A Inteligência Artificial Generativa (IAG) é objecto das mais díspares apreciações, variando de acordo com o percurso pessoal e profissional de cada opinante, ou mesmo do humor do momento. Opina quem sabe, opina quem julga que sabe, opina quem nada sabe.

No entretanto, a IAG vai cantando e rindo, prosseguindo o seu caminho, já não gatinha, já lhe despontaram os dentinhos – com tendência para afiarem – já fala e, pasme-se, até já quer ter a vontade própria típica da adolescência a que não faltam os disparates ou as malandrices.

É, pois, nesta fase que deve ser educada de modo a que, quando adulta, adopte um comportamento responsável e sério, respeitador dos valores da justiça e da equidade. O impacto de uma IA desregulada não incide apenas no nível moral/ético e traz consigo um conjunto de consequências também ao nível material que não são despiciendas.

Enquanto esta IAG, que gosta de brincar a fazer música ou filmes, a escrever livros ou a pintar quadros, se entretém nestas descobertas supostamente artísticas, os verdadeiros criadores que contribuem para a sua educação são largamente prejudicados. A obra que criam, com talento e esforço, serve para que a IAG aprenda. Sem os conteúdos – protegidos nos termos da lei – não seria possível alimentar os modelos que utilizam técnicas de machine learning (os famosos LLM) através das quais a IA se desenvolve.

E o que ganham os autores desses “manuais” que vão servir para a aprendizagem da máquina? Nada! Pior, perdem. E muito. Há quem tente minimizar esta dimensão do tema, mas ela é bem real, como prova um largo estudo realizado pela consultora francesa PMP Strategy sobre o impacto da IAG no sector da música e do audiovisual até 2028, tornado público no dia 3 de Dezembro, em Paris.

Os dados que este estudo nos fornece indicam um quadro altamente penalizador dos criadores que, a não serem tomadas medidas rapidamente, poderão sofrer um prejuízo acumulado, em 5 anos, na ordem dos 22 biliões de Euros.

O mercado da “música” gerada por IAG valerá um total acumulado de cerca de 40 biliões de euros em 5 anos, o que poderá significar uma perda de 24% nos rendimentos dos autores, equivalente a 10 biliões de euros.

No que ao audiovisual diz respeito, o filme repete-se: estima-se que o mercado assente na IAG valha um total acumulado de 48 biliões de euros até 2028, implicando uma perda para os criadores de cerca de 21%, equivalente a 12 biliões de euros.

Naturalmente que a IAG, enquanto ferramenta, é muito útil na ajuda ao processo criativo – um número cada vez maior de autores recorre a ela como auxiliar no seu trabalho - e em muitos outros sectores da actividade humana. O busílis está na fronteira entre o apoio e o domínio, entre a coexistência e a canibalização, o problema reside quando ela se transforma em agente autónomo e o cenário de ficção se torna, lenta e paulatinamente, em amarga realidade.

Não se advoga a diabolização desta forma sintética de inteligência que muito nos pode ajudar. Ou não. Depende do modo como a conseguirmos controlar. No caso dos conteúdos artísticos protegidos, a regulação passa pela inclusão de informações detalhadas sobre todas as fontes de dados, websites, serviços online, bases de dados, etc., utilizadas pelos modelos de IA. Passa por assegurar que os fornecedores de IA tenham de obter licenciamento para os conteúdos que utilizam na alimentação das máquinas.

Afinal de contas, se não existisse o produto do trabalho criativo humano não haveria material para ensinar a IA. Deve aquele ser gratuito para os criadores, enquanto permite que o resultado da sua utilização seja crescentemente lucrativo para as empresas?

É certo que o alvoroço etéreo que só o autor, com a sua humanidade construída numa miríade de sentimentos e de vivências consegue imprimir à arte, jamais se perderá, mas, se não se salvaguardarem os legítimos direitos que este tem de ser remunerado pela utilização das suas obras, corremos o risco de existirem cada vez menos verdadeiros criadores a produzir aquela arte que nos alcandora aos patamares da emoção sublime.

E aí teremos perdido parte da nossa essência enquanto pessoas e enquanto sociedade.


Paula Cunha. Socióloga. Administradora na Sociedade Portuguesa de Autores