Com uma inconfundível genialidade, Fernando Pessoa ocupa um lugar único na cultura portuguesa e na literatura universal. Entre as muitas obras que nos deixou, o poema épico “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos, destaca-se como um marco inigualável na poesia portuguesa, não apenas pela sua extensão, mas pela profundidade com que explora as emoções, a existência do Eu, a história e a modernidade. Este poema revela o poder avassalador da imaginação, conduzindo o leitor por paisagens e sentimentos de intensos contrastes que refletem o quão profunda e multifacetada é a alma humana.
Tocados pela imaginação somos transportados para explorarmos sentimentos contraditórios, da nostalgia serena até visões tenebrosas que perturbam a tranquilidade. E Pessoa consegue, com uma mestria singular, evocar uma dinâmica de extremos: ora palavras violentas, carregadas de emoção e angústia, ora imagens ternas que nos convidam à paz de espírito. Esta alternância é a essência da sua poética, uma dança constante entre a luz e a sombra. Um bailado envolvente de contrastes para serem lidos e vividos por cada um de nós.
O simbolismo do mar é também um marco nesta Ode, representando não só a história portuguesa, mas também a condição humana, envolta em mistérios e inquietudes. É impressionante como Fernando Pessoa transita entre a revolução industrial e a história tão marítima de Portugal e questões existenciais totalmente intemporais. É esta universalidade e clareza que tornam a sua poesia eterna, capaz de dialogar simultaneamente com o homem do início do século XX ou com o leitor contemporâneo.
E é neste entrelaçado de sentimentos e contrastes que conseguimos encontrar a musicalidade da “Ode Marítima”, presente na própria estrutura do poema. Pessoa constrói imagens que, apesar da métrica livre, possuem uma cadência expressiva. Não há como ignorar os contrastes psicológicos e sentimentais do texto: uma visão de angústia pode ser imediatamente substituída por uma luz repentina, por um segundo de nostalgia ou uma transcendência. Assim como oscila entre a nostalgia e o terror dos mares revoltos, logo a seguir retornamos à doçura da infância evocada pela tia quando entoava a “Nau Catrineta”.
É notável como, mesmo em versos livres, Fernando Pessoa cria uma música interna com as suas palavras. Não se trata de uma musicalidade técnica, de métrica ou rima, mas de um conteúdo carregado de expressividade. É esta música de contrastes que tem inspirado artistas, nas mais diversas áreas, a recriar a sua obra.
Um dos maiores desafios ao trabalhar com um poema como este é a sua vastidão. Dividi-lo e reimaginá-lo musicalmente, sem perder a sua essência, exige uma compreensão intuitiva do espírito do poeta. A obra oferece infinitas possibilidades criativas, pois carrega em si uma intensidade dramática em cada verso. É uma poesia que fala ao coração e ao intelecto, com profundidade filosófica e lirismo, um equilíbrio raro que transcende a linguagem e alcança o universal.
É esse o desafio da expressão criativa de sentimentos, experiências e projeções presentes nesta Oratória Sensacionista, apurada em quase cinco anos de trabalho de composição artística, disponível para ser sentida e ouvida no próximo dia 6 de dezembro no CCB, em Lisboa. Oratória Sensacionista porque assenta a sua dinâmica dramática nesse movimento artístico absolutamente original que Fernando Pessoa inventou, o “sensacionismo”, e que eu, ao longo de toda a minha vida, tenho tentado seguir como se fosse a minha própria lei.
Este será mais um tributo à imortalização da obra de Fernando Pessoa, a uma expressão maior da criação e da cultura nacionais, refletindo aquilo que nunca deixará de fazer parte do ser humano – a angústia de não sabermos quem somos, a ânsia de explorar e descobrir, a sedução e o medo do desconhecido.
Pessoa, por nós e pela sua obra literária, merece todos os passados que façamos presente. A “Ode Marítima”, que junta a palavra e a música, será um tributo sentido à genialidade de Fernando Pessoa e ao ser português. Agora e sempre.