Digital e conectada, com novas ferramentas que permitem fazer, a todo o momento, o match perfeito entre empresas e os perfis que procuram, seja em que parte do mundo for. A Multipessoal abraçou a vertente de comunidade e vê-se precisamente como agora se chama: "Somos um clã", resume André Ribeiro Pires. Em entrevista ao SAPO, o chief operating officer do Clan, resultado da transformação profunda que a empresa de recursos humanos (RH) desenvolveu, explica a razão da mudança e as suas vantagens, fala da crise de talento e da imigração necessária e explica como a Inteligência Artificial já está a mudar o emprego.
Esta mudança de Multipessoal para Clan não é mera cosmética, é uma alteração profunda que a empresa quis empreender. Porque é que isto acontece?
Na verdade, é uma consequência. É consequência de termos decidido investir na transformação da organização. Nós viemos de uma realidade muito tradicional, do papel, de as pessoas irem à loja procurar emprego — muitas vezes, eram as próprias empresas a querer que tivéssemos uma presença física, mas era necessário pôr isso em causa, porque as próprias pessoas mudaram. As pessoas procuram emprego de forma completamente diferente. Há um site onde se consegue ver os sites de há dez ou 20 anos, um wayback machine e eu quando vim para cá trabalhar mostrei um anúncio nosso de há 25 anos e um atual e de forma completamente provocatória perguntava qual achavam que era qual. E era curioso porque eles eram muito semelhantes, se não totalmente iguais. Isto acontecia connosco como com qualquer outra empresa: estávamos a tentar contratar os filhos ou netos daquelas pessoas como se contratava há 30 anos. Tínhamos mesmo de mudar — não era porque eu dizia, mas porque, efetivamente, todos nós hoje procuramos ter suporte, acesso, seja para comprar serviços seja para procurar emprego, de uma forma completamente diferente. Então a ideia foi um pouco fazer essa mudança, envolvendo as nossas pessoas, porque era preciso manter uma cultura de 25 anos, havia processos que tinham de ser mantidos... Ou seja, não era só chegar mais rapidamente às pessoas. Era muito, muito mais do que isso.
Então ser Clan é consequência dessa necessidade de envolver todos?
Sim, e porque após este conjunto de mudanças o próprio nome da empresa não fazia sentido, era muito distante e muito associado à parte da gestão do pessoal. Hoje já nem falamos em pessoal... E a ideia foi essa, foi sistematizar o processo, otimizar, procurar estar mais próximo daqueles que nos procuram, sejam candidatos, colaboradores ou clientes.
E onde é que essa mudança se vê na prática?
A primeira parte foi mesmo humanizar a relação, perceber que do lado de lá está alguém que precisa de ajuda e que nós temos de estar prontos quando somos precisos. Era muito normal numa empresa como a nossa haver uma fase do mês na qual era muito difícil atender colaboradores ou estar com mais disponibilidade — era o processamento salarial, um conjunto de tarefas muito complexo para uma estrutura com 10 mil colaboradores. E aí veio a primeira mudança, no sentido de fazer um conjunto de alterações para que as pessoas, se precisassem de nós naqueles períodos, terem resposta. Uma parte disso veio pelo self-service, pelo digital, por conseguirem mais facilmente aceder a respostas que antes não conseguiam, especialmente falar com alguém. E outra foi haver sempre alguém disponível para falar com os colaboradores, profissionalizou-se a relação com os colaboradores.
Porque vocês estão sempre no meio dessa relação, ou seja, vocês recrutam e mantêm a relação depois do recrutamento.
Sempre, sim. E há um momento em que, por exemplo, é preciso esclarecer um tema com um recibo de vencimento. Isso no pico era difícil de dar resposta em tempo útil. Agora há sempre uma equipa especializada no atendimento de colaboradores, pronta para quando é preciso dar essa resposta, seja proativa seja reativamente. Essa foi uma das mudanças e nem passou por grandes transformações digitais, nem há nada do género, foi simplesmente pensar como as pessoas que estão de lado lá e antecipar aquilo que elas esperam de nós, ouvi-las e dar essa resposta. E depois, obviamente, começar a montar os processos alinhados com isso, porque isso obrigou-nos também a trabalhar de forma diferente. Antigamente, era uma pessoa que fazia tudo — recrutava, acompanhava os clientes, acompanhava os colaboradores— e nós pusemos cada um a fazer a sua parte, ou seja, há pessoas que são só especializadas a fazer sourcing, há pessoas que são só especializadas em relações com colaboradores, e entre estas algumas que são só especializadas em contacto e outras que tratam temas de colaboradores, que acompanham os clientes... São equipas também profissionais nesta parte do acompanhamento do cliente, mas muito mais numa parte técnica, ou de prever e satisfazer necessidades de recrutamento, de saber construir a proposta de valor dos clientes para conseguir atrair talento, para resolver os temas mais curriculares.
