
É já no final de julho, a 25 e 26, que se realiza a oitava edição do EurAfrican Forum, na Nova SBE. E desta vez o tema escolhido bebe no desenvolvimento de um futuro mais brilhante para o continente africano. Durante dois dias, líderes europeus e africanos vão sentar-se à mesa para debater as oportunidades de crescimento entre os continentes, posicionando Portugal como plataforma internacional de criação de redes colaborativas. Promovido pelo Conselho da Diáspora Portuguesa, o EurAfrican Forum contará com a participação do seu Presidente Honorário, Marcelo Rebelo de Sousa, e vai repartir-se numa série de temas que vão da Educação à Tecnologia, das Startups às Infraestruturas, passando até pelos Eventos Desportivos, sempre seguindo o lema "Transformar o Amanhã: Construir Parcerias Globais para Alcançar a Agenda 2063".
Em entrevista ao SAPO, o presidente do Conselho da Diáspora, António Calçada de Sá, fala sobre o que motivou a escolha do tema e explica a urgência em construir e reforçar laços entre os dois continentes, num momento de indefinição geopolítica, geoeconómica e geoestraégica a nível mundial. E Portugal tem um papel a desempenhar.
A Agenda 2063 pretende fazer do século XXI o tempo de África. Por que se escolheu este tema para o EurAfrican Forum deste ano?
Primeiro porque temos de conseguir vincular, na medida do possível, as agendas europeias, dos países e da União, com a realidade que temos em África e com esse vínculo que é institucional, mas também é económico e vai acabar por ser também de raiz social. E este tema está ligado a tudo que tem que ver com o desenvolvimento de uma África que é, sem dúvida, o continente que maior crescimento vai ter em termos de população e que é um continente com uma infinidade de recursos. E nós temos de conseguir assegurar que esse vínculo bilateral entre a Europa e outras regiões, mas aqui em concreto de África, se desenvolve. Não é pensarmos que África tem recursos que podem ser explorados. África tem o direito e a grande oportunidade de construir uma série de capacidades e uma série de competências para poder desenvolver também esses recursos. E aqui estamos a falar em múltiplos setores da atividade económica e empresarial: tem que ver com infraestruturas, energia, água, agricultura, tecnologia, digitalização, etc. Pensámos por isso que era mesmo muito oportuno vincular esse objetivo de 2063 com a organização deste EurAfrican Forum 2025.
E de que forma é que cada um dos lados pode contribuir? Evidentemente, África tem isto de que estávamos a falar, não só os recursos naturais e matérias-primas, mas tem sobretudo uma população muito jovem, com uma média etária que é a mais baixa do mundo, e do outro lado temos uma Europa em inverno demográfico...
Isto é como tudo, é procurar as oportunidades. A Europa tem um enorme desafio pela frente e penso que há aqui uma questão que tem que ver com liderança, com gestão e execução, e depois tem que ver com medição dos resultados. São três momentos que temos de olhar. Nós temos de ver esta relação com África alinhada numa agenda, que não deverias ser só estratégica, porque pôr lá umas grandes ideias qualquer um faz. Mas isto é mais, é também uma questão de agenda com prazos de execução. E aí, sim, os vários países da Europa e a própria União Europeia à partida, devem trabalhar com as instituições africanas, no sentido de definir muito bem quais são os vetores de atividade que nós vamos ter de compartilhar com África. Porque uma África que tem todos esses recursos e a média de idade mais baixa de todos os continentes, sendo a região que mais vai crescer nos próximos 50 anos em população e tendo agora uma idade média de 20 anos, esta massa jovem precisa de saúde, alimentação, educação, infraestruturas básicas. No momento em que tiverem isto, África vai ter um boom; até porque toda esta grande massa jovem vai ter um grande apetite, por exemplo, por novas tecnologias. Basta pensarmos que hoje, na maior parte de África, o desenvolvimento das redes de telecomunicações já não se faz por infraestrutura terrestre; as pessoas utilizam os canais móveis, o satélite ou a internet. Portanto, temos de pensar que a grande oportunidade é construirmos mais África em África. E a Europa vai ganhar muito com isso.
Vai ganhar e vai fazer ganhar a África.
Isso, porque as relações têm de ser bilaterais, não podem ser unidirecionais ou unívocas. Não é "tu tens os recursos, eu exploro-os recursos, tu dás a matéria-prima e eu ponho o valor acrescentado". Não, nós temos de conseguir essa simbiose. A Europa tem capacidade tecnológica, tem experiência, tem marca e tem tecnologias muito provadas, tem universidades de grande prestígio, enfim, tem um sistema de valores e um sistema social muito desenvolvido e muito consolidado. Nós temos de levar para África essa nossa melhor versão e conseguir com África firmar parcerias. Tem de "ganha, ganha", e não "eu ganho e tu perdes".
