A Sexualidade e a saúde sexual e reprodutiva são conceitos que desaparecem das novas Aprendizagens Essenciais da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que entraram esta segunda-feira em consulta pública. Até aqui, estas matérias tinham obrigatoriamente de ser abordadas com os alunos em pelo menos dois ciclos do ensino básico.

Depois de o primeiro-ministro ter prometido, em outubro do ano passado, que iria “libertar [a disciplina de Cidadania] das amarras dos projetos ideológicos”, o Ministério da Educação e da Ciência (MECI) apresentou agora a nova estratégia nacional para esta área disciplinar e as aprendizagens essenciais que substituirão os guiões e referenciais atualmente em vigor.

O ministro da Educação, Fernando Alexandre, tinha assegurado que nenhum dos 17 temas que eram lecionados até agora no âmbito da disciplina iria ‘cair’, mas a verdade é que, consultando as novas orientações e fazendo uma busca pelas palavras “Sexualidade” e “saúde sexual e reprodutiva” não se encontra nenhuma referência.

Há duas semanas, na conferência de imprensa em que o ministro e o secretário de Estado apresentaram as linhas gerais do que se pretende mudar na disciplina de Cidadania, foi explicado que as questões da sexualidade passariam a estar integradas no domínio da Saúde. Mas olhando para o documento em consulta pública, nesta dimensão em particular nada é referido de forma explícita em relação à sexualidade, em nenhum dos anos de escolaridade, nem sequer no que diz respeito a doenças sexualmente transmissíveis ou à contracepção. Para o 2º e 3º ciclos do ensino básico, define-se apenas como aprendizagem essencial saber "respeitar questões relacionadas com a intimidade e a privacidade de cada pessoa".

Já as linhas orientadoras da disciplina que existiam até aqui explicitavam a “Sexualidade”, nas suas vertentes de “diversidade”, “direitos” e “saúde sexual e reprodutiva”, como área obrigatória em “pelo menos dois ciclos do ensino básico”. Nesta área, definia-se como um dos objetivos do programa ajudar os alunos a “compreender, respeitar e aceitar a diversidade na sexualidade e na orientação sexual”, ensinando que “a identidade de género é a experiência interna e individual de género profundamente sentida por cada pessoa que pode, ou não, corresponder às expectativas sociais” e que os jovens não devem ser limitados na forma como se expressam a este nível.

Os conteúdos relacionados com a sexualidade, em particular com a orientação sexual e com a identidade de género, geraram grande contestação nos últimos junto da direita conservadora, levando, inclusivamente, um pai a querer retirar os filhos da disciplina, num caso que acabou em Tribunal.

O CDS-PP, que se coligou com o PSD nas legislativas, chegou a defender que a disciplina fosse de frequência facultativa, cabendo aos pais a decisão de matricular ou não os filhos. O Chega apresentou na última legislatura uma proposta nesse sentido.

O Governo decidiu manter a disciplina obrigatória, mas reviu o programa e estabeleceu novas orientações para o que deve ser ensinado. De acordo com as linhas orientadoras da disciplina, as únicas referências a “identidade de género” e a “orientação sexual” surgem agora no âmbito do tema “Direitos Humanos”, estabelecendo-se que os professores devem abordar com os alunos, no 3º ciclo, “casos históricos e atuais de violação dos direitos humanos, incluindo, entre outros, tráfico de seres humanos, abusos sexuais, violência de género, bem como violência contra pessoas com orientação sexual e identidade e expressão de género não normativas”. Fora isso, não há qualquer indicação para abordar o tema.

A nova Estratégia Nacional para a Educação para a Cidadania (ENEC), que estará em consulta pública até 1 de agosto, visa substituir a anterior, publicada em 2017, disponibilizando um guião - que não existia na versão anterior - das aprendizagens essenciais para a disciplina. O novo guião dá menos atenção à sexualidade, respondendo às críticas feitas pelos setores mais conservadores de que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento estava demasiado focada em temas que classificam como “ideologia de género”.

Nos temas obrigatórios e transversais que têm de ser abordados em todos os anos de escolaridade a proposta do Executivo destaca os direitos humanos, democracia e instituições políticas, desenvolvimento sustentável e literacia financeira e empreendedorismo. Num segundo nível de destaque estão a saúde, risco e segurança rodoviária, pluralismo e diversidade cultural e media. No caso deste temas caberá às escolas escolher os anos de escolaridade em que deverão ser desenvolvidos em cada um dos ciclos de ensino.

Uma das novidades da proposta é a literacia financeira e o tema do empreendedorismo, com os alunos mais novos a serem chamados a “compreender a importância da poupança e os seus objetivos” ou a “diferenciar entre contrair empréstimos (junto de familiares, amigos ou bancos) e conceder empréstimos”.

Ainda neste domínio, os alunos mais velhos serão chamados a elaborar orçamentos pessoais, familiares e de “um projeto empreendedor, tendo em conta as parcerias estratégicas e os recursos necessários”, bem como “validar ideias inovadoras que possam gerar valor”.