
As grávidas portuguesas apresentam carência ligeira a moderada de iodo, segundo os últimos dados. O que está a causar este problema?
Apesar da geolocalização do nosso país, próximo do mar, de onde vêm alguns dos alimentos mais ricos em iodo, a ingestão alimentar fica aquém das necessidades nutricionais. O pescado e algas são dos alimentos mais ricos em iodo, mas a frequência do consumo faz com que não sejam os que mais contribuem para a ingestão diária de iodo, sendo esse papel atribuído aos lácteos. Um outro fator preocupante tem sido a sua substituição por alternativas vegetais ao leite, que, sem a fortificação alimentar destes produtos, poderão colocar em causa o alcance das necessidades nutricionais. Não sendo o iodo proveniente da dieta típica de grande parte dos países suficiente, a medida mais utilizada com sucesso para a prevenção do défice de iodo é a universalização da iodização do sal. Em Portugal, apesar de existir sal iodado à venda nos supermercados, a escolha e substituição do sal comum pelo iodado depende apenas do consumidor. O baixo conhecimento do consumidor e o facto de nem todas as lojas disponibilizarem sal iodado para venda traduz-se nas baixas vendas de sal iodado.
A gravidez é um estado fisiológico em que as necessidades nutricionais de iodo estão aumentadas e cujos prejuízos são mais críticos e irreversíveis. Para tentar reverter esta situação, em 2013, as autoridades nacionais de saúde recomendaram a suplementação de iodo durante a preconceção, gravidez e aleitamento. Apesar disso, os dados recentes apontam para que ainda não se tenha atingido a suficiência em iodo nas grávidas portuguesas, o que nos leva a levantar questões relativamente à prática de prescrição e real adesão a esta recomendação.
Quais os principais riscos associados à carência de iodo, quer para a mãe quer para o feto?
O iodo é um mineral essencial, crucial para a formação das hormonas tiroideias, com grande impacto na regulação metabólica e no desenvolvimento do sistema nervoso central. Para a mãe, pode traduzir-se na manifestação de hipotiroidismo e bócio. Para o feto, as consequências podem ir desde atraso no crescimento ao comprometimento cognitivo. O défice severo, atualmente erradicado em grande parte dos países, poderia manifestar-se como cretinismo, mas mesmo défices ligeiros e moderados têm sido associados a menor desempenho cognitivo da descendência.
“Os dados disponíveis indicam que no Minho, Covilhã e Açores, cerca de 70% das grávidas relatam o uso de suplementação, enquanto na região do Porto estima-se que apenas cerca de 50%”
A DGS recomenda a suplementação para todas as mulheres na preconceção, durante a gravidez e na amamentação. É prática clínica comum ou ainda é preciso alertar para a importância da mesma?
A indicação médica e posterior adesão à suplementação poderá variar consoante as regiões. Os dados disponíveis indicam que no Minho, Covilhã e Açores, cerca de 70% das grávidas relatam o uso de suplementação, enquanto na região do Porto estima-se que apenas cerca de 50%. Sabemos ainda que o início da suplementação é menos vezes realizado na fase da preconceção e durante a amamentação. De acordo com o nosso estudo mais recente, a duração da suplementação estimada pelas dispensas nas farmácias fica muito aquém das recomendações. Estes dados merecem a atenção das autoridades de saúde pública nacionais e dos profissionais de saúde, sendo necessárias campanhas de sensibilização e da população que promovam a adesão à recomendação, particular ênfase no início da toma e continuidade durante o aleitamento materno.
E nos casos em que a suplementação é contraindicada, que medidas se devem adotar?
Para prevenir as consequências do défice de iodo, a medida mais utilizada a nível mundial, com melhor custo-eficácia e bom perfil de segurança é a universalização do sal iodado. Com este tipo de medidas, é possível ajustar o teor de iodo no sal de acordo com o consumo da população, prevenindo não só o seu défice, como o seu excesso, sendo a monitorização sempre importante. A fortificação alimentar poderá ser útil e mais eficaz que a suplementação neste aspeto. No entanto, quando não é possível desta forma assegurar as necessidades da população, recomenda-se a suplementação especial dos grupos de risco, como as grávidas. No caso da suplementação de iodo, a patologia tiroideia funcional é contraindicação para a sua utilização, ainda que não haja consenso em todo o tipo de patologia; pelo que nestes casos deve sempre ser considerada a avaliação pelo clínico.
Maria João Garcia
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