Até há uns anos, era muito normal conseguir fazer uma previsão para as necessidades dos seis meses seguintes, agora, seis semanas é o melhor cenário.
Ou seja, o Clan não funciona só enquanto intermediário, também aconselha proativamente os cliente. Se uma empresa vem ter convosco porque precisa de uma série de pessoas para determinada função, já têm a seleção para apresentar? Uma pool de hipóteses?
Nós trabalhamos das duas formas, a reativa e a proativa, que é talvez onde a transformação tem um impacto maior. Na reativa faz-se o método mais tradicional, e aqui a grande mudança em que a nossa transformação ajudou foi a responder em prazo mais curto, porque as empresas já não conseguem prever com tanta antecedência as necessidades. Até há uns anos, era muito normal conseguir fazer uma previsão para as necessidades dos seis meses seguintes, agora, seis semanas é o melhor cenário.
Porque há muita rotação?
Há muita rotação. Tem que ver com a rotação muito grande que a economia tem, ou seja, a indústria não consegue fazer uma previsão assim tão boa para grandes volumes de colaboradores. Ainda consegue ter uma visão sobre as encomendas que vai ter e que necessidades é que pode vir a ter de suprimir com os seus próprios meios, mas depois é muito próximo da entrega que acaba por nos fazer o pedido de recrutamento. E aí o que é que nós fazemos? Trabalhamos proativamente onde nós já sabemos, nas zonas ou nos perfis, que sabemos que tipicamente é necessário captar. E aí a digitalização ajuda muito, porque criámos um conceito diferente, Por exemplo numa função mais relacionada a um trabalho temporário, em que é um suporte de curta duração, apoio a uma linha de produção: nós sabemos que há três ou quatro itens muito específicos de que aquele cliente precisa para dar suporte. E o que fazemos é criar base de dados desses três ou quatro itens e trazê-los logo para o lado do candidato. Ele ter consciência de que quando se está a candidatar a uma oferta de emprego, não se está a candidatar a uma oferta que implica disponibilidade horária ou espírito de equipa. Não. É para aquela função técnica. E assim conseguimos muito mais rapidamente segmentar e propor ao cliente. Por vezes propomos proativamente: temos aqui x pessoas que aparentemente estão prontas para trabalhar ou pelo menos previamente validadas para a função ou para resposta às necessidades mais imediatas. Mas claro que quanto mais rapidamente tipificarmos as necessidades de cada serviço, de cada perfil e de cada cliente, mais rapidamente conseguimos ajudar as empresas e os próprios colaboradores a também mais depressa dar resposta à sua vontade de mudar de emprego.
Quantas pessoas é que o Clan coloca por ano?
Nós temos 10 mil ativos e todos os dias recebemos 3.000 candidaturas novas.
Todos os dias?
Todos os dias recebemos 3.000 candidaturas novas e temos de substituir à volta de 15% dos ativos. Ou seja, todos os meses temos de trocar ou acrescentar, por troca de necessidades de outras zonas, à volta de 1.500 pessoas. Ou seja, estamos a falar de um volume muito grande de entradas e saídas.
E quantas pessoas é que estão a recrutar e a fazer esses cruzamentos?
No quadro interno, somos 170. A digitalização é fundamental nisto. Na parte da triagem, começa a ter um papel, mas a língua portuguesa é ainda o maior entrave neste tipo de soluções. Temos de começar pelo básico, por estas avaliações mais booleanas: começar por tipificar um conjunto de dados, como por exemplo, os inscritos na segurança social, algumas flutuações de população, ou seja, números que estão efetivamente em mais pontos de análise. Com estes números que já temos — tráfego no site, tipo de pesquisas que as pessoas fazem, de onde é que vêm, para onde vão, os momentos em que os visitam, por que redes sociais é que passam... —, quando agregamos este conjunto de dados já conseguimos ter padrões muito bons. Já conseguimos saber com alguma antecedência que determinada pessoa, quando entra no nosso site, à partida é um motorista, mesmo que nunca se tenha candidatado a nada aqui, já sei que tipo de pessoa é, quer ser ou está a avaliar e o que procura pelo trajeto que está a fazer.
