
Entrevista a Paula Santos, candidata da Coligação Democrática Unitária, filiada no Partido Comunista Português. Desde 2009 que ocupa o cargo de Deputada na Assembleia da República, é líder da bancada parlamentar do PCP e este ano volta a candidatar-se por Setúbal. Diz que o maior contributo da CDU para o Distrito é a defesa assídua dos direitos dos trabalhadores, dos serviços públicos e do desenvolvimento regional.
Nasceu em Lisboa, mas passou a infância e a adolescência no Distrito de Setúbal. Como foi crescer na Margem Sul?
Eu nasci em Lisboa mas fui para o Seixal muito nova e foi sempre onde morei. Guardo boas memórias de todo esse período da infância, principalmente as de brincar na rua com os meus vizinhos até tarde. Naturalmente, quando já estudava no ensino secundário, confrontei-me com um conjunto de injustiças e de questões que achava que deveriam ser diferentes, recordo-me das lutas por melhores condições nas escolas, por exemplo. Todas estas experiências contribuíram para toda a minha intervenção no quadro político.
Quando tem o seu primeiro contacto com a política?
Eu entrei para a Juventude Comunista Portuguesa quando estudava no ensino secundário. A minha família também é do PCP e portanto esta presença do não conformismo, de procurar uma vida melhor, foi algo que sempre esteve presente.
Recordo-me, mais pequena, de ouvir muitos relatos dos meus avós de como era a vida noutros tempos, no período da ditadura, e essas memórias e esses exemplos de luta sempre estiveram presentes na minha vida.
A minha formação é na área da química, trabalhei num laboratório de engenharia civil quando ainda estava a concluir o estágio da minha licenciatura. Aos 25 anos fui eleita vereadora na Câmara Municipal do Seixal e depois fui eleita deputada na Assembleia da República, em 2009.
Nas últimas eleições a CDU perdeu um deputado em Setúbal. Durante esta campanha eleitoral ouvimo-la dizer várias vezes que fazem falta mais deputados da Coligação Democrática Unitária eleitos neste distrito. O que poderia ter sido diferente com mais deputados da CDU?
Na eleição para a Assembleia da República estamos a falar da eleição de deputados, são 230 deputados. Quando avançamos com propostas concretas para resolver os problemas do país, no final do dia, essas propostas vão a votos. Ter mais deputados da CDU e mais votos para propostas positivas não é indiferente na Assembleia da República, são deputados que assumem um compromisso com a melhoria das condições de vida e com o desenvolvimento do nosso Distrito.
Posso dar-lhe exemplos, quando tivemos mais força houve melhorias na redução do preço do passe e a sua integração nos diversos modos de transporte. Havia zonas em que os passes já eram muito superiores a 100€ que é uma fatia muito significativa do salário. Isto permitiu às famílias ficar com mais salário para si. No caminho de Setúbal para Lisboa havia passes de 150€. De facto, fez diferença.
Quando foi a discussão do Orçamento do Estado para 2025 foram várias as propostas que fizemos e que incidiam sobre aspetos concretos do Distrito de Setúbal, como o alargamento do Metro Sul do Tejo ou a construção da ponte entre o Barreiro e o Seixal, a construção do Hospital do Seixal. Estas propostas foram rejeitadas no parlamento, mas faziam muita diferença na vida da população do nosso Distrito. Estamos no Barreiro neste momento e o concelho do Seixal é aqui bem próximo e já houve uma ligação, hoje não tem. Não faz nenhum sentido que estejamos tão próximos e tão distantes. A verdade é que, para nos deslocarmos entre o Barreiro e o Seixal, temos de contornar o Rio Coina.
Uma outra proposta que eu creio que é muito significativa e que não se compreende que continue sem se fazer nada para resolver, é a integração do transporte fluvial entre Setúbal e Tróia no passe navegante. Não faz nenhum sentido que este tenha ficado de fora, até porque os preços praticados são elevadíssimos, o passe é perto de 100€, há pessoas que todos os dias se deslocam para trabalhar.
Mas também não pode ser desvalorizado que serve à utilização para lazer e recreio, muita da população de Setúbal deslocava-se para usufruir da praia em Tróia e hoje em dia deixaram de o fazer, ficou bastante restrito, os preços que hoje são cobrados são hoje um obstáculo. Esta nossa proposta acabou rejeitada por PS, PSD e CDS-PP. Estes são exemplos de medidas que são positivas para a população do nosso Distrito e em que faz diferença ter mais deputados da CDU.
