A ministra da Justiça, Rita Júdice, apresenta esta quinta-feira um conjunto de quatro medidas, três das quais previstas na Agenda Anticorrupção (apresentada no verão do ano passado), e que, acredita a governante, assim que entrarem em vigor terão “efeitos práticos e imediatos” na luta contra a corrupção em Portugal.
As quatro medidas, aprovadas hoje em Conselho de Ministros, preveem uma reestruturação e reforço de meios do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), o rejuvenescimento e estabilidade do corpo de juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), novas regras na distribuição de processos judiciais, e a prevenção da Corrupção nas Autarquias Locais.
Medidas que, assegura a ministra, contribuem para “uma justiça célere, eficaz e independente” e que se juntarão a outras “que estão a ser estudadas, ponderadas e preparadas”.
“Em matéria de reforma da justiça, o Governo está a fazer a sua parte. Esperamos que cada um faça a sua”, afirmou Rita Júdice, no briefing do Conselho de Ministros.
Mas o que prevê cada um das quatro medidas? Que objetivos pretendem alcançar? O que mudam ou passam a impor? Para responder a estas e outras questões, analisámos à lupa as medidas apresentadas e aprovadas, esta quinta-feira, pelo Governo.
Reestruturação e reforço de meios do MENAC
Trata-se de uma entidade administrativa independente, criada em 2021, e que “tem por missão a promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas”, refere o Governo, que justifica as alterações hoje aprovadas com a necessidade de “aperfeiçoar” e tornar mais eficaz o funcionamento do MENAC.
Como tenciona o Governo fazê-lo? Através de uma “redefinição da estrutura interna e do modelo de governação” e eliminando “constrangimentos no recrutamento” de pessoal.
Assim, a direção do MENAC passa a ser assegurada por um órgão colegial - um Conselho de Administração (CA), com três elementos, sendo que um preside - com um mandato de quatro anos, renovável por igual período, e “só podem ser destituídos por resolução do Conselho de Ministros, fundamentada em motivo justificado, após audição do Presidente do Tribunal de Contas e do Procurador-Geral da República”.
Será ainda “criado um mapa de pessoal recrutado nos termos gerais aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas”, e as “unidades orgânicas deixam de ser obrigatoriamente constituídas por pessoal das carreiras de inspeção, e passam a ser constituídas por trabalhadores que ocupam lugares previstos no mapa de pessoal do MENAC”.
O que acontece aos atuais mandatos CA? Findam, como previsto por lei, e, em breve, sob proposta da ministra, os novos membros serão designados por resolução do Conselho de Ministros.
"Queremos um MENAC atuante, um MENAC visível e dissuasor. Mas também lhe exigimos mais, aumentando a capacidade de fiscalização da Assembleia da República sobre a sua atividade"
Prevenção da Corrupção nas Autarquias Locais
Esta é a resposta a uma “reivindicação de muitos autarcas” e ao “número relevante de denúncias sobre suspeitas de corrupção apresentadas ao MENAC (48,5%) e ao Ministério Público” sobre atividades desenvolvidas nas autarquias.
O alerta soou e o Governo entrou em ação. Como? Mantém a Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e a Inspeção-Geral da Agricultura e Mar, Ambiente e Ordenamento do Território (IGAMAOT) no terreno mas reforça as suas capacidades de intervenção, nomeadamente “aumentando o número de inspetores especializados” - mais 50 até 2027.
Mas há mais. Será criado “um núcleo na IGF dedicado à realização de auditorias regulares” e focadas “em áreas como a contratação pública, o urbanismo e a própria gestão e administração dos órgãos autárquicos”. As mesmas competências passa a ter a IGAMAOT mas na áera do ordenamento do território.
Qual o objetivo do Governo? Promover o que diz ser a “pedagogia para o cumprimento”.
Rejuvenescimento e estabilidade do corpo de juízes do STJ
É oficial: regras vão mudar no Supremo porque “grande parte dos juízes conselheiros em funções” se encontrarem em condições de se jubilarem. Há, por isso, no entender do Governo, “um risco iminente de carência de juízes” e uma necessidade de “rejuvenescimento”.
Face a este cenário, o que foi decidido? Ampliar o universo de candidatos ao concurso de acesso ao Supremo, viabilizando-o a magistrados mais jovens. O que, acredita o Governo, vai garantir maior estabilidade no corpo de juízes do STJ e combater “a excessiva e indesejada rotatividade dos magistrados”.
Assim, juízes desembargadores dos Tribunais da Relação que se encontrem no terço superior da lista de antiguidade à data da abertura do concurso e que não renunciem à promoção, passam a poder concorrer.
Saliente-se, porém, que estas alterações precisam do crivo da Assembleia da República.
Novas regras na distribuição de processos
A quarta, e última medida hoje aprovada, vai agradar, sobretudo, a advogados, juízes, procuradores, e funcionários judiciais. Porquê? Porque, desde logo, eliminia o atual mecanismo presencial aquando da distribuição dos processos. Ou seja, a distribuição continua a ser realizada pelos meios eletrónicos mas sem a necessidade de assistência por qualquer interveniente que não seja o oficial de justiça.
Além disso, regressa a figura do juiz de turno à distribuição e pretende-se tornar o procedimento “o mais automático possível, para evitar qualquer interferência que ponha em causa a transparência e imparcialidade", evitando intervenções manuais.
Mas há mais:
- “as partes e os advogados” que as representam têm acesso ao auto das operações de distribuição, podendo, a todo o tempo, requerer certidão;
- nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, “deve ficar explicitado nas páginas informáticas de acesso público do Ministério da Justiça e dos tribunais, que houve essa atribuição e os fundamentos legais, bem como o acesso eletrónico ao auto e respetivos anexos”; e,
- após a distribuição, deve a publicação do resultado ser “disponibilizada automaticamente e por meios eletrónicos nas páginas informáticas de acesso público do Ministério da Justiça e dos tribunais - ressalvadas as limitações à publicidade legalmente previstas".
“Uma medida que, por si só, vai tornar mais eficiente o procedimento, eliminando a prática de atos inúteis que têm causado entropias no funcionamento diário dos tribunais”