Temos 10 mil ativos e todos os dias recebemos 3.000 candidaturas novas.
E como é que aproveitam esse conhecimento?
A forma como nós conseguimos interagir com esta pessoa antes mesmo de ela se candidatar, é um bocadinho como se potencia a venda no retalho com o abandoned shopping cart: alguém pôs no carrinho e não comprou. Nós o que fazemos é começar a dizer, eu sei que tu queres isto, então, deixa-me tentar convencer-te a candidatares-te a uma destas posições que tenho para ti. E assim já se consegue fazer algumas previsões muito interessantes, com a conjugação de dados públicos, perceber mais do padrão daquelas pessoas que estão numa determinada localização, com um padrão de navegação do nosso site e a experiência obviamente que temos de muita gente que trabalha com nós.
E foram buscar mais pessoas para fazer essa análise de dados? Foi preciso ir buscar esse perfil específico?
Mais para a arquitetura, ou seja, para conseguirmos ter todos os nossos processos digitalizados, mudámos completamente a configuração da nossa empresa. Temos muito mais pessoas do que tínhamos ligadas a esta parte de projetos, de transformação. Tanto é que a determinada altura nós determinámos a grande parte desta transformação dos colaboradores e dos clientes e começámos a criar um produto para oferecer às empresas, que é exatamente o nosso produto. Ou seja, hoje temos uma solução digital que suporta os nossos colaboradores e que já suporta colaboradores de clientes nossos que não têm relação contratual connosco, mas que a nossa solução tecnológica já ajuda. Para empresas com mais de mil colaboradores, que tenham algumas flutuações de pessoas, justifica-se utilizarem a nossa solução, porque já garante tudo o que são comunicações e entidades, processamentos salariais, gestão de tempos, toda esta configuração. Fundámos mesmo uma área de consultoria que o que faz é esta parte de apoio à transformação dos clientes, das empresas, e depois esta inclusão nos sistemas dos nossos clientes, a componente da arquitetura que permite ter esta parte de gestão de colaboradores, a área do colaborador, toda a experiência que nós já sabemos que funciona bem.
Para empresas com mais de mil colaboradores, que tenham algumas flutuações de pessoas, justifica-se utilizarem a solução de gestão que criámos, com consultoria e curadoria, porque já garante tudo o que são comunicações e entidades, processamentos salariais, gestão de tempos, toda esta configuração.
E estamos a falar de que tipo de empresas?
Empresas com mais de mil colaboradores. Todas as empresas em Portugal poderiam ter um portal colaborador e tudo mais, mas só para isso há soluções melhores. Agora, quando são empresas que têm uma oscilação muito grande de volumes de colaboradores e precisam de comunicar à segurança social, precisam de fazer a criação de contratos, a emissão, a rescisão e tudo mais, aí sim já precisam de uma solução muito mais ágil. E a nossa é-o, além de ter um advisory do que é que se pode fazer com melhores resultados, mais rapidamente. Nós temos esta parte mais da gestão de colaboradores, mas também temos outra parte da atração. E hoje em dia há muitas marcas que fazem a gestão da sua marca enquanto produto, mas depois entregam-nos a gestão da marca empregadora — toda a comunicação digital, a relação com os media, etc. para conseguir captar talento para um projeto muito específico. E hoje em dia é muito regular; dentro do nosso site vivem muitas empresas que fazem através de nós toda a atração de talento, nós fazemos a parte da curadoria, da atração do talento, do awareness e tudo mais.
E quem é que são os vossos maiores concorrentes?
Dentro do trabalho temporário são os tradicionais — Kelly, Michael Page, etc. — mas ao longo dos anos temos vindo a posicionar-nos para ter também outro tipo de oferta que essas não têm. A consultoria, toda esta parte digital... porque como somos uma empresa portuguesa, não temos aqui nenhum tipo de guião, é-nos muito mais fácil começar a construir vários produtos adequados. Por exemplo, a atração de talento é um tema, mas é mais importante em alguns períodos do que noutros; as empresas preocupam-se mais com o employer branding neste momento, mas se calhar daqui a três ou quatro anos vão preocupar-se com outro tipo de coisas. E nós conseguimos, de forma muito ágil, adaptar a nossa oferta a essas necessidades. Acabámos por criar áreas de negócio diferentes.
