O olhar atento de quem percorre os campos desde menino descobre a existência de preciosidades escondidas, como as silarcas. À primeira vista não parece haver nada, mas pequenas rachas, ou alterações muito ténues do terreno, evidenciam tesouros por descobrir junto às azinheiras e sobreiros. A silarca, cogumelo com o nome científico de Amanita ponderosa, é uma espécie que vive em simbiose com estas árvores do montado alentejano.

Habitualmente recolhido de janeiro a março, a receita que mais faz sobressair o sabor deste cogumelo será a de “Silarcas com ovos”, um pouco à semelhança do que acontece com as trufas, mas com um preço bem mais acessível. As receitas que permitem desfrutar de toda a complexidade de sabores da silarca não têm grande segredo. No caso de serem preparadas na frigideira, com ovos, basta não deixar passar demasiado nem as silarcas nem os ovos, que devem ficar húmidos e fofos, sendo, tanto uns como outros, cozinhados apenas ligeiramente. Já grelhadas, de preferência no lume, levam apenas uma pitada de sal no chapéu, que as faz libertar um suco de sabor intenso. Outros preparos entusiasmam cozinheiros e comensais.

Silarcas com ovos
Silarcas com ovos Expresso

Em Portel, região onde se encontram com abundância, participantes inspirados do Congresso Nacional das Açordas acrescentam silarcas aos ensopados e às açordas, entre as quais o tradicional “Calducho”, caldo muito típico feito com poejos verdes e pão. João Mourato, que comanda a cozinha do Restaurante da Quinta do Quetzal, na Vidigueira, é um “silarqueiro”. Explica que, “colhida em solo de areia tem um sabor menos intenso, ao contrário daquela encontrada em solo de barro, que revela um sabor intenso e único”. Dos pratos que o chef costuma ter na ementa durante a época das silarcas constam os “Ovos com silarcas e lardo de porco alentejano”, o “Arroz de perdiz com silarcas”, a “Falsa cabidela de galo do campo com silarcas” (cabidela de galinha sem sangue), o “Cachafrito de borrego com silarcas e hortelã” e o “Borrego assado com arroz de silarcas”.

Para celebrar e saber mais acerca da silarca, mais do que se justifica agendar uma visita ao Festival anual de Cabeça Gorda, em Beja. O certame decorre anualmente no mês de março, entre tertúlias e passeios micológicos, oficinas de cozinha, concertos, cante alentejano, exposições, e ainda mercadinho, feira de produtos e artesãos, tasquinhas e lota micológica. “É um produto pelo qual tenho um carinho especial, de temporada e terroir, uma tradição e um vício para muitas famílias”, conta o chef João Mourato, da Quinta do Quetzal, onde está em planeamento um programa de apanha e oficina de cozinha com silarcas. “É como ir à pesca ou à caça, não se costumam revelar os sítios onde se apanham as melhores”, assegura, acrescentando que “é muito apreciada na Raia e no Baixo Alentejo”.

Silarcas
Silarcas Expresso

À caça de silarcas ou tortulhos escondidos
Encontradas com maior frequência no Alentejo, as silarcas, ou tortulhos, encontram as melhores condições nos concelhos de Portel, Reguengos de Monsaraz, Redondo, Barrancos, Moura, Évora e Vidigueira. Existem noutras localidades, mas em quantidades bem menores.

Encontrar silarcas não é fácil, pois escondem-se sob solos terrosos, no montado, junto aos sobreiros. A apanha deve ser feita com um conhecedor, na medida em que são muito parecidas com outro tipo de cogumelos não comestível. Dizem os mais experientes que se identificam pelo cheiro, textura e cor. Há quem faça o teste com um dente de alho, que se apodrecer junto à silarca é porque esta não presta. Como precisam de alguma humidade, nos invernos chuvosos, que rareiam a sul, há maior abundância. Aos sábados de manhã pode encontrá-las no Mercado 25 de Abril, no Largo de Santo Amaro, junto ao Castelo de Beja.

Restaurante Quinta do Quetzal
Restaurante Quinta do Quetzal Expresso

Onde se comem as melhores “Silarcas com ovos”?

