Barack Obama e a campanha de 2008 por Uma União Mais Perfeita
“Ignorar os ressentimentos dos norte-americanos brancos ou classificá-los como equivocados ou racistas também serve para ampliar a divisão entre as raças e para bloquear o caminho do entendimento. É este o ponto em que estamos agora. Trata-se de um impasse racial no qual vivemos há anos. Ao contrário das alegações de alguns de meus críticos (brancos e negros), jamais fui ingénuo a ponto de acreditar que podemos superar as nossas divisões raciais num único ciclo eleitoral ou por meio de uma única candidatura – especialmente uma candidatura tão imperfeita quanto a minha. Mas assevero a minha firme convicção – enraizada na minha fé em Deus e no povo dos Estados Unidos – de que trabalhando juntos seremos capazes de curar algumas das nossas velhas feridas raciais, e de que efetivamente não nos resta escolha se desejamos continuar no caminho de uma união mais perfeita. […] Mas aquilo que sabemos – aquilo que testemunhamos – é que os Estados Unidos podem mudar. É essa a verdadeira alma de nosso país. O que conseguimos realizar dá-nos esperança – a audácia da esperança – quanto ao que podemos e devemos realizar amanhã. […] Que todos os norte-americanos compreendam que os seus sonhos não precisam de ser realizados à custa de sonhos alheios; que investir em saúde, bem-estar e educação de crianças negras, ‘mestiças’ e brancas, em última análise, ajudará a prosperar o país como um todo.”
A 18 de março de 2018, quando a competição pelas eleições primárias do Partido Democrata ainda estava a decorrer, o senador pelo estado de Illinois fez um discurso que, segundo o jornal The New Yorker, teve tanto impacto que acabou por o ajudar, muitos meses depois, a vencer as próprias eleições presidenciais. Este foi o ano em que a maior potência mundial elegeu, pela primeira vez, um afro-americano para a Casa Branca, 44 anos depois da Lei dos Direitos Civis ter posto fim à segregação racial, quase um século e meio após ter sido adicionada a 13ª emenda à Constituição dos EUA, a qual aboliu a escravidão em todo o seu território.
O discurso sobre “Uma União Mais Perfeita”, proferido no National Constitution Center de Filadélfia, cidade onde foi assinado a 4 de julho de 1776 a Declaração da Independência dos EUA – ou seja, a escolha deste palco não foi mero acaso –, ganhou eco numa era dominada pela Internet e num período em que as redes sociais digitais começaram a ser usadas pelos políticos. Quem quiser ver os 37 minutos de discurso só tem de ir ao YouTube, plataforma na qual a equipa de campanha de Obama descarregou o vídeo, com o objetivo de chegar mais facilmente a qualquer pessoa e aos média.
A mensagem colocou o dedo na enorme ferida que são as questões raciais no país, com Obama a falar dos sentimentos de raiva dos afro-americanos e de ressentimento por parte dos brancos, assumindo o risco de abordar um tema que poucos aconselhariam a um candidato presidencial. Mas ele, melhor do que ninguém, estava na posição ideal de o fazer. O discurso, na parte final, acaba com um apelo à união entre todos os estadunidenses, independentemente da cor da pele, no sentido de ir além das querelas raciais e resolver os problemas sociais que afetam a todos.
Todavia, o discurso também serviu para desvanecer a nuvem que começou a pairar sobre a sua candidatura, após os média terem apontado os seus holofotes a Jeremiah Wright, pastor na igreja frequentada por Obama e que foi apanhado, pela televisão, a tecer sermões racialmente controversos e divisórios, apontando o dedo aos brancos. Obama, tanto antes como depois do discurso, condenou as declarações de Wright, ao ponto de deixar de frequentar a igreja. A imagem de um candidato presidencial que procura a reconciliação, não a divisão, colou-se. Em novembro desse ano tornou-se no 44º presidente dos EUA.
George Walker Bush vai a um centro islâmico, cinco dias após o 11 de setembro
“Quando pensamos no Islão, pensamos numa fé que traz conforto a mil milhões de pessoas à volta do mundo. Milhares de milhões de pessoas encontram conforto, consolo e paz. A América tem milhões de muçulmanos entre os nossos cidadãos, e os muçulmanos dão uma contribuição incrivelmente valiosa no nosso país. Os muçulmanos são médicos, advogados, professores de direito, militares, empresários, lojistas, mães e pais. E eles precisam de ser tratados com respeito. Na nossa raiva e emoção, os americanos devem tratar-se uns aos outros com respeito. As mulheres que cobrem suas cabeças neste país devem sentir-se confortáveis ao sair de casa. As mães que se cobrem não devem ser intimidadas na América. Essa não é a América que eu conheço. Essa não é a América que eu valorizo.”
