Na vida pública, devemos sempre desconfiar de quem diz não ter qualquer tipo de ambição política. Normalmente é uma indicação de que essa pessoa acabará por exercer uma série de cargos políticos ao longo da sua carreira.

Os espaços de opinião valorizam figuras independentes e aparentemente sem ambições num tempo onde parece que a melhor forma de ter sucesso na vida pública, de alcançar o respeito dos mais variados setores da sociedade e de encontrar um local para expor ideias é sendo um indivíduo independente, pouco ideológico, com atividade constante nas redes sociais e, acima de tudo, sem ambições políticas.

Perante isto, concordo com a desconfiança de Francisco Lucas Pires que, quando confrontado com este tema da ambição em política afirmou: “quando alguém não sente ambição em política é porque se está perante uma certa forma de desordem. Porque contar com a ambição das pessoas, ambição legítima e possível, é, em política, natural. É a função fisiológica, é a saúde do estar na política”.

Quando um indivíduo se assume como independente, pouco ideológico e nada ambicioso fá-lo com orgulho, coloca-se num pedestal de moralidade incorruptível, quase como se a sua independência servisse como um argumento de autoridade por não estar refém de rótulos ultrapassados que normalmente terminam em “ismo”. Por vezes, a mais profunda banalidade performativa é valorizada apenas e só por estar limpa de ambições políticas.

Haverá algo mais ambicioso do que achar que os outros devem ouvir a nossa análise política? Ou será que a ambição política é algo restrito aos partidos e às pessoas que deles fazem parte?

Grande parte das pessoas que não têm ambições políticas repudiam os partidos. Consideram que são espaços de alpinismo social e de degeneração ética. Locais que nunca poderão representar mentes e espíritos livres.

Acho que nunca ninguém questionou a liberdade de espírito de Mário Soares, de Francisco Sá Carneiro ou mesmo do já mencionado Francisco Lucas Pires. Do mesmo modo que nunca ninguém contestou a ambição política destas figuras.

Os partidos são maioritariamente compostos por pessoas livres, com pensamento autónomo e refletem esta pluralidade, institucionalizam o diálogo e criam estruturas em torno de projetos de sociedade. Participar num partido, ou até simplesmente votar, acaba por ser como apanhar um comboio, sabendo que ele muito dificilmente nos deixará à porta de casa, mas onde procuramos que nos leve até à estação ou apeadeiro que nos deixará mais próximo.

Há décadas que se fazem diagnósticos acerca do descontentamento com a política e com os partidos, um fenómeno que vai muito além do populismo antipartidos que está enraizado na sociedade portuguesa e que acaba por contaminar muitas pessoas com responsabilidade no espaço público.

Falta ambição política para avançar com organizações menos hierarquizadas, com estruturas mais horizontais e menos verticais. Espaços onde se concretize uma verdadeira democracia deliberativa menos dependente da vontade unilateral de um líder solitário.

A democracia não existe sem partidos e estes não se podem desintegrar por serem obsoletos: precisam antes de um ímpeto modernizador que os aproxime das populações e que volte a fazer das sedes partidárias locais ocupados pela comunidade. Só se não tivermos medo de ter ambição política é que conseguimos construir melhores organizações políticas, uma melhor democracia e um espaço público mais decente.

Assim, considerando a ambição política o motor da mudança e da resolução de problemas que afetam a nossa comunidade, a começar pelas lacunas de funcionamento dos partidos políticos, aqui me assumo pleno de ambições políticas.