Foi durante o segundo ano da faculdade, que frequentou na capital, que Diogo Silva, pela primeira vez, teve contacto com o “conceito”. “Rendi-me logo”, conta. Na Madeira, onde viveu até aos 18 anos de idade, “não existem lojas ou espaços” deste género. Para além disso, há “uma ideia errada do que é” comprar em segunda mão. “Associam-no a uma atividade realizada pelos mais pobres”, conta.

Hoje, o jovem universitário de 22 anos, a quem os amigos até “pedem conselhos” sobre o assunto, defende que “é preciso desmistificar” a compra em segunda mão. Reconhece que, por exemplo, os seus familiares “ainda têm um estigma relativamente a comprar coisas que já foram utilizadas por outras pessoas e preferem ter tudo novo”.

Em Portugal,menos de um quarto dos jovens compra em lojas de segunda mão ou de troca de roupa, roupa sustentável e/ou produção ética, segundo um estudo promovido pela FEC - Fundação Fé e Cooperação, em parceria com o CEsA/Oficina Global e cofinanciado pelo Camões, I.P. Cerca de um terço dos jovens inquiridos pelo estudo afirmava nunca o fazer.

Mariana Varela tem 20 anos, nasceu em Lisboa, mas estuda agora Design de Moda na Universidade da Beira Interior, na Covilhã. No final do ano de 2021, descobriu “a possibilidade de ter peças parecidas com as de influencers, por um preço mais baixo”. Por isso, hoje, compra, “maioritariamente, roupa e acessórios e, às vezes, calçado” em segunda mão.

Foi também “há cerca de 3 anos” que Marta Parada, de 21 anos, começou a comprar em segunda mão. “Percebi que era uma ótima solução que ia ao encontro dos meus gostos”. Além disso, acrescenta, “amigas minhas também o faziam”. Entre os produtos que mais compra estão “casacos, calças, camisolas e carteiras”.

Já Diogo Silva procura nestas lojas, para além de roupa e acessórios, também “objetos de decoração”. Há, ainda assim, certos produtos que os jovens dizem não comprar em segunda mão, como roupa interior, de banho e de cama, por questões higiénicas, ou mesmo material escolar, eletrodomésticos e loiça, para assegurar qualidade e atualidade.

As razões

No entanto, para estes jovens parece não haver dúvidas sobre as vantagens da compra em segunda mão, ainda que apontem a possibilidade de as peças não estarem sempre nas melhores condições e a dificuldade em encontrar artigos do seu tamanho.

“Já aconteceu eu ficar horas à procura de um par de calças e acabar o dia sem sucesso”, conta, por exemplo, Diogo Silva. Mesmo assim, vê como “interessante” a “caça ao tesouro” que diz ser a compra em segunda mão. Às vezes, conta, “nem sabemos do que vamos à procura”.

De resto, as razões apontadas pelos jovens são simples e parecidas. “Eu defendo a ideia de que a moda é um modo de expressão individual e que não deveria ser mais um uniforme na nossa vida”, diz o universitário. “Sei que dificilmente encontrarei alguém com uma camisa dos anos 80 que comprei em segunda mão, enquanto, se for a uma loja de roupa fast fashion, irei ver umas 5 pessoas iguais a mim”, acrescenta.

Para além disto, nota Mariana Varela, esta é uma oportunidade de dar “melhor uso a algo que ainda tem valor”. Comprar em segunda mão permite à jovem “ter peças únicas que, provavelmente, nunca mais vão ser feitas” e encontrar “roupas com a estética de que mais gosta”, peças dos anos 90 e 2000.

Marta Parada considera que “a ânsia de comprar coisas novas surge da vontade de ter roupa mais atual, que, muitas vezes, acaba por ser uma réplica de tendências passadas”. Por isso, argumenta a estudante, “a segunda mão vintage é uma opção muito melhor”. “Acho que se conseguem encontrar coisas com boa qualidade e a bons preços que acabam por ser intemporais”, diz.

Estes jovens não esquecem, ainda, o peso ambiental e económico das suas escolhas. Comprando em segunda mão, “acabo por ser mais sustentável e consciente economicamente”, afirma Mariana Varela. “Acho que devíamos aproveitar o facto de que temos roupa suficiente para as próximas 5 gerações para combater as alterações climáticas”, repara Diogo SIlva.

Todos os anos, esta que é uma das indústrias mais poluentes do mundo emite entre 2 a 8% dos gases de efeito estufa, usa o equivalente a 86 milhões de piscinas olímpicas de água natural e contribui com 9% de microplásticos nos oceanos, segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Por outro lado, existe também a “vertente humanitária”, como alerta Diogo Silva. “Consumimos marcas que não são muito transparentes no modo de produção” e que,“para terem maiores lucros”, sujeitam os trabalhadores a “condições precárias”.