No passado dia 28 de abril de 2025 aconteceu uma falha geral no abastecimento de eletricidade e a CDU aproveitou para falar sobre soberania. Acha que, mesmo no contexto do mercado livre da União Europeia e da Zona Euro, com uma dependência tão profunda que Portugal tem dos mercados externos, ainda é possível alcançar essa soberania?
Eu acho que este acontecimento no nosso país demonstra como é importante termos a nossa própria capacidade de produção energética e mostra que não é indiferente a nossa capacidade de produção, nem é indiferente o controlo público sobre um setor estratégico.
Neste caso estamos a falar da energia, mas podíamos falar das telecomunicações, porque a dado momento começaram a falhar, inclusive as de emergência, mais uma vez o SIRESP quando é necessário falhou. Isto não está dissociado do facto de se ter privado e liberalizado a energia. Não estou a dizer que, se o controlo fosse público, não poderia acontecer um evento como o que aconteceu, mas a capacidade de intervenção para responder a um apagão seria completamente diferente.
Os setores estratégicos no nosso país, a energia, as telecomunicações, os combustíveis, está tudo entregue à gestão privada, em que o seu objetivo não é o interesse nacional, mas sim a maximização dos lucros. Tendo em conta o que aconteceu na segunda-feira, deveríamos ter isso presente para nos precavermos para o futuro, o país tem de estar preparado para defender os nossos interesses.
Podemos até ver isso do ponto de vista dos preços, pagamos os preços mais elevados da União Europeia na energia e nas telecomunicações. Esta experiência demonstra como é importante estes instrumentos estarem sob controlo público porque permite, naturalmente, uma intervenção articulada, coerente e mais eficaz para dar a resposta necessária para as pessoas e para o nosso desenvolvimento.
Considera que a solução passa também pela proposta do PCP para a regionalização do país?
Só teríamos vantagens porque permitiria dar maior coerência à organização do Estado, temos a administração central e as autarquias, mas identifica-se que há uma ausência no poder regional, o nosso país é muito desequilibrado do ponto de vista do desenvolvimento, com assimetrias grandes entre regiões e é um problema que se tem vindo a agravar.
Aquilo que nós defendemos era que fosse através de eleições, o que seria uma promoção da participação democrática da nossa população, permitiria o desenvolvimento regional e aprofundava o regime democrático. Este processo de transferência de competências para as autarquias que o PS começou, dando o exemplo da educação que talvez seja o mais significativo, só tem contribuído para maiores desigualdades no acesso a uma educação pública de qualidade para os estudantes, porque diferencia em função do seu concelho e freguesia.
Mas a verdade é que já existem organismos intermédios como as associações de municípios ou as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).
Aquilo que foi decidido em relação às CCDR’s vai em contraciclo do que defendem, esses órgãos que têm grandes responsabilidades mas não são eleitos pelas populações, não estamos a falar de uma participação, de facto, da população. Essas responsabilidades devem ser respondidas perante a população e não perante o Governo. Tentaram colocar essas alterações com o objetivo de apontar um caminho para o regionalismo, mas na verdade têm sido apenas um obstáculo
A CDU apresentou um documento com compromissos eleitorais específicos para o Círculo Eleitoral de Setúbal, com cerca de 40 páginas. Quais são os principais compromissos eleitorais da CDU com a população do Distrito de Setúbal?
Colocava em quatro eixos fundamentais, sendo o primeiro, a valorização do trabalho e dos trabalhadores. O Distrito de Setúbal tem grandes potencialidades e diria que uma das suas maiores riquezas são os trabalhadores, os seus conhecimentos e a sua experiência, é um Distrito de gente de trabalho que em muito contribuiu para o desenvolvimento do país.
O que propomos é um aumento dos salários, tendo como referência os 15%, um aumento mínimo de 150€ e um aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) para os 1000€ já em 2025 que, ainda assim, fica muito abaixo do salário mínimo praticado em Espanha. Tendo melhores salários, as pessoas contribuem mais para a dinamização da atividade económica e em particular das micro, pequenas e médias empresas do nosso país.Para além de ser uma questão de justiça social, os trabalhadores são quem cria a riqueza e portanto tem de haver uma justa distribuição dessa riqueza, especialmente na valorização de todos os trabalhadores que trabalham por turnos e que têm de ser devidamente compensados.
Um segundo eixo são os serviços públicos. No Distrito de Setúbal cerca de 25% da população não tem acesso a médico de família, com concelhos onde a proporção é ainda maior. A falta de profissionais no SNS é sentida todos os dias com o encerramento de urgências de obstetrícia e de ginecologia, há dias sem uma única maternidade aberta.
