
Receita de tradição ancestral, preparada à base de vísceras de borrego ou cabrito, tem diversas versões a nível nacional e mesmo regional, mas é sobretudo característico da zona de Castelo de Vide, surgindo também, com algumas diferenças na confeção, em Marvão e Alpalhão.
É um prato que vai à mesa no domingo de Páscoa, como é tradição do próprio borrego ou cabrito no Alentejo e noutros locais de Portugal, com simbologia religiosa. Surge em ementas de restaurantes de cozinha indiana, em particular goesa e de regiões outrora pertencentes ao então Estado Português da Índia. Terá nascido para aproveitar todas as partes do animal e, com mestria, conferir-lhes bom sabor por meio das ervas aromáticas e especiarias. A preparação internacional, habitualmente muito picante, adotou os condimentos locais, tal como sucedeu com a vinha-d’alhos, cuja fusão resultou no célebre “vindaloo”.
Como preparar Sarapatel
Em meados do século XVII a receita era conhecida como “Sarapetel”. Mais tarde passou a chamar-se “Sarapatel” ou “Sopa de sarapatel”. Terá nascido em Portugal e, posteriormente, sido adaptado na culinária indo-portuguesa de Goa, Damão e Diu, assim como no Brasil, sobretudo no Nordeste. Além das chamadas “fressuras”, comporta sangue cozido, banha, azeite, cebola, vinho, alho e tomate, louro, colorau, cravinho, cominhos, pimenta, salsa e hortelã, sendo as especiarias de grande importância. Refere-se ainda que na origem da receita alentejana estão os cristãos novos (judeus convertidos), que trocaram a carne de porco pelo borrego, para evitar problemas com a Inquisição.
José Júlio Vintém, chef do restaurante Tombalobos, em Portalegre, explica os truques para preparar a receita: começa por um “refogado, primeiro com o coração, que é uma carne mais dura, depois junto o rim, o fígado, o bofe e o sangue cozido”. Antes de cozer, “coalha-se o sangue com sal e depois parto-o em quatro, para cozer melhor”. Quando pronto, o chef serve o “Sarapatel”, com o molho intenso e espesso, sobre sopas de pão rijo, havendo quem acompanhe com rodelas de laranja.
Na pesquisa Memória dos Sabores do Mediterrânico, na “Carta Gastronómica do Alentejo”, Cláudio Torres sublinha a forma como a carne de carneiro e borrego “dominou os gostos e sabores no Alentejo e em todo o Mediterrâneo, sobretudo através dos ensopados, cozidos e guisados de todos os géneros, sendo ainda hoje apreciada e desejada nas festas e aniversários, casamentos e batizados, romarias e encontros festivos”.
Além do “Sarapatel”, na época da Páscoa, outro prato tradicional preparado com borrego vai à mesa na zona do Nordeste Alentejano, o “Cabrito” ou “Borrego de cachafrito”, feito com a carne partida aos bocadinhos, barrada com uma pasta de pimentão, alho, sal e banha, que fica a marinar, sendo depois frita preferencialmente numa sertã de barro. O nome “cachafrito”, conta José Júlio Vintém, vem do facto de “quando se está a fritar ir acrescentando vinho branco, aos poucos, que borbulha e faz cachão”.
Quinzena gastronómica em Castelo de Vide
A Quinzena Gastronómica do Sarapatel e outros pratos de inspiração judaico-cristã, em Castelo de Vide, reúne 25 estabelecimentos comerciais, entre restaurantes e pastelarias, do concelho. Promovida autarquia, a iniciativa decorre até ao dia 21 de abril, Segunda-feira de Páscoa e feriado municipal em Castelo de Vide. Durante este período, o Sarapatel está em destaque nas ementas dos restaurantes aderentes, consolidando-se como um símbolo da quadra pascal. Além disso, outras receitas típicas como o ensopado de borrego, perna de cabrito assada e molhinhos de tomatada também prometem atrair visitantes.
Onde comer Sarapatel
Onde comer Sarapatel:
Páteo Real
O “Sarapatel” já era uma tradição dos fundadores do restaurante, Arlindo e Luísa Correia. Filipe Ramalho, chef agora responsável pelo espaço, honra o nome da casa e a cozinha tradicional sem deixar de enveredar pela descoberta, como uma espécie de “laboratório de cozinha alentejana”. No Páteo Real continua a servir o “Sarapatel” (€10) como entrada, durante a Páscoa, preparado com borrego Pasto Alentejano, o produtor de Sousel eleito por vários chefs. A ementa conta ainda com surpreendentes pratos de inspiração regional.
Avenida Dr. João Pestana, 37, Alter do Chão. Tel. 960155363
Mil-Homens
A “Sopa de sarapatel” (€4,50) e o “Cabrito cachafrito” (€24,50) são duas especialidades do restaurante Mil-Homens, que guarda receituário antigo. O restaurante serve ambos os pratos durante todo o ano, e não apenas na época pascal. É lugar de memórias gastronómicas de muitas famílias da região e tornou-se ao longo dos anos um local privilegiado de encontro e celebração. Fundado em 1967, foi a cozinheira Palmira Pires quem deu fama a este restaurante. Hoje é o filho que dá continuidade ao legado de receitas seculares e tradicionais do Alentejo.
Rua Nova, 14, Portagem. Tel. 245993122
Regata
A “Sopa de sarapatel” (€4,50) está disponível todo o ano e esgota rapidamente no restaurante Regata, de Irene e João Junceiro. Preparada “com os miúdos de borrego, sangue, sopas de pão, hortelã”, acompanha “com fatias de laranja”. João é originário de Marvão, onde esta sopa é de tradição, assim como acontece no Alpalhão, localidade onde está situado o restaurante. A cozinha tem responsabilidade partilhada entre Irene Junceiro e Maria João Fontelas. No capítulo das sopas, a “Canja de Pombo Bravo com Arroz” é outra recomendação. Nos principais, as “Migas de Pão e Coentros com Carne Grelhada” e o “Arroz de coelho bravo” recomendam-se.
Estrada das Amoreiras, 6, Alpalhão. Tel. 966473984
Dom Pedro V
Neste edifício antigo funcionavam as cavalariças onde agora encontra a sala de refeições do restaurante Dom Pedro V. O “Sarapatel” (€6), feito com as vísceras de borrego, é um dos ex-líbris da carta que Mavilde Mimoso, a cozinheira, prepara, fazendo “um refogado com as carnes e especiarias, pimentão, cebola, alho, salsa, cominhos e cravinho”. Está apenas disponível na época da Páscoa, enquanto o “Cachafrito de cabrito” (€16) é servido durante todo o ano. Para o confecionar, Mavilde utiliza como temperos alhos, colorau, salsa e vinho. Frita depois com azeite em cachão.
Praça de Dom Pedro V, 10, Castelo de Vide. Tel. 245901236