
Do interior raiano às falésias da costa, o Alentejo revela trilhos únicos que misturam natureza, história e identidade, em alguns casos com ligação ao Algarve. Entre calçadas medievais, rotas de contrabando e caminhos de pescadores, siga estas propostas para percorrer paisagens deslumbrantes e caminhos com história. Estas sugestões integram a coleção “Portugal Autêntico”, editada pelo Expresso.
Caminho medieval – Trilho Portagem - Marvão
É num Alentejo repleto de afloramentos graníticos, castanheiros, oliveiras, aveleiras, macieiras, cerejeiras e vinhas antigas, que se percorre o trilho Portagem - Marvão (PR1 MRV). Com pouco mais de 8 km de distância, este percurso pedestre começa e termina no Largo das Almas, na Portagem, freguesia do concelho de Marvão, onde se situa a praia fluvial de Portagem, banhada pelo rio Sever. Mais adiante, avista-se o pontão sobre o rio e o antigo moinho de água. As hortas e os pomares abrem caminho à ruralidade de Portagem. Terminado o asfalto, começa a calçada medieval ladeada por sobreiros, que indicam o trajeto em direção a Marvão. As árvores autóctones acima referidas ajustam-se à paisagem e adensam a floresta, até os sobreiros passarem a dominar este cenário idílico, do qual se avistam o Pico de São Mamede e a serra Selada, em plena serra de São Mamede.
No caminho para o castelo de Marvão, que não integra este trilho, vê-se o Convento de Nossa Senhora da Estrela e o Cruzeiro Manuelino. O aglomerado de casa pequenas e chaminés grandes anuncia a aldeia de Abegoa. Mais adiante, as sepulturas antropomórficas, escavadas na rocha, anunciam a Fonte Souto, de onde se retoma o percurso de regresso à casa da partida. À medida que se aproxima da praia fluvial da Portagem, vê-se o Palacete dos Araújos, seguindo-se a torre e a ponte medievais e o Centro de Interpretação Cultural e Ambiental do Moinho da Cova.
Terras de xisto — Entre o Escalda e o Pulo do Lobo
O PR 9 MTL, percurso realizado em pleno Parque Natural do Vale do Guadiana, começa e termina no Monte das Pias ou Antas das Pias. Este marco milenar do território alentejano coincide com o início do sedentarismo humano. O Moinho do Escalda ou Pulo da Zorra, nomes atribuídos ao moinho submerso na margem direita do rio Guadiana. Ali perto, está, em ruínas, a casa de apoio a este edifício, entre estevas, trovisco, sargaços e demais exemplares autóctones. A dificuldade adensa entre estas terras de xisto por onde passa a linha de água que separa a fronteira entre Portugal e a vizinha Espanha, indícios de que este percurso se destina a quem tem prática em trilhos com alguma dificuldade.
A natureza selvagem é cada vez mais notória à medida que se aproxima do Pulo do Lobo, localizado no centro da área protegida do Parque Natural do Vale do Guadiana. Ao mesmo tempo, o terreno torna-se ainda mais acidentado. Portanto, é preciso cautela para contemplar a queda de água formada há milhares de anos, a qual se precipita por cerca de 16 metros de altura. O avançar brusco das águas entre paredes rochosas refletem uma beleza ímpar a par com a biodiversidade constituída pela vegetação mediterrânica, bem como pela cegonha-preta e a ave imperial, que sobrevoam este lugar.
Rotas clandestinas – Trilhos do Contrabando
São rotas misteriosas estas do contrabando em contexto raiano. Desconhecem-se os trilhos exatos por isso o município de Portalegre ainda não “criou” nenhum percurso alusivo ao tema em referência. No entanto, segundo relatos das pessoas mais velhas de Alegrete e de São Julião, freguesias que fazem fronteira com La Codosera e La Rabaza, em Espanha, na altura da prática do contrabando na raia, faziam-se essas deslocações clandestinas.
O professor António Fernandes Delicado, natural de Alegrete, “ao pensar em rotas de contrabando tradicional entre 1930 e 1980, a aldeia de Alegrete reúne as condições ideais para o desenvolvimento desta atividade: situada junto à fronteira com Espanha; cercada de serranias com mato espesso, escarpas e lapas em abundância, oferecia o cenário ideal para o jogo-do-gato-e-do-rato entre contrabandistas e autoridades”. Considera que “durante este período, o contrabando ocupava uma percentagem significativa da população masculina de Alegrete, que carregava para Espanha especialmente ovos, galinhas, e, com maior preponderância, o café, escasso e bastante apreciado pelos espanhóis”. Tão importante que “em 1943 se fundou em Alegrete uma torrefação de café”. Traziam de Espanha tecidos, calçado, carne, borrachas, loiças e animais vivos. “Segundo relatos de ex-contrabandistas, chegaram a atravessar a fronteira rebanhos de dezenas de cabras e ovelhas”.
Contrabandear era uma atividade de alto risco. Em Alegrete a principal Rota do Contrabando passava pelas imediações da Ermida de Nossa Senhora da Lapa. Alguns contrabandistas, quando perseguidos, utilizavam o espaço para esconder as cargas e, movidos pelo desespero e pela fé, oravam à Santa: “Senhora da Lapa, Senhora minha, Guardai a mim e à minha carguinha”. Este percurso proporciona um ambiente único onde a natureza na forma mais pura se junta à animação das histórias que se contam. Passa pelo Alentejo e chega à Extremadura, por trilhos silenciosos e estradas de contrabandistas, marcando uma época e memórias inesquecíveis, que ilustram o modo de vida e a identidade cultural do povo da raia.
Falésias à beira-mar — Trilho dos Pescadores
Com 226,5 km divididos em 13 etapas, o Trilho dos Pescadores, dinamizado pela Associação Rota Vicentina (tel. 283327669) prolonga-se de São Torpes, em Sines, até Lagos, já no Algarve. Desenvolve-se nas falésias à beira-mar, em caminhos usados pelos locais no acesso às praias e pesqueiros, em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Pode ser percorrido nos dois sentidos, ambos sinalizados, e o período recomendado é entre setembro e junho. No Alentejo, uma das etapas liga Porto Covo a Vila Nova de Milfontes e atravessa as praias da Ilha do Pessegueiro, Aivados e Malhão, descobrindo-se “pequenas enseadas desertas”. Entre Almograve e a Zambujeira do Mar, observe os portinhos de pesca artesanais, dunas avermelhadas, pinhais e o voo das aves.
Para Francisco Simões, da AlgarvianRoots (tel. 962792062), o Trilho dos Pescadores é “fantástico”. Fica-se “maravilhado com as paisagens de tirar o fôlego e a diversidade”. No Algarve, este guia destaca a etapa entre Aljezur e a Arrifana devido aos ecossistemas. Passa por três praias, incluindo a de Monte Clérigo e a “fantástica praia da Arrifana, abrigada e boa para surfar”, antes de saborear peixe fresco e os mariscos da zona. Entre Vila do Bispo e Sagres, observe o falcão-peregrino, a riqueza geológica da praia do Telheiro e termine no Cabo de São Vicente. Explore também o Caminho Histórico, os percursos circulares e de bicicleta.