Hospitais como os do Montijo, Barreiro, São Bernardo e Garcia de Orta precisam de reforço. Em vez disso, tem havido um esvaziamento progressivo, com prejuízo claro para as grávidas e para as famílias que têm de se deslocar para Lisboa. Mesmo com a maioria absoluta, o PS recusou-se a tomar medidas para fixar profissionais no SNS, o que nos levou a votar contra o Orçamento de 2022. A situação piorou com o Governo PSD/CDS, que entrega recursos e cuidados aos privados. Foi anunciada, já sem legitimidade, uma PPP no Distrito e continuam por cumprir compromissos como a construção do Hospital no Seixal.
Na educação é necessário um investimento para a requalificação das escolas em praticamente todos os concelhos. Também precisamos de novos equipamentos em algumas zonas, em particular em Fernão Ferro, onde houve um grande aumento da população, e ainda uma escola na Quinta do Conde para dar resposta tanto a essa freguesia, como à freguesia de Azeitão, muitos jovens vão estudar para Setúbal.
Colocamos também a necessidade de uma rede pública de creches para dar resposta à população, não basta vir dizer que estamos muito preocupados com a natalidade e depois não garantir as condições para que as famílias tomem essa decisão de forma livre e consciente, porque isso exige salários dignos e exige estabilidade no emprego e isso não se compadece com a precariedade que afeta muitos jovens no nosso país, temos de assegurar creches gratuitas para as crianças até aos 3 anos.
O terceiro eixo é o da habitação. É preciso um programa de habitação que aumente a oferta de habitação pública e dirigida a diversas camadas da população. No Distrito sentimos muito com os aumentos de renda para valores que são absolutamente especulativos, não há outra forma de o dizer, para muitas famílias estas rendas tornaram-se insuportáveis face ao valor dos seus salários, ter rendas de 600, 700 ou 800 euros, isto é impensável, muita gente paga a casa e fica sem dinheiro para o fim do mês.
Propomos uma limitação nos valores máximos de renda com o objetivo de travar a especulação, mas também para garantir maior estabilidade para proteger os inquilinos e os arrendatários dos grandes fundos. Em segundo lugar, propomos uma intervenção para quem pediu um empréstimo à banca, porque as prestações estão elevadíssimas, é inconcebível que a banca com milhares de milhões de euros de lucro não tenha qualquer contribuição, daí colocarmos a necessidade de pôr os lucros da banca a suportar os valores elevados das prestações.
O quarto eixo, é a nossa preocupação com a produção nacional e com os investimentos necessários no nosso Distrito, que tem um conjunto de territórios com apetência para a atividade produtiva e uma frente de mar com muito potencial na pesca e ainda uma área rural extensa que permite o desenvolvimento da agricultura. Também propomos uma política direcionada para a diversificação da atividade económica e para a aposta nos setores produtivos. Falávamos da soberania energética, mas precisamos de avançar também com a soberania alimentar e temos ótimas condições para o fazer, para além de sermos menos dependentes do exterior, até no plano ambiental permite dar passos significativos – produzir local, consumir local.
Toda esta estratégia de desenvolvimento que propomos para o Distrito obviamente que tem que ser compatibilizada com a proteção do ambiente. É uma região particularmente privilegiada quando temos o Parque Natural da Serra da Arrábida, as duas reservas do Sado e do Tejo e apanhamos ainda um bocado da Costa Vicentina e do Sudoeste Alentejano. É uma região que, no plano ambiental, tem enormes riquezas. Consideramos que é necessário dotar as estruturas do Estado com meios para a proteção destas nossas áreas protegidas.
Sobre saúde, o governo cessante anunciou que vai avançar com a transferência de competências em vários Centros de Saúde do Distrito de Setúbal e no Hospital Garcia da Horta, passando para uma gestão em regime de parceria público-privada.
Qual é a posição da CDU sobre estas PPPs em particular e que propostas têm para a área da saúde no Distrito de Setúbal?
A situação não foi resolvida e nem era esse o objetivo, se olharmos para as medidas tomadas pelo Governo aquilo que vemos é PPPs, Unidades de Saúde Familiar de Modelo C e contratação do setor social privado, não há uma única preocupação em reforçar a capacidade de resposta do SNS, as preocupações foram tirar do SNS e transferir para os privados. Durante a pandemia, quando muitas unidades hospitalares de grandes grupos privados tinham um papel à porta a dizer: não se aceitam grávidas com Covid, vemos que a preocupação não é a saude mas sim os lucros e o que lhes garante os lucros é a doença.