O presidente que teve de lidar com os ataques terroristas ao World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, a sede em Washington do Departamento de Defesa dos EUA, sempre foi uma figura controversa, especialmente pela forma bélica como reagiu ao 11 de setembro de 2001. Primeiro, ordenou a invasão do Afeganistão (numa aliança com o Reino Unido), logo em outubro de 2001, em seguida, e recorrendo a falsas informações de que existiam armas químicas no Iraque, deu o aval para que as tropas norte-americanas (em conjunto com outros aliados) fizessem o mesmo a este país, em março de 2003. Duas guerras que se eternizaram e se tornaram num verdadeiro atoleiro, com um elevado número de mortos entre os civis e as forças militares aí presente.
Apesar de tudo, e apenas cinco dias após os ataques terroristas, houve um momento em que George W. Bush assumiu a si a tarefa de pôr água na fervura. Um pouco por todos os EUA, muçulmanos começaram a ser vítimas de assédio e violência, numa fúria vingativa que ameaçava os mais de três milhões de seguidores do Islão que aí vivem. A ida do presidente, um Republicano, ao Centro Islâmico de Washington, assim como o discurso que aí proferiu, serviu para travar as ações violentas e de intimidação contra uma minoria.
George W. Bush citou o Corão, pediu desculpa por a tradução em inglês deste livro sagrado não ser tão eloquente como o original em árabe, e relembrou que os muçulmanos são uma parte integrante do país e importantes para a sua prosperidade. Um apelo à paz e à união, independentemente do credo de cada um, isto numa época em que se voltava a falar numa “guerra de civilizações”.
John Fitzgerald Kennedy e a Corrida ao Espaço, em 1962
“Mas por quê a Lua, perguntam alguns? Por quê este objetivo? Também podem perguntar porquê subir à montanha mais alta? Porquê, há 35 anos, decidimos voar sobre o Atlântico? Nós decidimos ir à Lua. Nós decidimos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque são fáceis, mas porque são difíceis. […] O crescimento da nossa ciência e educação será enriquecido por novos conhecimentos do nosso universo e meio-ambiente, por novas técnicas de aprendizagem, mapeamento e observação, por novas ferramentas e computadores para a indústria, a medicina, o lar e também a escola. […] Navegamos neste novo mar porque há novos conhecimentos a serem adquiridos e novos direitos a serem conquistados, e eles devem ser conquistados e usados para o progresso de todas as pessoas.”
Foram estas as palavras de Kennedy na Universidade de Rice, em Houston, somente um ano após ter ganho as eleições (1961) pelo Partido Democrata, num discurso que encheu de confiança os estadunidenses e fê-los sentir que não havia nada que não pudessem conseguir. Todavia, era a União Soviética que dominava a corrida espacial. Tudo culminou em 1969, quando os EUA fizeram xeque-mate ao rival, pelo menos a nível mediático, e conseguiram que um ser humano pisasse a Lua pela primeira vez.
O ‘bip-bip’ emitido pelo satélite artificial Sputnik 1, lançado pela União Soviética em 1957 e que orbitou a Terra durante seis meses, fez a humanidade olhar para o céu em espanto. Era a primeira vez que enviávamos um objeto para o espaço, mas para os norte-americanos este foi o tiro de partida para a corrida ao espaço, uma competição em que só poderia existir um vencedor: os EUA ou a União Soviética. Em 1958 era criada a NASA.
“A Terra é azul.” Eis a exclamação de Iuri Gagarin, via rádio, quando se encontrava a 327 quilómetros de distância da superfície terrestre, a 12 de abril de 1961. O cosmonauta soviético foi o primeiro humano a ir ao espaço, tendo lá estado 108 minutos, tempo suficiente para fazer história e completar uma órbita à Terra.
Os EUA tinham de reagir de qualquer forma, e foi isso que fizeram logo a 5 de maio, quando Alan Shepard tornou-se no segundo humano a ir ao espaço, num voo suborbital da NASA que só durou 15 minutos.
O presidente norte-americano acabou por ir ao Congresso dos EUA a 25 de Maio, onde apelou a que se desse uma verdadeira resposta capaz de fazer esquecer o enorme avanço que a União Soviética já levava. “Acredito que esta nação se deve comprometer em atingir o objetivo, antes do final desta década, de colocar um homem na Lua, e traze-lo de volta a salvo”, disse na altura.