Quais são os tipos de perfis mais procurados hoje em dia?
Dentro do trabalho temporário, os operadores da indústria, de linha de produção, é o mais comum. Depois há especializações que continuam a ser muito complexas, como os motoristas, que talvez seja a profissão mais procurada nos últimos dez anos na Europa.
Motoristas?
Motoristas de pesados, desta componente mais de suporte à indústria. E depois, algumas profissões muito específicas dentro da indústria: operadores-empilhadores, por exemplo. E se pensarmos que a logística tem um impacto muito grande nesta atividade, estamos a falar de profissões que obviamente têm de ser especialistas naquela matéria. Mas às vezes ser especialista é simples — é isso que tentamos descomplicar. Ser condutor de empilhadora não é uma profissão complexa de formar, é só uma questão só de disponibilidade.
Há especializações que continuam a ser muito complexas, como os motoristas, que talvez seja a profissão mais procurada nos últimos dez anos na Europa.
E vocês fazem essa parte também de upskilling, reskilling... Há muita gente a vir-vos procurar com currículos que não têm nada que ver, mas têm um tipo tem características que lhes permitem ser readaptadas para essas funções?
Quando estamos em ambiente — nós vivemos dentro das instalações do cliente — , isso é bastante comum. É muito normal nós sabermos que temos determinadas pessoas que são boas numa linha de produção, numa função, e que podem ser facilmente convertidas para uma função mais importante dentro da organização, mais crítica. E fazemos esse trabalho com os nossos clientes. Quando são necessidades esporádicas, é mais difícil. O que fazemos mais em ambiente é , sabendo que aquele cliente vai ter uma determinada necessidade durante dois anos de uma força de especialistas, ir trabalhando com ele para fornecer esta formação e facilitar, nas suas instalações, a formação dos empilhadores ou outras formações técnicas, porque aí já faz sentido, porque a necessidade já não vai ser curta, já vai ser mais longa, vai ter uma produção um bocadinho mais contínua, algo do género.
E fora disso?
Fora destas áreas mais de trabalho temporário, temos o recrutamento e seleção especializado, que é uma área histórica na organização. Eu recordo-me que há uns dez anos, longe de ser a área de negócio mais expressiva, essa era a empresa mais conhecida do grupo; e hoje tem um valor muito mais alto na organização e na importância, porque é quem faz o recrutamento e seleção de quadros médios e superiores. Esta componente já funciona também muito em aconselhamento: os nossos clientes procuram-nos para saber que tipo de perfis fazem sentido. Ou seja, nós fazemos o mais tradicional: o cliente diz-nos que precisa de um perfil e nós procuramos, mas também há o caso em que ajudamos a perceber se aquele perfil faz mais sentido do que outro e mostramos às empresas que tipo de perfis existem que cobrem as necessidades decorrentes da sua estratégia.
É uma inovação.
Sim, porque muitas vezes havia este filtro. E podia haver alguma espécie de frustração se entregássemos um perfil diferente. Aqui, mais do que fazer a parte do upskilling, passa por adequar efetivamente tudo o que há no mercado, o que são as especializações que as novas gerações trazem para o mercado face ao que as empresas procuram, que muitas vezes não está ainda adaptado. Se fosse um produto fechado, nós não conseguiríamos fazer esta captação do talento especializado.
E nessa tentativa de fazer o match, qual é que é o nível de desfasamento que existe? As áreas de formação em que os jovens apostam correspondem àquilo que as empresas procuram?
Eu acho que corresponde... se pensarmos no mercado global. Se pensarmos no mercado português, é difícil, porque é um mercado muito pequenino. E nos últimos anos, a verdade é que qualquer pessoa, é global. Eu faço isso com o meu filho: ele tem 12 anos e eu promovo junto dele que não existem fronteiras. E eu acho que esse é o primeiro desafio a que vamos ter de nos saber habituar. Por exemplo, se não conseguimos formar o suficiente para o tipo de trabalho que precisamos em Portugal, temos de saber como é que vamos integrar a força imigrante, todas as pessoas que têm essas capacidades ou qualificações. Hoje não funciona mal, temos um número de imigrantes muito maior a ocupar estes lugares de trabalho. Temos é de tentar fazer adaptações, sobretudo integração cultural, porque é muito difícil, fora de Lisboa e do Porto, acomodar uma pessoa que não fala português numa linha de produção, por exemplo. Obriga a uma grande engenharia chegar a quem é que fala minimamente inglês para conseguir interagir com aquela pessoa... Se formos aqui a Sintra, já começa a ser difícil que toda a gente fale inglês. E eu acho que é esta a componente mais importante neste momento: a qualificação do inglês, de conseguirmos interagir no minimamente essencial com qualquer língua; isso vai ajudar muito a dar resposta a estas necessidades. Estamos a falar das funções menos qualificadas.