Mas há tanto tempo que se fala neste potencial e e como esta relação entre Europa e África seria boa para todos... é um tema recorrente. E há sempre muito boa vontade e intenções, mas depois as coisas tardam em acontecer, se acontecem de todo. O que é que tem impedido que este movimento arranque?
Pois, eu, da mesma forma, às vezes também me pergunto o que é que poderíamos fazer entre Portugal e Espanha — porque podíamos fazer campeões ibéricos, que depois poderiam ser campeões da Europa. Em áreas como as infraestruturas, a energia, a agricultura, as renováveis, os portos, a água, etc. E quando penso em termos de Europa e África, parece um bocadinho a mesma coisa. Nós temos de conseguir grandes consórcios europeus e africanos, façam coisas. Primeiro, acho que há muito para fazer em África e isso consegue-se com verdadeiros consórcios entre Europa e África. E como é que se chega lá? É muito fácil: temos de ter visão da empresa nisto, visão de projeto. Temos de ter execução e medição do projeto. Não podemos é ficar sistematicamente no mundo das ideias das agendas políticas. É muito fácil fazer discursos à volta disto, dar entrevistas sobre o Pathway for Africa... mas o que precisamos é de coisas muito concretas.
E de que forma se concretiza?
É muito simples: agarramos nas duas, três, cinco grandes energéticas europeias, vamos a África e organizamos um consórcio para desenvolver energia renovável em África, com os players africanos que comungam desses interesses. Esse networking, esse soft power, essa comunhão de interesses não deve ser tão difícil de encontrar. E podemos trabalhar a nível região, a nível do país — Portugal, por exemplo, tem um grande acesso aos PALOP, mas outros falam mais com os franceses, ou com os holandeses ou com os ingleses. O que é importante aqui não é ficarmos tão agarrados à questão estratégica, que nessa todos estamos de acordo — e sobre o que vai acontecer em 2050 e em 2063 já nem interessa. O que sabemos de facto é que é fácil identificar cinco ou dez grandes setores. Veja: educação, saúde, infraestruturas, alimentação, energia, infraestruturas... E depois de fechar os setores, vamos ver quem é quem e organizar os projetos e ou os consórcios.
E requer algum apoio também público?
Eu diria que de uma maneira muito objetiva, isto não é uma questão de apoios propriamente ditos — porque se fica sempre à procura das ajudas e à espera das subvenções e aquilo nunca mais vem, ou quando vem muitas vezes não chega ao terreno. Eu penso que a iniciativa empresarial deve ter ajuda pública mas no sentido de uma parceria público-privada. Do que as empresas precisam é de condução, no sentido de poder aterrar estas ideias. Essas ideias estão lá, as empresas são boas na execução; do que elas precisam é de agentes institucionais que ajudem a eliminar barreiras, concretamente, as burocráticas. Se vamos ter ajudas para desenvolver determinados segmentos, que essas ajudas venham de maneira rápida, que seja prático e óbvio como elas vão poder chegar. Se não há ajudas, não há; a iniciativa empresarial vira-se. O que é essencial são regras de jogo muito claras e capacidade de execução, porque, de facto, em África existem grandes empresas e temos alguns grandes exemplos de empresas que foram para África e têm construído verdadeiros impérios em termos de negócios (algumas são portuguesas). E eu acredito que é possível escalar esta ideia.
E o EurAfrican Forum tem um papel nessa missão, precisamente por essa capacidade de atrair e de juntar na mesma sala protagonistas que podem pôr em campo essas soft skills e dar os primeiros passos para criar esses acordos.
Absolutamente. Nós, como plataforma neste fórum que já vai começando a ter contornos de minicimeira, conseguimos já ter ali durante dois dias sete ou oito ministros, dois chefes de Estado, representantes institucionais da União Europeia, da ONU, da UNESCO, grandes empresários... Enfim, tudo isto de facto se traduz num momento muito bom. E é uma plataforma excecional. Neste ano, nós conseguimos uma agenda que é ainda mais completa, que toca em assuntos que vão desde a política, geopolítica e geoestratégia às infraestruturas e educação; vamos ter muitas sessões paralelas e vamos conseguir, pela primeira vez, ter a máxima interação possível entre as pessoas que lá vão estar. O papel do Conselho da Diáspora, neste caso, é colocar no radar, colocar nessa plataforma os interesses de lado a lado, dar voz e dar um bocado de ressonância ao que de facto é a grande oportunidade. E não vejo que isto seja feito noutro sítio. E em paralelo, vamos tentar encontrar e identificar projetos e dar visibilidade a esses grandes projetos que devem vincular os interesses de África e da Europa.
São projetos transformadores que até tocam em áreas como as cidades-irmãs e os eventos desportivos. Há aqui uma vontade de ser realmente transformador?
Sim, é quase um plano de desenvolvimento para o continente.
Estes objetivos do EurAfrican Forum de ajudar a construir projetos e parcerias entre Europa e África que desenvolvam ambos os lados faz mais sentido num contexto internacional como o que temos atualmente, com uma guerra comercial em curso, num momento de redefinição das regiões geopolíticas e geoeconómicas?
