O gosto e conhecimento pela cozinha de quem dedica a vida colocar na mesa o melhor da gastronomia do alentejo sobressai nesta viagem pelos produtos e paladares de Alter do Chão. É preciso ir de coração aberto e palato pronto a experimentar pratos tradicionais menos ortodoxos como a “Orelha de porco frita”, uma espécie de “chips” alentejanos, as “Túberas com ovos” diferentes do habitual, a “Mioleira com cogumelos”, ou mesmo o borrego, acompanhado de arroz amarelo com Açafrão Bastardo de Alter. Uma viagem gastronómica incomum e surpreendente para saborear à mesa deste concelho do Alto Alentejo.
Tintos & Petiscos em Vaiamonte
Vale a pena deslocar-se de propósito a certas casas que se revelam “de sonho” no que à cozinha diz respeito. Na Taberna Tintos & Petiscos, em Vaiamonte, a cerca de 20 minutos de Alter do Chão, prova “Escabeche de fraca” (€12), “Feijoada de Pato” (€12), prato de autor, servido com migas, “Arroz de grão e rabo de boi estufado com nabos” (€14), “Croquetes de pato”, ou de lebre (€14), se os houver, além de “Ovos com túberas” (€9,50), únicos na untuosidade que envolve as “trufas alentejanas”. A lista de preciosidades é confecionada por Fátima Ramalho, mãe do chef Filipe Ramalho, que lidera o restaurante Páteo Real, em Alter, uma família que tem a cozinha no ADN. Nesta Taberna, com magnífica garrafeira - com destaque para o vinho feito em conjunto por Joaquim Ramalho, proprietário do restaurante, e Filipe Barreiros Cardoso, da Herdade Papa Leite - tem um pátio exterior para aproveitar o bom tempo, e no interior, conta com uma decoração com infusas e alguidares de barro alentejanos, juntamente com quadros que fazem parte do imaginário português do final do século XX, entre cenas de caça e flores multicoloridas.
Rua 25 de Abril, 6, Vaiamonte. Tel. 960248138
Papa Leite, vinhos de família que conquistam
Cabernet Sauvignon e Viognier são as castas que ocupam grande parte dos 11 hectares de vinha da Herdade Papa Leite, tendo sido dois hectares acrescentados no ano passado. O proprietário, Filipe Barreiros Cardoso, explica a plantação: “o meu vinho favorito tem por base a Viognier e por isso fazia todo o sentido plantar a casta que mais gosto”. Bem-disposto e criativo, influencia grandemente o tipo de vinhos que produz e esse espírito irreverente é traduzido nos nomes dos vinhos, muitas vezes de edição limitada, e nos rótulos, desenhados pelo amigo e artista alterense Pedro Ramalho. Controla a produção do princípio ao fim, a qualidade da uva, a vindima e a maturação na adega. Durante séculos, a exploração cerealífera, de olival, de azinheiras e de sobreiros foram as principais atividades da herdade, mas Filipe Barreiros Cardoso aumentou a reprodução já existente, porém limitada, de vacas de raça Alentejana, e introduziu a raça Aberdeen-Angus. Faça uma prova de quatro vinhos acompanhada por empadas de perdiz (€40), seja “Enólogo por um dia” e crie o próprio blend (€80), ou almoce na adega (€120). Os pedidos de reserva devem ser feitos até quatro dias úteis antes.
Apartado 76, Alter do Chão. Tel. 911836356
Páteo Real, inovação alentejana
O restaurante Páteo Realexiste há quase 30 anos. No rés do chão funcionava um café e, no primeiro piso, o restaurante. Joaquim e Filipe Ramalho, pai e filho, remodelaram o espaço, agora com os dois pisos dedicados à restauração e uma esplanada sazonal. Na ementa, os petiscos alentejanos demonstram a curiosidade e perícia do chef Filipe Ramalho e equipa. Depois de trabalhar no restaurante 100 Maneiras e no Torre de Palma Wine Hotel, ficou-lhe a vontade de ter um projeto, pegar na tradição e dar o seu toque de inovação. O resultado está bem patente na “Tarte de farinheira de castanha da Salsicharia Canense com Pera Rocha do Oeste Bêbeda e Marmelada, da Marmelos Aurora de Beja" (€6,50), que tem a particularidade de ser começo e final de refeição, desenvolvida pelo chef em conjunto Otávia Rebelo, campeã do fumeiro tradicional feito à mão. Como entradas, não perca os “Miolos Rotos” (€12), mioleira de porco em manteiga, cogumelos silvestres, ovos e croutons de pão alentejano, e a original “Orelha de porco crocante” (€9), frita, com cebola roxa, maionese de alho assado, flor de sal e coentros. Nos pratos principais, o “Bacalhau d’Oro (€18) e as “Bochechas de porco assadas” (€15,50) “nunca vão poder sair da ementa porque são clássicos”, garante Filipe Ramalho. A garrafeira deve ser amplamente explorada, especialmente o vinho de edição limitada, dedicado ao Avô Joaquim, “a homenagem merecida a uma das pessoas mais importantes da minha vida”, revela.