É muito difícil, fora de Lisboa e do Porto, acomodar uma pessoa que não fala português numa linha de produção.
E nas mais qualificadas?
Nas mais qualificadas, eu diria que o cultural normalmente acaba por trazer o resultado de conseguirmos absorver estas pessoas. Mas a absorção é sempre global: tipicamente, as pessoas formam-se para onde veem que existem vagas e ainda se consegue dar a resposta. O desafio será mais na transformação das organizações, que tipo de perfis serão necessários daqui a cinco ou dez anos, e que neste momento ainda não estamos a formar.
Que percentagem de pessoas estrangeiras é que já recrutam?
É muito específico de zona para zona e de função para função. Mas temos locais com 80% de estrangeiros a trabalhar numa organização, há outros onde não temos qualquer pessoa. E isto tem muito que ver com o tema da capacidade que aquela organização tem de se adequar. Por exemplo, numa empresa de resíduos, é muito comum e fácil a colocação de pessoas estrangeiras. Se estivermos numa linha de produção na indústria, nos bens de consumo, é muito mais complexo incluir alguém que não fala a língua portuguesa. Mas também temos estrangeiros de língua portuguesa que, por exemplo, a Norte têm uma integração muito boa. Talvez o maior desafio tenha sido no início do pós-pandemia o tema da clarificação sobre a forma como se considerava um estrangeiro válido, a documentação e tudo mais. Para as empresas foi mesmo muito doloroso porque era quase gestão por apalpação, quase caso a caso. O mais importante é mesmo clarificar, e está a ser feito um trabalho nesse sentido. Mas mais uma vez, a digitalização resolvia isso facilmente.
O Clan também recruta fora de Portugal?
Muito pouco. O processo é complexo, obriga a um conjunto de passos que são complicados, por isso não é muito normal. Acontece-nos é o contrário: pedirem-nos portugueses para fora de Portugal. Isso é mesmo muito comum.
Mas vocês têm presença internacional?
Não, mas fazemos o sourcing para empresas fora de Portugal, para multinacionais, muito para hotelaria, manutenção automóvel, para os Países Baixos. Os portugueses são muito procurados nestes países e aí são muito bem pagos.
Acontece-nos é o contrário: pedirem-nos portugueses para fora de Portugal. Isso é mesmo muito comum.
Qual é a diferença?
Na hotelaria chega bem a quatro, cinco, seis vezes mais o que se paga aqui, no automóvel também. Nas gerações mais novas é mais fácil, mas é muito comum esse tipo de pedido, ainda hoje recebi um pedido logo de manhã... E também aqui procuramos ter esses perfis. O contrário não acontece tanto... talvez um pouco na área das tecnologias, mas o processo burocrático é muito complexo, é muito difícil fazer os processos com sucesso.
A área das tecnologias é ainda uma das mais procuradas?
Acho que vai ser sempre, vai continuar a ser trendy, até porque quando se fala nos próximos cinco a dez anos no emprego, o top é sempre tecnologia. Eu vivo bem, porque sou engenheiro informático, à partida vou ter o trabalho para o resto da vida. Mas sim, continua a ser a mais atrativa e a mais procurada. Mas tem de se perceber o que são as tecnologias de informação aqui. As empresas que vêm de fora para procurar em Portugal perfis de IT, procuram no entry level, pessoas em início de carreira, que é onde efetivamente os vencimentos são competitivos. O que acontece é que hoje em dia um perfil de IT em Portugal é global e ao final de dois anos, essa pessoa é sénior.
Com efeitos nos salários e na concorrência...
Eu acredito que nos próximos anos, principalmente com alguns investimentos de mudança de empresas tecnológicas para Portugal, possa ter um impacto na escassez de talento, sim. Se bem que a localização hoje é um bocado irrelevante. Nós trabalhamos com algumas empresas de tecnologias que quando nos dão as ofertas de emprego já não nos perguntam o que há em Portugal, procuram no mundo inteiro. E acho que essa abertura não nos vai trazer nenhum problema, vai é gerar situações em que as pessoas podem estar a viver em Portugal, com salários muito melhores e a contribuir também para o país, o que me parece muito interessante. Ou seja, não é uma coisa má. O único receio é que estes investimentos gerem procura de talento português e que ele possa não existir à quantidade e ao valor procurado. Mas as adaptações fazem-se.
