistema que valorize o mérito, proteja o essencial e liberte o potencial das pessoas. Um sistema que funcione para quem cria emprego e para quem trabalha. Um sistema que não tenha medo de mudar e que promova o rápido desenvolvimento dos jovens, retendo os altamente qualificados.

O novo Governo que se apresente sem medo de legislar, não perdendo de vista a flexibilidade laboral e valorizando ou penalizando quem não apresenta boa performance.

Está na hora de reiniciar o sistema laboral português com ambição, responsabilidade partilhada e compromisso de todos os stakeholders. Um sistema competitivo, moderno e centrado nas pessoas não se constrói com remendos, mas com visão e coragem para mudar.