
Aos 85, morreu Luís Oliveira, o visionário fundador da Antígona, uma das poucas editoras independentes portuguesas, que se define com o slogan "sementes de dissidência". Em comunicado às redações, a equipa da casa editorial por ele criada em 1979 promete que "continuará o seu legado", tal como "o Luís amaria e desejaria".
"Dono de uma força imensa e de uma energia contagiante, fazia do mundo um 'espaço de encontros que visam o prazer e a construção de um lugar ameno, deleitoso e voluptuoso'. Dançou até ao fim", lê-se ainda no comunicado.
Descrito como um "ingénito provocador", Luís Oliveira nasceu em 1940, em Tomar e foi dono da livraria Apolo, em Santarém, onde participava do grupo que frequentava as tertúlias do Café Central. Em 1973 mudou-se para Lisboa, tornando-se anos depois na figura de proa de um projeto editorial ousado, tanto na altura como ainda hoje. O primeiro livro da Antígona, que deve o nome à heroína da tragédia de Sófocles e simboliza a desobediência, foi "Declaração de Guerra às Forças Armadas e Outros Aparelhos Repressivos do Estado", um panfleto de 50 páginas escrito por ele próprio ao lado de Torcato Sepúlveda, mas assinado sob o pseudónimo de Custódio Losa.
Com mais de 400 livros publicados, sempre mantendo o logótipo do entre os autores do catálogo contam-se Albert Cossery, Emma Goldman, George Orwell, Graça Pina de Morais, Guy Debord, Henry David Thoreau e Simone Weil, assim como Achille Mbembe, Leonora Carrington, Niels Lhyne, Ailton Krenak, Sven Lindqvist, Marlen Haushofer, Georges Perec, Luísa Carnés, Anselm Jappe, Gabriela Wiener, Layla Martínez, Angela Davis, entre muitos outros.
Não investiu especialmente na literatura portuguesa, pois "poucos autores portugueses se identificam com a nossa linha editorial", como a própria editora assume no site, onde também é dito que publica pouco, "não mais que uma vintena de títulos por ano", por considerar que "a quantidade é inimiga da qualidade" e que um dos critérios para escolher um autor é observar primeiro se "mija fora do penico".
"Editora sem coleções, por considerar que a separação deve ser combatida, todos os títulos da Antígona obedecem a uma ideia central, a um projeto coerente e unitário. Em cada momento histórico importante, a Antígona tem sabido dar aos leitores obras que contribuem para a compreensão dos acontecimentos que mudam a sociedade e a nossa vida", autodescreve-se.
Ao Expresso, numa entrevista de 2019, disse que não pensava em retirar-se: “Farei isto até ao fim. Acordo todos os dias bem disposto porque sei que venho para aqui. Se quer que lhe diga, agora tenho ainda mais gozo em descobrir livros para publicar do que tinha no início. Até salivo! Por isso, venham daí mais dez anos ou o tempo que me restar.”
Numa curta nota de pesar, o Ministério da Cultura expressou condolências aos familiares e amigos de Luís Oliveira, que "dedicou a sua vida aos livros e ao pensamento crítico, cultivando o gosto pela palavra, pelo debate e pela liberdade".