
O Procurador-Geral da República disse esta sexta-feira que as suas declarações foram mal interpretadas, que nunca disse que José Sócrates tinha de provar a sua inocência, mas sim que o julgamento é o local próprio para a prova de inocência.
"Eu não disse que o engenheiro José Sócrates tinha que provar o que quer que seja, nem tinha que provar a sua inocência, eu não referi isso, disse que haveria uma oportunidade em julgamento para fazer a prova de inocência. Só isso. Para se provar a inocência, ele fará, se quiser. Se os factos que o Ministério Público invoca não se provarem, não é preciso mais nada", explicou Amadeu Guerra a propósito de declarações suas proferidas ao jornal Observador há uma semana.
O Procurador-Geral da República falava esta sexta-feira aos jornalistas no Tribunal de Almada, no âmbito de uma visita de trabalho à Comarca de Lisboa.
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José Sócrates criticou as declarações de Amadeu Guerra ao Observador quando disse que se deveria "dar oportunidade a Sócrates para provar a sua inocência", tendo apresentado um pedido de recusa do procurador-geral da República. Para o ex-primeiro-ministro, Amadeu Guerra coloca o ónus da prova no cidadão, que tem de provar a sua inocência, em vez de ser o Estado a provar a culpa.
Amadeu Guerra diz não estar arrependido das declarações
Esta sexta-feira, Amadeu Guerra disse não estar arrependido das declarações, considerando que foram mal interpretadas e explicou que há muitos anos que o Ministério Público sempre foi acusado de que os factos da investigação eram uma farsa, que a acusação era mal construída e sem factos.
"Face às declarações anteriores sobre a inexistência de factos, sobre a inexistência de razões para fazer acusações, (...) tenho a perceção de que [Sócrates] iria provar em julgamento que tudo era uma farsa. Portanto, o que eu disse foi que esta é a altura própria para discutirmos essa questão, em julgamento", sustentou.
Amadeu Guerra disse ainda que, daquilo que percebeu na quinta-feira nas alegações iniciais feitas pelo advogado de José Sócrates, a expressão utilizada foi: "Iremos demonstrar a inocência de José Sócrates".
"Portanto, não fui só eu a referir isso. E o que eu ouvi ontem é aquilo que está subjacente à minha intervenção. Isto é, é no julgamento que se fazem essas situações", frisou.
"Não culpem o Ministério Público" por atrasos no processo
Sobre os atrasos no processo Operação Marquês, cujo julgamento começou agora 11 anos após a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates e envolve mais 20 arguidos, o Procurador-Geral da República disse que não podem ser atribuídas culpas ao Ministério Público.
"Não culpem o Ministério Público, porque o Ministério Público, a partir de 2017, tinha o processo pronto para ir para julgamento", disse Amadeu Guerra em declarações aos jornalistas no Tribunal Judicial de Almada onde esteve para reuniões com procuradores, no âmbito de visitas que tem realizado a várias comarcas.
O PGR, que disse esperar que o julgamento termine o mais rapidamente possível, considerou ser até injusto serem atribuídas culpas ao Ministério Público por atrasos no processo.
"O processo foi aberto em 2013, em 2014 fizemos as diligências de busca um ano depois. Vocês devem ter poucos processos com este tamanho em que se inicia o processo numa determinada data e um ano depois já estamos a fazer diligências", disse Amadeu Guerra adiantando que a acusação foi feita em três anos tendo sido concluída em outubro de 2017.
Amadeu Guerra afirmou ainda ter pressionado muitos procuradores, o que lhe mereceu criticas, para que a acusação estivesse pronta.
"Disse claramente que se não houvesse elementos, se a acusação não estivesse pronta até ao fim das férias judiciais, ninguém ia de férias. Fui muito criticado por eles, e com razão, como é evidente", frisou adiantando que o Ministério Público não tem nada a ver com o atraso no processo tendo concluído "a tempo e horas" um megaprocesso e no qual garante trabalharam arduamente
Arrancou o julgamento da Operação Marquês
Onze anos após a detenção de José Sócrates no aeroporto de Lisboa, arrancou na quinta-feira o julgamento da Operação Marquês, que leva a tribunal o ex-primeiro-ministro e mais 20 arguidos e conta com mais de 650 testemunhas.
Estão em causa 117 crimes, incluindo corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, pelos quais serão julgados os 21 arguidos neste processo.
Para já, estão marcadas 53 sessões que se estendem até ao final deste ano, devendo no futuro ser feita a marcação das seguintes e, durante este julgamento serão ouvidas 225 testemunhas chamadas pelo Ministério Público e cerca de 20 chamadas pela defesa de cada um dos 21 arguidos.