Avenida Dr. João Pestana, 37, Alter do Chão. Tel. 960155363
144 mil pétalas para um quilo de Açafão Bastardo
Mestre Xico cultiva o açafrão tal qual faziam a avó e a mãe. Cuida das plantas como se fossem crianças e até lhes dedica versos. Colabora com o chef Filipe Ramalho do restaurante Páteo Real, que utiliza com frequência o ingrediente. Para adquirir os saquinhos de açafrão do Mestre Xico é preciso ir até ao Posto de Turismo de Alter do Chão. Diz-nos o próprio que chamam a especiaria de “ouro de Alter” e que “vai bem com um borrego assado, coelho, lombo de porco, e bastam umas pétalas para tornar o prato diferente, mais saboroso”. Quanto às propriedades do “chá de açafrão”, garante que “alivia dores, stress, ajuda nas dores nas das articulações” e que há quem faça “cerveja de açafrão ou sabonetes”. Haverá entre 105 a 110 variedades de açafrão. Mestre Xico afirma ter “a segunda melhor semente porque a primeira pertence a quem a deitou à terra e desconhece-se quem foi”. Prove o “Arroz de Borrego” (€18), uma perna de Borrego da Pasto Alentejano de Sousel, Paio Alentejano da Montifumeiro, de Monforte, arroz amarelo com Açafrão Bastardo de Alter e piso de coentros no restaurante Páteo Real, em Alter do Chão. Desde 2011 que a Câmara Municipal de Alter do Chão promove a Semana Gastronómica do Açafrão, durante a época pascal.
Piquenique e trio de vinhos na Pista Wines
Em 2020, António Pista, apaixonado pelos vinhos, dava início ao projeto Pista Wines, com “a convicção de proporcionar às plantas as melhores condições de desenvolvimento”, mas “longe de imaginar que fosse possível realizar uma vindima em 2022”. Apresenta agora a primeira colheita e conta com três referências: Tapada da Fonte Tinto, Branco e Rosé. A Pista Wines fica situada em Alter de Pedroso, em Alter do Chão, região vitivinícola do Alentejo, e produz vinhos que expressam o terroir destes quatro hectares de vinha, inseridos num projeto que pratica agricultura sustentável, respeitando natureza e biodiversidade. Faça uma visita guiada às vinhas, degustação na sala de provas da Pista Wines e pegue no cesto para um piquenique à sombra das árvores da propriedade, com vinhos, enchidos e queijo regionais, compota e pão alentejano. As provas começam nos €17,50. Conheça a vinhas e as diferentes castas que deram origem aos vinhos e os planos futuros deste produtor.
Tapada da Fonte, Alter Pedroso. Tel. 968218352
Dedicação ao fumeiro sem paralelo
No Cano, freguesia pertencente ao concelho de Sousel, a pouco mais de 30 km de Alter do Chão, encontra uma filha da terra, com quase 80 anos, que raramente sai da freguesia. O mundo de Otávia Rebelo, nascida e criada na aldeia, onde casou aos 16 anos, é a Salsicharia Canense. Octávia trabalhava no campo com o marido e os dois resolveram ficar com o talho que pertencia aos tios, o “talho da tia Maria”. “Sempre fui curiosa e aprendi”. Entre outubro e março, não para, “é preciso lavar e amanhar as tripas, as carnes para o painho, o lombo, a paia, o toucinho [do outro mundo] e a banha de porco, feita com uma receita rara, que quem costuma provar, vai apreciar. No resto do ano dedica-se a fazer farinheiras e chouriços. O fumeiro é tradicional, de chaminé aberta, com lenha de azinho, e o vento tem muita influência na cura, o ideal é estar frio”. Ata todos os enchidos à mão e, a cada oito dias, têm de ser reajustados os cordões. Desenvolveu com o chef Filipe Ramalho do Restaurante Páteo Real, em Alter do Chão, a farinheira com castanha e pimenta rosa, mas a cabeça de xara da Dona Otávia é mundialmente famosa e atrai clientes de diversas paragens. “Tem muita mão-de-obra, tem que se fazer por gosto, lavar bem as orelhas, cozer tudo com ervas aromáticas, que não posso dizer quais são, e vinho branco, depois fica de noite a descansar para ganhar sabor, enforma-se, espera-se mais 24 horas, enrola-se com película de papel e fica um dia no frio para poder partir sem se desfazer”. Faz questão de dizer que aprendeu e faz “tal qual as velhinhas da terra”. Passe pela Salsicharia Canense e abasteça-se bem porque vai querer repetir.
Rua São José, Cano. Tel. 268549203