
O recente apagão que paralisou Portugal, Espanha e partes de França durante quase dez horas veio levantar muitas questões sobre a nossa preparação, ou melhor, a nossa falta de preparação para lidar com crises. Se por um lado foi um susto coletivo, por outro, foi um espelho da fragilidade do nosso país.

Em poucas horas, assistimos a uma corrida desenfreada aos supermercados, aos postos de combustível e a um comportamento coletivo que roçou o egoísmo: cada um por si, a tentar garantir o máximo possível, mesmo que isso implicasse deixar outros sem nada. Ficou claro que, numa crise, ainda não conseguimos pensar no próximo — o pânico instala-se, e o instinto de sobrevivência sobrepõe-se à solidariedade.
Curiosamente, nas localidades do interior, o cenário foi bem diferente. Essas comunidades, habituadas a viver com menos, mostraram-se mais resilientes, mais preparadas. Enquanto nas cidades o caos se espalhava, nos meios periféricos acendia-se a lareira para aquecer a casa e cozinhar, ia-se ao quintal buscar umas couves, umas batatas, umas maçãs, batia-se à porta do vizinho para pedir algo. Havia geradores preparados, lanternas e velas à mão, e sobretudo havia calma. É nestes momentos que percebemos como a vida simples, ligada à terra e aos vizinhos, é afinal uma fortaleza.
E quando finalmente a luz voltou, ouviu-se fogo de artifício e gritos de alegria — como se tivéssemos vencido uma guerra. Lembrou-nos o fim da pandemia, aquele breve momento em que voltámos a dar valor ao essencial.
Mas depressa retomámos a normalidade: os olhos novamente presos aos ecrãs, os e-mails acumulados à espera de resposta, os filhos deixados à pressa na escola, e a correria habitual de quem vive no automático. Ou talvez nem todos o tenham feito.
Foi preciso faltar a luz para que mães e pais regressassem mais cedo a casa.
Foi preciso uma falha elétrica para que os vizinhos trocassem palavras em vez de silêncios.
Foi preciso um dia sem tecnologia para que os jardins voltassem a ter risos de crianças.
Foi preciso a escuridão para nos lembrarmos de que a vida acontece fora dos ecrãs.
Foi preciso um simples apagão para redescobrirmos o valor de um piquenique no parque.
Sim, o apagão revelou as nossas fragilidades, mas também reavivou o essencial: as relações, a presença, a simplicidade.
Talvez, só talvez, um apagão de vez em quando não fosse assim tão mau.
Opinião, Paulo Magalhães