Sem dúvida. Nós nunca precisámos tanto de uma Europa tão forte. Nunca tivemos tanta necessidade de uma Europa que tem de ter uma autonomia estratégica, mantendo a sua escala de valores, mantendo a Europa de uma sociedade moderna, de bem-estar, que protege as pessoa, na qual as pessoas têm direitos e os contratos são soberanos. Onde temos o império da lei. A Europa não pode perder esses valores e tem de assegurar a sua autonomia estratégica, a sua independência estratégica. Isto quer dizer que a Europa tem assuntos e desafios a enfrentar. Agora que se fala muito de ténis e de futebol, a Europa tem de atirar o último penálti e não pode falhar, tem de ter a última bola de jogo num Roland Garros.
Essa jogada fundamental traduz-se em quê?
A Europa tem que resolver o problema da competitividade — e já perdeu o comboio da competitividade — tem de resolver o problema da produtividade e do crescimento. Ora bem, a Europa perdeu capacidade industrial; deixou deslocalizar muitas das suas indústrias para a Ásia e para outros lugares do mundo. A Europa tem de recuperar a sua independência estratégica na energia — durante tantos e tantos anos, parece que ninguém viu que nós tínhamos uma dependência extrema do gás russo; até que a Rússia invadiu a Ucrânia... E eu pergunto, onde é que estavam as centenas ou milhares de assessores na União Europeia que não viram isso? Portanto, a Europa tem neste momento um grande desafio: conseguir resolver a parte da independência estratégica na área da energia, e isto tem que ver com o desenvolvimento de infraestruturas energéticas convencionais, renováveis, no elétrico, etc. É um assunto que faz parte de uma agenda que tem de ser muito transversal, isto não pode ser ao país a interessa, mas ao B não e como não há unanimidade não se faz — que foi o que aconteceu em parte com a questão do gás, que poderia ter sido solução para a Europa se não tivéssemos a barreira nos Pirenéus, porque os franceses têm o nuclear.
E continuamos a ter essa barreira...
Ora bem, são de facto muitas coisas que a Europa tem de resolver e creio que será capaz de encontrar escala, ou seja, crescimento, num grande vínculo com África. A Europa tem de se fazer mais forte, mas não vai recuperar o crescimento desta maneira. Evidentemente, se nós conseguirmos ter uma agenda para a energia, uma agenda para as infraestruturas, para a tecnologia, para a digitalização, para a indústria, ótimo. Mas temos de ver onde é que estão as áreas de grande crescimento. A Europa pode crescer mais, pode; pode ser mais produtiva, pode; pode ser um pouco mais eficiente, pode. Mas a Europa está muito estancada em muitas coisas e precisa de campos onde haja crescimento a sério. E esse crescimento existe em África, mas agora quem está a crescer em África é a China.
E sem deixar mais-valia para trás, não é?
Portanto, temos oportunidade, existem oportunidades para a Europa nomeadamente com África. Aliás, basta olharmos para o relatório de Draghi e o de Letta: um fala mais do mercado único, o outro nas soluções dentro do mercado único. O que é verdade é que a Europa tem de marcar este penálti e não pode falhar, porque se calhar é a última oportunidade de meter um golo. Isto passa por uma agenda Europa, com uma estratégia muito bem definida, passa por um planeamento em termos de execução e de definição de vetores — portanto, é na energia, nas infraestruturas, na água, na agricultura, na educação. E no caso concreto com África, tratar de perceber como é que nós podemos organizar e desenvolver e executar esses projetos em África. Porque África é muito grande e há tantas coisas para fazer que isto para as empresas europeias, para a indústria europeia, podia ser sem sem dúvida nenhuma um grande campo de colaboração, um grande campo de crescimento e um grande campo de criação de riqueza.
Beneficiando também o continente africano em grande escala.
Claro, também para África, até porque, quanto mais rica for África, melhor vai ser para a Europa. Se calhar tínhamos aí a primeira grande solução para este problema dramático da imigração, por exemplo,.
Criando condições de vida melhores, as populações não partiam em busca de uma vida melhor.
Exato. E nós temos que criar essas condições. Ora bem, isto tem que ver com a agenda política, com a liderança política, mas depois tem muito que ver com a capacidade de execução. E aí as empresas têm que ser claramente ajudadas, convidadas ou mesmo quase empurradas para apadrinharem esses projetos. E quando existem ajudas, melhor, mas eu diria que mais importante do que as ajudas é não termos os entraves, é sentir que o processo é rápido, que é pragmático, que as coisas vão funcionar do ponto de vista contratual, legal, fiscal. Portanto eu vejo que há aqui uma grande oportunidade. Este EurAfrican Forum, que se vai consolidando cada vez mais, é parte dessa marca d'água do Conselho da Diáspora. Nós estamos a fazer coisas que têm este poder de convocatória já com uma dimensão importantíssima.