Um número significativo e crescente de jovens no mercado

O número de jovens até aos 35 anos que compra e vende peças usadas na Big Closet é “significativo” e tem, acrescentam as fundadoras Vânia Morais e Inês Madureira, crescido consideravelmente. “Muitos destes jovens são apaixonados por moda e sustentabilidade”, “estão sempre à procura de peças que reflitam as tendências atuais, como roupas oversized, peças vintage e acessórios únicos”. Além disso, para aproveitar “a oportunidade para limpar os armários e ainda obter um retorno financeiro”, “costumam vender roupas que já não utilizam”.

“Criar um grande armário onde se partilhasse moda” era o sonho das “amigas de longa data” Vânia Morais e Inês Madureira. Inspiradas numa frase da personagem Carrie Bradshaw na série The Sex and City, “Just get me a really big closet” [arranja-me um armário muito grande], idealizaram isso mesmo: “um grande armário, repleto de tendências e clássicos”. Assim, em maio de 2020, nasceu a Big closet, fruto da vontade de Vânia Morais e Inês Madureira de “democratizar o acesso ao vestuário de luxo e premium de forma sustentável”. “Acreditamos que a moda não precisa de ser descartável e que o futuro do consumo está na reutilização”, contam.

As questões da sustentabilidade e impacto ambiental eram também tema de conversa recorrente entre Ana Lopes e Telma Santos. “Trocávamos dicas e conselhos e partilhávamos preocupações”, conta ao Expresso Ana Lopes. “Daí a pensar que poderíamos criar algo foi um passo”. Tiveram a ideia em 2019 e, em setembro de 2020, lançaram a reCloset com o intuito de “criar uma solução que não só informasse e alertasse as pessoas para as suas compras de moda, como lhes desse uma alternativa de compra e venda de peças em segunda mão”.

Na reCloset são comprados e vendidos sapatos, acessórios e peças de roupa de mulher e homem. Em maior quantidade, conta Ana Lopes, são procurados pelos seus clientes t-shirts, camisolas e casacos. Os clientes da reCloset são sobretudo mulheres e a fundadora calcula, pelo “perfil de seguidores nas redes sociais”, jovens na sua maioria. Nas pessoas que procuram vender, também em grande parte mulheres, notam “que a idade é levemente superior”.

Os valores a que são vendidos os artigos dependem das próprias “peças, do estado, da marca e dos materiais das mesmas”, entre outros fatores. “Uma t-shirt ou camisola leve”, exemplifica Ana Lopes, “tem um preço médio de 7€, enquanto casacos leves até sobretudos rondam os 24€”.

Na Big Closet, a realidade é diferente, os produtos vendidos, que incluem “vestuário, calçado, malas e acessórios de mulher, homem e criança”, são de “marcas de luxo e premium”. Os preços, por isto, “variam entre os 49€ e podem chegar até aos 6.000€, como no caso de uma icónica mala clássica da Chanel”. Os valores são definidos “tendo em conta fatores como a marca, o estado de conservação, a raridade da peça e o seu valor no mercado de segunda mão”.

Comprar em segunda mão, por outras causas

“Tudo o que temos na Dona Ajuda é doado”. A Dona Ajuda “não é só” um espaço de artigos em segunda mão, mas “um projeto social, ambiental e cultural”, refere a Direção da Associação Boa Vizinhança, que dinamiza a loja social. Tudo começou em 2014, “tendo como ponto de partida o desejo de um grupo de “vizinhos” de fazer algo de útil em prol da comunidade”. Hoje, o projeto envolve “mais de 100 pessoas entre voluntários, contratados, prestadores de serviços e amigos”.

“Todos os dias, generosamente, nos chegam os mais diversos artigos: todo o tipo de roupa, calçado, acessórios, artigos para a casa, decoração, livros, jogos, DVD, CD, pequenos móveis, pequenos eletrodomésticos, quadros”, explicam. Apesar de “já sem interesse para os seus proprietários”, estes são bens, reforçam, “com imenso interesse para quem os quer levar ou adquirir”.

Todos os produtos “passam por um criterioso processo de triagem” que determina o seu destino. Para escoar “têxteis e calçado em más condições”, foi estabelecida “uma parceria com uma empresa que recicla este tipo de materiais”. Outros bens, que estejam em condições para ser usados, mas não expostos na loja, são entregues em bairros sociais.

