
As tarifas são um erro para a economia americana e os erros de Donald Trump no mercado global provém da mesma fonte e custam caro! A sua dificuldade em compreender o conceito de criação de valor vai para além de um joguinho maniqueísta em que uns ganham e os outros perdem. Para o presidente norte-americano, bem como para a sua administração, as exportações e importações resumem-se a uma balança comercial que deve estar próxima do zero ou, na melhor das hipóteses, a descair para benefício dos EUA.
Para Trump o mundo é isso mesmo, uma balança. Dois pratos. Um peso e um contrapeso. Todas as relações entre a sua nação e o restante globo devem cair num dos hemisférios. Enquanto há países que são um peso para os EUA, que apresentam uma balança comercial deficitária para as pretensões americanas, os que na linguagem frívola de Trump são os diabólicos “very bad partners”, no outro prato estão os bem-comportados, os contrapesos que apresentam uma balança comercial mais próxima do equilíbrio desejado por Trump, os “very good partners”.
É entre os meandros deste simplismo dicotómico que Donald Trump confunde o lucro da balança comercial com a criação de valor, o que talvez tenha contribuído para a redução dos seus níveis de popularidade. Posto isto, o paralelismo utilizado pelo laureado com um Nobel da Economia, Robert Solow, aquando da tensão comercial entre EUA e Japão nos anos 90, aplica-se ao racional por detrás deste artigo: Solow mostrou-se indignado (ironia) com o défice crónico que tem na balança comercial do seu barbeiro, porque o seu barbeiro nunca lhe tinha comprado nada.
Esta tradução macarrónica da frase original do economista oferece um exemplo muito pragmático e familiar do que Trump não compreende. Nem todas as trocas comerciais se medem em valores absolutos. Há produtos e serviços que criam valor para uma sociedade, mesmo que isso represente um défice crónico de uma nação ou de um indivíduo, para com o seu parceiro comercial.
O barbeiro é um exemplo micro da criação de valor que perpetua o défice crónico por necessidade. O cabelo vai crescendo, logo requer manutenção frequente, o que implicará um gasto crónico e regular para cortar, nutrir e cuidar daquela poderosa camada capilar incessante no seu desenvolvimento. Enquanto fecha os olhos e se recosta na cadeira à espera que lhe aparem a barba, essa despesa só aumenta dependendo da regularidade e do estilo do corte. Não vamos ignorar a inflação, o que implica o aumento ligeiro do preço no corte de cabelo e barba, eriçando os cabelos da nuca até ao cliente mais paciente na hora de proceder ao pagamento.
Portanto, o défice é óbvio. A necessidade deste défice para o cliente também o é. A balança comercial é muito favorável ao barbeiro. No entanto, o barbeiro ao corresponder às expetativas capilares e estéticas do seu cliente criou valor para o individuo em questão (e talvez até para a sociedade, se considerarmos que a mudança de look pode ter levado a uma conexão romântica, que por sua vez, a longo-prazo aumentou a natalidade no país ou concebeu um génio económico que foi decisivo para a redução do índice de Gini norte-americano). Tudo isto é economia.
Por estar implícita a criação de valor estético, social ou um incremento da auto-estima do individuo, o cliente aceita manter esse défice crónico com o seu barbeiro.
Tal como o cabelo, há milhares de exemplos de produtos e serviços com os quais nos cruzamos diariamente e que geram défice, enquanto criam valor para a sociedade. Isso legitima a existência de um Estado funcional como alicerce económico da iniciativa privada, para garantir a absorção desse custo sem uma escalada de preços descontrolada, que permite aos seus cidadãos e empresas inovarem (e correrem riscos profissionais, financeiros e económicos) com mitigação do risco pessoal.
A administração Trump não compreende a criação de valor fora da esfera financeira e esmaga os pequenos e médios empresários, que veem as suas margens de lucro diluídas nas taxas inventadas pelo presidente americano. Ainda mais notórias desde o anúncio das novas tarifas, particularmente penalizadoras em três mercados fundamentais para o escoamento da produção norte americana: o México, a União Europeia e o Brasil.
Inspirado pelo micro ecossistema da barbearia, termino com três análises sucintas sobre criação de valor para cada um dos mercados alvo das novas tarifas de Trump – uns mais sérios que outros.
O flagelo da intermitente morte do mercado de mangas
As tarifas às importações provenientes do México deixam o mercado de mangas nos EUA à beira do colapso. As novas tarifas aplicadas ao México obstaculizam a cadeia negocial deste fruto tropical, que vai desaparecendo das prateleiras das grandes superfícies norte-americanas, dada a reduzida capacidade de produção a nível doméstico. Equilibra-se a balança comercial entre importações e exportações, desaparecem as suculentas polpas de manga.
A inflação que chega atrasada, mas sempre aparece
Se a intermitente morte de mangas que não nascem em solo norte-americano é um problema no imediato, as tarifas de 30% (agora 15%) à UE, irão afetar o sector automóvel, em particular devido às barreiras criadas nas transações entre EUA e Alemanha. A inflação não se fará sentir hoje ou amanhã, mas a subida dos preços é uma certeza no próximo semestre. Porquê este delay na inflação?
Por um lado, é um ajuste do mercado ao comportamento menos despesista dos consumidores, que adivinham tempos difíceis, perante a instabilidade comercial de Trump, e por isso reduzem a procura, evitando a voracidade da inflação galopante. Se não há procura, os preços não sobem. Por outro lado, no sector automóvel as redes são tão densas e complexas, que o contágio inflacionista demora mais a propagar-se. As margens amplas permitem que uma subida de preços ligeira seja absorvida pelo volume de capital e matéria transacionada em mercados de estrutura megalómana, como o sector automóvel.
No entanto, a longo prazo, não sejamos incautos e demasiado otimistas com o acordo dos 15%! Os efeitos dessa inflação sentir-se-ão no bolso dos contribuintes tanto nos EUA como na UE.
Qual o preço da justiça?
O caso mais cataclísmico porque implica aplicar as tarifas como instrumento punitivo para forçar uma ingerência extern, é o exemplo do sistema judicial brasileiro, país que compra muito mais aos Estados Unidos (EUA) do que aquilo que vende (em biliões de dólares), oferecendo ao longo da última década anos consecutivos de lucro para a balança comercial norte-americana.
Este apoio de Trump a Bolsonaro, com prejuízo para a economia americana, é a prova que o presidente dos EUA afinal é capaz de compreender o que é criação de valor fora da esfera financeira. Os 50% podem prejudicar a economia dos EUA (bem como a brasileira), mas criam valor doutra forma, caso surtam efeito e ajudem a limpar a imagem e credibilidade de ambos.
Para Donald Trump, o valor político dessa aliança, apesar de intangível, pesa mais que os pratos da balança comercial.