A abertura a um mercado de trabalho global na tecnologia não nos vai trazer nenhum problema, vai é gerar situações em que as pessoas podem estar a viver em Portugal, com salários muito melhores e a contribuir também para o país.
E falando em riscos, a inteligência artificial (IA) será mais uma oportunidade ou um risco no mercado de trabalho?
Nós temos 95% ou 96% de PME em Portugal. Quando falamos de IA e do tecido empresarial português, não falamos da mesma realidade. O tema nem tem que ver com a distância a que as nossas empresas estão de ter soluções destas, mas com a importância disso no dia-a-dia. Obviamente, vão ter processos melhorados, vão ter relações com fornecedores, com parceiros e tudo mais, os ERP vão evoluir bastante e ajudar imenso estas empresas a tomar decisões. Mas estamos a falar de empresas que muitas vezes têm poucos empregos, ou seja, não há nada para reduzir aqui. Não há aqui grande impacto. O maior risco imediato é a preguiça, porque nós o que chamamos hoje de IA é a inteligência artificial generativa, o que toda a gente conhece, os GPT... Isto não é a IA que as empresas vão usar nos próximos anos para transformar. Então, há aqui uma tentação das empresas todas de dizer que já usam, mas os exemplos passam todos pelo Chat GPT. E isso não é usar IA para transformação. Por exemplo, se nós escrevêssemos os anúncios todos de emprego, todas as empresas em Portugal, com o Chat GPT, o que aconteceria era que o Google, que é a principal ferramenta de procura de emprego do mundo, iria rejeitar todos os anúncios, ou escondê-los, porque entendia que tinham sido escritos por IA, sem diferenciação.
Seria um tiro no pé.
Sim. O desafio é potenciar o conhecimento humano, nesta componente, por exemplo, da escrita do anúncio, porque é aquilo que é essencial para convencer outros humanos a escolher-nos. A IA tem de ser um bocadinho mais para aquilo que eu dizia, para a análise dos dados em grande volume, para fazer uma primeira triagem, para eu ensinar logo o recrutador que colocar o anúncio às 6 da manhã naquela rede social lhe dá um potencial muito maior. E a IA vai trazer um bocadinho mais de análise dos comportamentos e de tradução disso em ações do que propriamente substituir o que o humano que está a fazer. Estou a falar da nossa atividade, mas facilmente transcrevia para outras, porque aquilo que acontece muito nas indústrias não é a IA a substituir empregos, é a automação. Isso já existe há anos e vai intensificar-se, com muito mais velocidade e eficiência: para sabermos exatamente quando é que as coisas devem acontecer. Porque consegue trabalhar os dados numa velocidade muito maior e transcrever dados em ações, que é aquilo que é esperado. Por isso, é um risco se não sabemos aproveitar e é uma enorme oportunidade para continuar a fazer o bem.
Como é que os salários têm evoluído, tendo em conta estas perspetivas, quer de os mercados serem cada vez mais globais quer por feito dessa transformação das empresas? Os salários têm vindo a evoluir em Portugal como deviam?
Os dados que se conhecem são a resposta. O salário médio não cresce à velocidade do salário mínimo, o salário mínimo cola-se ao médio, e isso é um problema para o futuro mais imediato, não tenho dúvida nenhuma. Estes últimos quatro ou cinco anos foram anos de muita turbulência nos mercados e de falta de pessoas, por isso há aqui uma tentação de mudar de emprego e conseguir um salário maior. Isso é bom e é bom para todos, mas também é perigoso, porque as empresas nem sempre olham para este movimento sem a componente mais do oportunismo que pode existir ali. Ou seja, os salários quando sobem não sobem pela razão certa, sobem porque é necessário reter as pessoas. Essa não é a forma certa de subir salários. A subida deve existir e deve ser promovida, mas deve sê-lo na perspetiva de longo prazo, de perceber que se está a subir salários para que a empresa continue a ser competitiva e não só porque é preciso reter alguém e para isso tenho de pagar mais.
Os salários quando sobem não sobem pela razão certa, sobem porque é necessário reter as pessoas.
E é também muito alimentado pelas próprias pessoas, não é? Muda-se de emprego às vezes para ganhar mais 50 euros.