Era preciso convencer o Congresso a financiar, ainda mais, o programa espacial dos EUA, porque enviar um ser humano à Lua iria ser extremamente custoso. Foi precisamente por causa deste pormenor – ser caro, o que levantou críticas e sérias dúvidas – que Kennedy viu a necessidade de convencer a opinião pública a abraçar este objetivo. Daí o discurso a 12 de Setembro de 1962, na Universidade de Rice, face a uma multidão de gente que o escutava atentamente e com as câmaras de televisão a si apontadas. O presidente acabou assassinado a 1964, mas os norte-americanos já estavam mais perto da Lua.
E chegaram mesmo lá, independentemente do que podem dizer as rebuscadas teorias da conspiração. "Um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade", disse Neil Armstrong, da missão Apollo 11, a 20 de junho de 1969, quando deixou a sua pegada na poeirenta superfície lunar. A seu lado, numa zona chamada de Mar da Tranquilidade, estava o módulo lunar que o trouxera até ali, juntamente com Edwin Aldrin.
Franklin Delano Roosevelt toma posse em 1933 e diz que o medo paralisa a mudança
“Esta é a hora de falar a verdade, toda a verdade, francamente e corajosamente. Tampouco precisamos de nos encolher por enfrentar, honestamente, as condições no nosso país, atualmente. Esta grande nação perdurará como até agora perdurou, reviverá e prosperará. Portanto, em primeiro lugar, deixem-me afirmar a minha firme convicção de que a única coisa que devemos temer é o próprio medo, aquele terror injustificado, sem nome e irracional, que paralisa os esforços necessários para converter os recuos em avanços. […] Cidadãos sem emprego enfrentam o sombrio problema da existência e um grande número deles sacrificam-se para obter um reduzido retorno. Somente um tolo otimista negaria as terríveis realidades do momento. […] Os especuladores financeiros fugiram de seus altos lugares no templo da civilização. Podemos agora restaurar esse templo às antigas verdades. A medida do nosso sucesso na restauração [recuperação] estará no grau de aplicação de valores sociais mais nobres do que o mero lucro monetário. A felicidade não está na mera posse de dinheiro, ela está na alegria da realização, na emoção do esforço criativo. Esta restauração, contudo, não se pode limitar apenas a mudanças éticas. Esta nação pede ações, e ações agora mesmo. […] A nossa maior e principal tarefa é colocar as pessoas a trabalhar. Este não é um problema insolúvel se o enfrentarmos com sabedoria e coragem. Isso pode ser realizado, em parte, pelo recrutamento direto pelo próprio Governo, tratando esta tarefa como trataríamos uma emergência de guerra.”
O único que foi eleito quatro vezes – a 22ª emenda à Constituição do país, ratificada em 1951, veio depois definir que um presidente só pode cumprir dois mandados –, Franklin D. Roosevelt ganhou as presidenciais de 1932, no momento em que os EUA afundavam-se na Grande Depressão. A quinta-feira negra (24 de outubro) de 1929 ficou na história, pois foi nesse dia que a bolha especulativa rebentou, quando o valor das ações na bolsa de Nova Iorque sofreu uma queda vertiginosa, gerando uma crise económica sem precedentes que se estendeu até à Europa e outras áreas industrializadas do mundo. Era o fim de uma era de riqueza e opulência, os Loucos Anos 20, como ficou conhecida.
A Grande Depressão durou cerca de dez anos e teve consequências sem precedentes junto da classe trabalhadora: em 1932, a taxa de desemprego cifrava-se nos 23,6%, tendo chegado ao pico um ano depois, com 25%. A estrutura financeira e bancária entrou em colapso, com 11 mil bancos, de um total de 25 mil, a declarar falência.
O novo inquilino da Casa Branca, filiado no Partido Democrata, começou logo a implementar um ambicioso plano de recuperação económica e social, sob sua responsabilidade, que ficou conhecido pelo nome de New Deal. Logo nos seus primeiros cem dias de mandato, Roosevelt emitiu uma torrente de ordens executivas destinadas a implementar reformas e a colocar em marcha o seu plano de recuperação.