País das Uvas
Restaurante com adega e museu dedicado ao vinho da talha, o País das Uvas tem nas “Silarcas com ovos” (€19,50) um petisco que é certo constar da ementa, não apenas na época própria como o ano todo “porque é um dos pratos que mais sai”, revela o proprietário. Prove este e outros petiscos como o “Feijão com carrasquinhas” e acompanhe com vinho da talha e medronho de produção própria.
Rua General Humberto Delgado, 19, Vila de Frades. Tel. 284441023

Adega Piteira
Vale a pena seguir viagem até à zona raiana para conhecer a Adega Piteira e almoçar ou jantar entre talhas. As silarcas (€10) estão na ordem do dia quando é época e pode assistir ao momento em que as cozinheiras as preparam, frescas, assim que chegam da apanha. Preparam-se com esmero, na companhia de ovos frescos, com uma fritura curta, de forma a preservar a humidade, que realça o gosto e potência, textura e sabor das silarcas. Devem ser acompanhadas do tradicional vinho produzido na talha, que recebe o rótulo com o nome da adega.
Rua da Fábrica, 2, Amareleja. Tel. 285983101

A Esquina
Sempre que há silarcas disponíveis, estão expostas para que os comensais apreciadores saibam que estamos no tempo delas e que é possível degustá-las noe restaurante A Esquina, promotor da boa charcutaria local, do famoso presunto Barrancos DOP, com 48 meses de cura, ao catalão e à murcilla. As silarcas surgem na ementa grelhadas apenas com sal ou preparadas com ovos (€15). A época de caça surpreende.
Rua das Fontainhas, 2, BarrancosTe l.285958694

Restaurante Quinta do Quetzal
Além de acompanhar a apanha das silarcas, o chef João Mourato idealiza uma ementa durante a época própria deste cogumelo silvestre. No Restaurante Quinta do Quetzal, as silarcas são cozinhadas com ovos e lardo de porco alentejano (€14), confecionadas com borrego e galinha e até adicionadas a pratos de caça, neste caso integrando um “Arroz de perdiz”. O chef baseia a cozinha na horta biológica e na matéria-prima endógena, de que são também exemplo o queijo de Serpa ou o borrego bio do Vale das Dúvidas, que dá origem ao “Borrego assado, puré de cenoura, espinafres e molho de hortelã”. Peça aconselhamento na hora de harmonizar: os vinhos são, claro, da adega da casa.
Quinta do Quetzal, Vila de Frades. Tel. 284441618

Guia Boa Cama Boa Mesa:
Guia Boa Cama Boa Mesa: Expresso

Um guia para provar tradições de Portugal
Do minhoto “Arroz de sarrabulho de Ponte de Lima”, ao transmontano “Butelo com casulas”, da outrora pobre “Feijoada de sames”, ao cosmopolita “Bacalhau à Brás”, dos raros “Molhinhos de Carneiro com grão”, à serrana “Galinha cerejada”, passando pela tradicional “Espetada regional com milho frito” ou pelas festivas “Sopas do Espírito Santo”, a cozinha tradicional está repleta de truques, segredos, histórias para descobrir no novo guia essencial “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”.

Dividido pelas sete regiões de turismo – Porto e Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Ribatejo, Algarve, Açores e Madeira, o novo guia “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”, com a chancela Boa Cama Boa Mesa e apoio do Recheio, está disponível desde de 8 de novembro (€15,90) em banca e/ou online AQUI (com desconto e oferta de portes para assinantes do Expresso).

Ao longo de 260 páginas, dedicadas aos mais típicos sabores locais, revelam-se histórias e curiosidades que dão forma a estas receitas. Cada prato, uma história, por vezes com várias versões, para descobrir pela voz de quem lhe conhece os segredos e pela mão dos guardiões da tradição: os melhores restaurantes tradicionais, que preservam um legado passado de geração em geração.

Sugerem-se cerca de 250 espaços para visitar, sentar-se à mesa e comprovar a autenticidade dos sabores regionais, partir à descoberta dos produtos locais ou “pôr a mão na massa”, em experiências que envolvem gastronomia e vinhos.

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