Um dos aspetos em que se registaram avanços significativos com a criação de um serviço nacional de saúde foi a redução da mortalidade infantil e mortalidade materna. Aquilo que se está a fazer são políticas que visam o desmantelamento do serviço público. Há uns dias, aqui mesmo no Barreiro, conversei com uma senhora que infelizmente perdeu o seu bebé porque não tinha médico de família e que não tinha sido acompanhada. Temos registado muitas preocupações de mulheres grávidas que não conseguem fazer os exames previstos, as ecografias, estou a falar de mulheres grávidas que não têm o devido acompanhamento e isto preocupa-nos bastante, é necessário garantir condições de trabalho no SNS para que os médicos se queiram fixar.
Umas semanas antes do anúncio, saiu uma entrevista a uma responsável de um grupo privado de saúde onde foi expressa a vontade de avançar com mais PPPs, caso o governo quisesse também avançar com este processo nos centros de saúde e passadas umas semanas o Governo, como bem mandado, foi fazer aquilo que essa responsável tinha pedido.
Muitas vezes utilizam como pretexto as condições dos hospitais públicos, mas a verdade é que não foram dadas as condições a para que os hospitais pudessem ser dotados dos meios que precisavam, o problema são os Governos que impediram uma boa gestão pública. Temos exemplos de PPPs que alteravam a situação clínica do doente para uma situação mais grave para cobrar mais ao Serviço Nacional de Saúde, não estou a dizer nada que já não se saiba. Nestas novas PPPs o que está colocado é alargar a gestão privada aos centros de saúde, o que é inédito.
Relativamente à habitação, vive-se no Distrito de Setúbal um cenário em que os valores médios das rendas estão cada vez mais próximos dos preços praticados em Lisboa. Tem-se noticiado situações de ocupações ilegais ou até de igrejas evangélicas que se aproveitam para lucrar com a carência habitacional. Quais são os planos da CDU para enfrentar esta situação de crise?
Obviamente que tem de haver maior fiscalização, como temos visto em algumas reportagens há uma grande exploração e não é só com a promoção da especulação e dos fundos imobiliários que se resolve esta situação. Muitas famílias acabam expulsas das próprias casas e não há uma resposta para estas pessoas. Ao longo de décadas não houve nenhuma intervenção dos Governos para garantir uma resposta pública de habitação, sobretudo falharam em garantir uma resposta dirigida a diversas camadas da população.
O que nós temos são habitações sobrelotadas e a preços elevadíssimos, muitos jovens que alugam e vivem em casas partilhadas e famílias que são obrigadas a sair de casa porque não conseguem suportar a renda. A verdade é que vemos vários Governos e ninguém faz o que é preciso. Há muitos edifícios que são propriedade do Estado que devem ser requalificados e colocados para arrendamento de habitação.
Relativamente à imigração, é sabido que a imigração legal, ilegal e tráfico de seres humanos tem consequências na economia e no tecido social do país. É também o tópico da política nacional com mais desinformação a circular online.
O PCP votou contra a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2021 e da sua integração nas forças de segurança. Em 2023 foram transferidas parte das competências do antigo SEF ao serviço administrativo da AIMA. Como olham para a situação atual da imigração em Portugal depois desta transferência de competências?
Nós estivemos contra a extinção do SEF e acho que importa referir como tudo decorreu, foi bastante negativo, a verdade é que a AIMA ficou sem meios e sem condições para dar resposta para a regularização, chegando a uma situação em que temos centenas de milhares de pessoas em situação irregular, deixando estas pessoas em situação de maior vulnerabilidade, isso só favorece as máfias do tráfico de seres humanos. Essa é uma linha de combate, tem de haver uma intervenção firme a esse nível.
Por outro lado, tem de haver uma resposta efetiva por parte do Governo para a resolução do problema dos imigrantes que estão em situação irregular, consideramos que a capacidade de acolhimento, não sendo ilimitada, torna necessário garantir a integração e a garantia de condições de vida. Nós rejeitamos completamente o discurso que é feito que procurar colocar trabalhadores contra trabalhadores, aquilo que é necessário é garantir a toda gente uma vida justa. Esse é o problema de quem tem optado neste país pela política de baixos salários, quer do PS, do PSD e do CDS.
Quando não há um aumento efetivo dos salários, quando não há revogação da caducidade da contratação coletiva ou quando na administração pública os governos não dão o exemplo na valorização dos trabalhadores, aquilo que nós precisamos é de aumentar os salários de forma significativa porque depois existe um aproveitamento para a exploração dos trabalhadores que muitas vezes não têm sequer contratos, sejam eles portugueses ou imigrantes. Também precisamos de uma intervenção mais firme e com maior capacidade de resposta por parte da ACT para a fiscalização das condições de trabalho.