Exatamente. E é totalmente aceitável, ao fim do ano, ainda é dinheiro. O que sentimos é que faz falta também esta componente de a empresa valorizar as profissões na perspetiva do que vão precisar nos próximos anos. Houve uma tendência no pós-pandemia que foi transformar o teletrabalho num benefício. E é algo, a meu ver, completamente errado, porque é algo que mais cedo ou mais tarde não se vai conseguir negociar. E toda a gente tem, mas quando é preciso fazer algum tipo de movimento diferente, não se consegue. O modelo híbrido não é um benefício, é uma evolução normal do mercado de trabalho, é mais cultural do que técnico, é conseguirmos adaptar-nos a uma realidade em que as pessoas não precisam ir todos os dias ao escritório porque conseguem fazer o seu trabalho com base numa organização diferente.
O que não é verdade para todos os seus trabalhos.
Não. Basta sair de Lisboa, ir para setores de turismo, serviços e acabou. Mas isto é uma discussão real, nós recebemos candidatos que a primeira pergunta que fazem é sobre o modelo de trabalho e isso é eliminatório. E é respeitável. Acho é que pode ser curto e pode ser um elemento de negociação que não é assim tão bom quando comparamos com o salário ou com remuneração, seja lá o tipo for. Porque aí sim, efetivamente, há uma geração de valor. Enquanto que esta medida não gera valor — gera equilíbrio, qualidade de vida, talvez, mas não gera valor, ou seja, não beneficia os salários. As empresas utilizaram isto porque foram obrigadas a fazê-lo, mas ao fazê-lo, talvez se tenha perdido um pouco a valorização dos salários, que é aquilo que deve ser feito. Por isso, se há evolução dos salários, é completamente orgânica, tem que ver com alguma influência do salário mínimo. Portugal não deixa de ser competitivo por ter o aumento do salário mínimo e pode continuar estes crescimentos 4% ou 5% ao ano. Mas é preciso que no restante, e na visão empresarial, haja esta visão da valorização da profissão.
Nessas, contrapartidas, qual é a mais válida? Ou seja, uma pessoa que está a candidatar-se a um emprego, o que é que devia, de facto, pedir?
O tema da segurança já não é uma preocupação tão grande: hoje toda a gente muda de emprego, sabe que tem um período experimental, um período de avaliações... Naquilo que são os requisitos na mudança de emprego, nós costumamos fazer o contrário: perguntamos o que é que as pessoas beneficiam. Fazemos vários estudos nesse sentido e há um que é transversal: o salário. Esse é claramente o mais importante. Além disso, agora a tendência mais comum é falar dos benefícios flexíveis, se aquela empresa os tem ou se aquela função tem acesso a pagamentos extraordinários, tem prémios, tem bónus de performance ou algo do género. Depois, um dos outros itens que as pessoas mais procuram nos empregos é a identificação com as próprias empresas: cultural, técnica, às vezes até com o próprio produto que a empresa produz. Se gosta do produto, então tem mais gosto para trabalhar naquela empresa. Se as práticas ambientais estiverem alinhadas com as suas. E há um conjunto de itens muito específico em cada localização, em cada geração, em cada função ou perfil. Por isso, muitas vezes, as perguntas que os candidatos nos fazem são muito de qual é a perspetiva da empresa para os próximos cinco anos para determinado tema — para as práticas ambientais, ou para o modelo de trabalho, se tem exemplos do passado, como é que geriram um determinado processo, etc. As perguntas obrigam muito mais à preparação do lado da empresa para ter respostas a perguntas complexas do que o contrário.
A decisão está mais do lado da pessoa do que da empresa, então?
Está e está certo. Há funções em que nós costumamos dizer que não fazemos recrutamento, fazemos cherry picking. Vamos ali à procura ver quem está disponível. E fazemos cherry picking com milhares de pessoas e as empresas estão a convencê-las que aquilo é o melhor sítio para trabalhar.
Ainda assim, tendo em conta o volume, imagino que a maior fatia das vossas colocações ainda são funções menos qualificadas...
Sim, é mais ou menos estável. O último ano foi um ano menos bom para todas as empresas em Portugal, a nível de colocações. Houve uma retração muito grande porque as empresas não estavam a contratar quadros especializados. Em situação inversa, as não especializadas estão com muita procura neste momento, o que se reflete nas taxas de desemprego mais baixas e tudo mais. Mais evolução, menos evolução elas continuam baixas e temos localizações em que estão perto de negativas. Há localizações geográficas em que não há pessoas disponíveis para trabalhar.
