O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, emitiu um despacho no qual recusa ao Ergue-te a realização de uma ação de campanha na Praça do Martim Moniz, que o Partido tinha anunciado para esta sexta-feira, 16 de maio, a fim de encerrar a campanha eleitoral.

No despacho de seis páginas datado de 9 de maio, a que o Diário do Distrito teve acesso, o autarca explica que foi «nos termos do Decreto-Lei n.º 406 de 29 de Agosto, o Partido Ergue-te comunicou ao município a intenção de realização de uma manifestação/ convívio no próximo dai 16 de maio, a partir das 15h00, descrita como uma ‘ação de campanha eleitoral na áraa da Praça Martim Moniz, compreendo uma arruada pelas respectivas vias de circulação pedestres e artérias adjacentes, terminando na Praça».

Admitindo que «o diploma assegura o direito dos cidadãos de se reunirem pacificamente em espaços públicos», Carlos Moedas acrescenta que «a Câmara Municipal de Lisboa tem reiterado a sua posição firme na defesa de uma cidadania aberta e respeitadora dos direitos fundamentais, repudiando todas as formas de manifestação que incentivem ao ódio, à violência, à intolerância religiosa ou à exclusão».

COMETLIS classifica evento como ‘um gesto e uma mensagem ambíguas’

Também neste despacho, o autarca cita o parecer que foi solicitado ao Comando Metropolitano de Lisboa da PSP (COMETLIS), no qual a autoridade refere que «o evento contempla uma refeição colectiva de ‘porco no espeto’, associado à exibição da Cruz de Cristo, elementos de evidente carga ideológica, simbólica e provocatória, cuja conjugação suscita à PSP sérias reservas quanto ao seu impacto no espaço público em causa».

Após um enquadramento jurídico sobre iniciativas de carácter eleitoral, o Comando avança para uma ‘Contextualização Territorial’ na qual reconhece que «a Praça do Martim Moniz é uma zona urbana de reconhecida diversidade étnica, religiosa e cultural, onde decorrem habitualmente diferentes celebrações de vários credos» e ainda que na mesma zona «reside e trabalha uma significativa comunidade muçulmana e hindu, com expressões visíveis de identidade colectiva, locais de culto e práticas religiosas».

Perante estes factos, considera a COMETLIS que «a associação, num evento de campanha, da exibição da Cruz de Cristo cristã com o consumo de carne de porco, alimento interdito por várias práticas religiosas, configura, no mínimo um gesto e uma mensagem ambíguas, passível de múltiplas leituras, entre elas a de provocação simbólica, de exclusão cultural e, no limite, uma demonstração de ódio ou de rejeição de uma comunidade em função das suas crenças e práticas religiosas».

A COMETLIS refere ainda que «esta ambiguidade ganha particular relevância num espaço caracterizado pela coexistência intercomunitária e pela vulnerabilidade a tensões identitárias, podendo ser percepcionada como um gesto de hostilidade ou afrontamento cultural, com impacto negativo sobre o sentimento de pertença e segurança das comunidades residentes».

A PSP relembra também «o comportamento recente adoptado por representantes do Partido em causa, aquando da sua participação numa manifestação em local não comunicado no dia 25 de Abril, revelou um padrão de actuação confrontacional e a ostentação de cartazes e mensagens nas redes sociais que demonstram uma apologia de intolerância e ao ódio a cidadãos/comunidades de origens não europeias».

Perante o atrás descrito, o Comando Metropolitano de Lisboa considera que se «torna legítimo e fundado, à luz do princípio da precaução e do interesse público, considerar a formulação de objeção à realização da iniciativa, por se verificar um risco sério de colisão entre o direito de manifestação e outros bens constitucionalmente protegidos, nomeadamente a ordem pública, a segurança e a dignidade de grupos culturais e religiosos».

A COMETLIS recomendou ainda ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa «que apresente objeção formal à realização da iniciativa, nos termos propostos» e apresenta locais alternativos, como os jardins da Torre de Belém, o Jardim Amália Rodrigues, no topo do Parque Eduardo VII, ou no Jardim de Entrecampos.

Em alternativa, o Comando Metropolitano aconselha que «o promotor seja notificado para a não autorização de realizar a ação de porco no espeto, uma vez que nos parece subjacente uma mensagem de intolerância, provocatória e instigadora de ódio».

Carlos Moedas considera que evento representa «risco elevado para a ordem e segurança»

Perante os factos apresentados, o presidente da edilidade concluiu que «a realização do evento, nos moldes comunicados, representa um risco elevado para a ordem e a segurança públicas, devido às vulnerabilidades do local e ao potencial de confrontos» e ainda que estes podem ser «percebidos como potencialmente provocatórios para com as comunidades ali residentes e frequentadoras daquele espaço público».

Considerando o teor do parecer do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, o presidente da autarquia determina «objectar à realização da manifestação e comício comunicados pelo Partido Ergue-te para o dia 16 de maio, na Praça Martim Moniz».

Pretende ainda Carlos Moedas solicitar ao diretor nacional da PSP «o auxílio administrativo na adopção das necessárias providências para a manutenção da ordem pública e segurança dos restantes cidadãos» e o apoio também do comandante da Polícia Municipal de Lisboa para colaborar com a PSP.

Ergue-te garante realização da iniciativa

O presidente do Ergue-te, Rui da Fonseca e Castro, já afirmou num live no Youtube que irá avançar com a ação de campanha.

No dia 12 de maio, já após a data do despacho do presidente do município, Rui da Fonseca e Castro partilhou um vídeo no qual fez uma ligação para o gabinete do presidente Carlos Moedas, e na ausência deste na Câmara Municipal, deixou o recado de que «o Ergue-te irá encerrar a sua campanha no Martim Moniz, numa festa portuguesa, teremos porco e música portuguesa e a Cruz de Cristo, e isso não pode ofender ninguém, porque estamos em Portugal e ninguém nos pode impedir de fazer isso».

O Ergue-te anunciou também para esta noite, 15 de maio, um directo, a partir das 21h00, para dar mais informações.