Essencialmente, o New Deal assentou numa forte intervenção do Estado na economia e na sociedade, desde novas regulamentações e limites para os setores financeiro e bancário, até à execução de uma extensa lista de obras públicas, destinadas a fomentar o emprego, passando pela imposição de impostos mais elevados aos mais abastados. Os novos empregos criados pelo Estado abriram portas às 40 horas de trabalho semanal, ao salário mínimo e à livre associação em sindicatos. Criou-se, igualmente, um estado-providência parecido com o que existe na Europa, com destaque para o subsídio de desemprego. A ideia era a de gerar rendimentos e condições de vida mínimos aos cidadãos norte-americanos, de forma a terem poder de compra e, consequentemente, incentivar a produção nacional.
Apesar de no final da década de 1930 ter crescido a oposição ao New Deal, com críticas ao crescimento dos gastos públicos em desprimor da iniciativa privada, o que levou ao fim da sua expansão e, já na década de 1940, à abolição de alguns dos seus programas, ele ajudou a pôr fim à Grande Depressão e tornou-se num modelo de recuperação para os países em crise económica.
Abraham Lincoln explica num cemitério o que é a democracia, em 1863
“Estamos neste momento empenhados numa grande guerra civil, pondo à prova se esta nação, ou qualquer outra assim concebida e consagrada, poderá perdurar. Encontramo-nos num grande campo de batalha dessa guerra. […] Cumpre a nós, os vivos, dedicarmo-nos à obra inacabada que até agora foi tão notavelmente adiantada pelos que aqui combateram. Cumpre a nós, os presentes, dedicarmo-nos à importante tarefa que temos pela frente. Que estes veneráveis mortos nos inspirem a uma maior devoção à causa pela qual deram a última medida transbordante de devoção. Que todos nós aqui presentes solenemente admitamos que estes homens não morreram em vão, que esta nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade, e que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da Terra.”
Para os norte-americanos, nunca um discurso político disse tanto com menos – no total, e numa das versões no inglês original, tem à volta de 270 palavras. O discurso de Lincoln, no Cemitério Nacional de Gettysburg, só demorou pouco mais de dois minutos mas é considerado um dos mais influentes da história dos EUA.
O calendário marcava o dia 19 de novembro de 1863, quatro meses e meio depois da famosa e decisiva Batalha de Gettysburg, em plena guerra civil norte-americana, a maior crise interna do país e que durou de 1861 a 1865. Tudo começou quando os estados do sul, os Estados Confederados (como se designaram), procuraram a secessão do Estado federal, nomeadamente dos estados do norte (a União, como eram conhecidos durante a guerra).
As causas que levaram à guerra sempre se revelaram complexas e controversas, mesmo quando a guerra estava em andamento. Todavia, muitos académicos apontam a escravatura como o principal motivo, pois os estados do sul tinham uma economia baseada no trabalho escravo – rural e assente em grandes plantações –, só que o então Partido Republicano (ou a maior parte dos seus membros) estava decidido a que a escravatura não chegasse até aos novos estados que se estavam a formar a oeste. É preciso salientar que o norte, ao contrário do sul, tinha uma economia fortemente industrializada, com as fábricas, cheias de trabalhadores remunerados, a dominar. Além do mais, quase todos os estados do norte já tinham ilegalizado a escravatura. Quando o republicano Abraham Lincoln, que defendia a sua abolição no país, se tornou candidato presidencial o sul ameaçou abandonar a federação: e foi isso que sucedeu quando Lincoln ganhou, em 1960, as eleições.
Ao todo, estima-se que a guerra civil tenha causado a morte de 700 mil pessoas, maioritariamente soldados, mas há historiadores a referir que o número foi maior. A Batalha de Gettysburg, que teve início após uma tentativa de invasão dos estados da União pelos Confederados, resultou na derrota destes últimos, um imenso golpe que inclinou a balança para o lado da União, com o sul a render-se dois anos depois, em 1965. Só em Gettysburg, terão morrido à volta de 50 mil soldados, um terço dos militares que participaram na batalha, com o número de baixas a ser quase igual junto de cada lado.
A mensagem de Lincoln, no cemitério onde estavam sepultados os que caíram em combate, e proclamada numa altura em que tinha conseguido reforçar a sua base de apoio político, cimentou a ideia de que se travava uma guerra em nome da liberdade e igualdade para todos os que vivem no território dos EUA, pelo que a abolição da escravatura era um objetivo a garantir. Além do mais, se a vitória fosse alcançada era também a democracia que ganhava, uma democracia que, conforme explicou Lincoln, assenta no “governo do povo, pelo povo e para o povo” – uma definição que se encontra em qualquer manual de teoria política, nos dias de hoje.