Na loja, no Mercado do Rato, “quem vem devidamente referenciado pode levar o que necessita, sem qualquer custo, atendendo a um plafond mensal definido”. Quem, por outro lado, o conseguir “faz uma doação por um valor sugerido em troca do que pretende levar”. Este montante, que varia conforme os produtos - “DVD, CD, e livros desde 2 euros, acessórios e artigos para a casa desde 3 euros e peças de roupa desde 5 euros” -, é doado a instituições parceiras ou pessoas devidamente referenciadas. Em 2023, partilha a Direção, apoiaram 106 entidades e mais de 2 mil famílias, concedendo cerca de 230 mil euros em apoios e doando quase 29 mil artigos.

Ainda que os principais clientes da Dona Ajuda sejam os beneficiários, segundo a Direção, os compradores englobam uma grande diversidade de pessoas, na qual se inserem jovens “cada vez mais sensíveis às questões da economia circular e à originalidade das peças que usam”. “Já são muitos os que compram, começamos a sentir uma preocupação cada vez maior com a reutilização da roupa e um cuidado para evitar o desperdício”, comenta a Direção.

Das grandes plataformas online às lojas físicas

Para as “estatísticas” da Dona Ajuda conta João Silva, o estudante madeirense, que diz costumar comprar e doar na loja social. Ainda assim, é, normalmente, nas grandes plataformas retalhistas, como a Vinted, ou em lojas físicas já conhecidas no ramo, como a Humana, a Flamingos Vintage Kilo, em Lisboa, e a O’Kilo, no Porto, que os jovens que falaram ao Expresso compram. Mariana Varela admite, ainda, encontrar produtos através de páginas de Instagram ou em feiras.

“Sendo online, o mais difícil é usar os termos certos na pesquisa para encontrar o que quero, mas, de resto, é muito simples”, afirma a jovem. Já Diogo Silva diz optar mais frequentemente pelas lojas físicas, ”prefiro fazer as coisas à moda antiga, tocar nas peças de roupa, observá-las de perto e entender a sua qualidade e estado, quando compro em plataformas online, não tenho tanta perceção de como se encontram as peças”.

Quando já não a querem, os jovens preferem, principalmente, dar uma segunda vida à sua roupa, através da doação, troca ou venda da peça de roupa. Segundo o já mencionado estudo promovido pela FEC, cerca de 67% das roupas que os jovens já não usam segue este caminho.

Vendo produtos de que já não gosto ou a que não dou muito uso, sejam meus ou de membros da minha família”, conta Mariana Varela. Fá-lo, maioritariamente, na Vinted e na Feira da Ladra. Também Marta Parada o faz, para além de na Vinted, no Facebook e no Olx.

Já Diogo Silva, ainda que admita que, em alguns momentos, já vendeu ou doou artigos, afirma: “não tenho tendência a vender os meus produtos”. Normalmente, pondera antes de comprar peças ou objetos e, por isso, é raro que pense em ver-se “livre deles”, conta ao Expresso.

Um mercado cada vez mais competitivo

Segundo a Direção da Dona Ajuda, está a assistir-se a uma “mudança de mentalidade, tanto para empresas como para os consumidores”, que favorece “a durabilidade, o reaproveitamento e a eficiência na utilização de recursos”. A loja social tem registado “um crescimento substancial, quer ao nível das doações, quer no número de compradores”. “Cada vez mais pessoas estão preocupadas com o impacto ambiental do consumo excessivo”, afirma a Direção. Para além disto, "a instabilidade económica e o aumento do custo de vida têm levado as pessoas a procurar alternativas mais acessíveis”.

Também na Big Closet, onde a média de vendas mensais é de aproximadamente 300 artigos, se tem “assistido a um crescimento constante nas vendas”. As fundadoras Vânia Morais e Inês Madureira, que dizem estar já “a trabalhar na abertura de uma terceira loja numa nova localização”, acreditam que a razão para tal está na “combinação de sustentabilidade, exclusividade e preços competitivos”.

Por outro lado, Ana Lopes, da reCloset, que prefere não divulgar as quantidades exatas de vendas, deixa transparecer que “fruto de forte concorrência, quer nacional quer internacional, existe alguma estagnação” nestes valores. “O mercado de segunda mão está a crescer e, por isso, atraiu a atenção de grandes empresas e marcas", nota.

A Zara conta já com uma plataforma para vender roupa em segunda mão no mercado francêse inglês. Até na indústria do imobiliário a tendência se sente, com o recente anúncio de que também a IKEA está a testar a plataforma Ikea Preowned para vendermóveis em segunda mão.

Apesar disso e de reconhecer que “o grande sucesso ainda está nas plataformas online dedicadas à segunda mão”, Ana Lopes ressalva: “pensamos que negócios de proximidade e que se foquem num segmento específico, podem construir o seu lugar no mercado”.

*Artigo escrito por Mariana Ramos Loureiro e editado por David Dinis