Por exemplo? No interior?
Muito no interior, mas mesmo no litoral há algumas zonas muito específicas em que não se consegue encontrar. No distrito de Leria há conselhos onde não há desempregados inscritos e é mesmo muito difícil conseguir crescimento no recrutamento porque não há pessoas. Mas nos últimos 18 meses, tem sido muito significativa a queda de procura em Portugal. Mas é normal nestes períodos.
No distrito de Leria há conselhos onde não há desempregados inscritos e é mesmo muito difícil conseguir crescimento no recrutamento porque não há pessoas.
Quais são os objetivos da Clan para os próximos dois anos?
É giro estar nesta posição de estar sempre a tentar fazer algo diferente. É super agradável, mas enquanto gestor é também um pesadelo. Por isso, dizer que daqui a dois anos a ideia é continuarmos a estar à frente implica uma obrigação de que o mercado todo queira estar à frente. Porque é muito mais fácil fazer inovação quando todos estamos a querer fazer a inovação. E não estou a dizer que os outros não fazem, mas é preciso haver mais investimento na comunicação, na explicação de porquê fazê-lo. Porque é que isso é melhor? Porque é que é melhor estar na vanguarda da digitalização de processos. Há espaço para todos, e há espaço para todos serem especialistas em qualquer coisa, não precisamos estar na vanguarda de todos os temas, mas quanto mais empresas estiverem a fazer esta transformação, mais fácil é para nós querer fazer algo mais, porque já lá estamos, já vivemos naquela zona, já vivemos no 100% digital para a maior parte dos sítios, sem ter nunca tido uma porta aberta porque não é necessário de todo. E esta mudança obriga-nos a conseguir continuar a atrair talento, para conseguir dar resposta a esta necessidade, seja num departamento mais tecnológico seja num departamento mais relacional. E obriga a que haja aqui uma mudança também da gestão das empresas, destas empresas que utilizam mais os nossos serviços, para que olhem mais para este componente dos dados, da tomada da decisão e nos vejam como aliados nos processos de tomada de decisões mais acertadas, mais rapidamente, com base naquilo que já disponibilizamos: muita informação estruturada em tempo real. É disso que precisamos para conseguimos fazer nós próprios essa evolução dos próximos dez anos, que é ter um bocadinho mais de resultado naquilo que a atividade mais da consultoria, mais digital, do suporte às empresas, e continuar a fazer esta parte mais tradicional, do trabalho temporário, do outsourcing, com ainda menos esforço, sendo mais rápidos a chegar às pessoas. Vamos continuar a investir sempre nesta componente de chegar mais rapidamente às pessoas e de disponibilizar às empresas mais rapidamente, porque o segredo do nosso negócio é esse.
É no fundo antecipar necessidades das empresas mas também das pessoas.
A ideia hoje é saber em tempo real o que posso fazer, mesmo que não esteja a pensar mudar. E ter alguém que está a olhar para mim, uma espécie de gestor da minha carreira. Esse é o papel que nós acabamos por ter e queremos ter cada vez mais: sermos um gestor de carreira, cada vez mais personalizado. Cada pessoa tem uma adequação muito específica para cada sítio, para cada profissão. E nós temos de garantir essa adequação, não obstante muitas vezes estarmos a fazer processos no Algarve e termos pessoas a perguntar por ele em Viseu. E nós pensamos: será que esta pessoa está mesmo disponível? E está. Mas há que perguntar, e isso só mesmo de humano para humano. A tecnologia não resolve sempre esta temática. Nós temos de acomodar sempre a tecnologia com esta componente humana de analisar os dados e de tomar as decisões certas. Os próximos dois anos vão passar muito por aí, vai ser muito, muito, muito trabalhar esta componente mais booleana. É o trabalho fino da booleana, de continuar a acompanhar, perceber cada vez melhor o perfil das pessoas que trabalham connosco e dos clientes.
O André está na Clan há sete anos. Diria que este é o tempo mais interessante que está a viver na empresa?
É, totalmente. É o prime. Mas cada dia que passa acabo por ter essa a sensação, porque posso fazer diferente e consigo fazer diferente. As coisas estão ligadas. Quando se tem espaço para tentar, há essa sensação. Quando se experimenta e estamos todos alinhados — e aqui a cultura é muito a de experimentar —, é mais fácil ter resultados.