Com a Páscoa à porta, vários alunos estão já de 'malas aviadas' e a contar os dias para a viagem de finalistas do secundário. Também por esta altura, vários pais dão por si a questionar-se: devo deixar o meu filho ir?

No entender de Paulo Dias, neuropsicólogo especialista em infância e adolescência, das Clínicas Dr. Alberto Lopes, "é a maturidade emocional dos jovens que deve guiar esta decisão". "Dentro de limites saudáveis, esta experiência pode ter aspetos positivos, como por exemplo, saber dizer 'não' a certas pressões, fortalecer laços de amizades e potencializar um maior sentido de autonomia e responsabilidade na vida", considera em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a propósito do Dia Nacional do Estudante, que se assinala esta segunda-feira, 24 de março.

"Acredito que o mais importante é falar previamente sobre os riscos, limites e, principalmente, criar um ambiente onde eles sintam que podem pedir ajuda caso necessitem", defende ainda.

Paulo Dias, neuropsicólogo especialista em infância e adolescência, das Clínicas Dr. Alberto Lopes© Clínicas Dr. Alberto Lopes

As viagens de finalistas são uma fonte de preocupação e ansiedade para muitos pais. Que conselhos lhes deixa?

A preocupação dos pais é compreensível, mas o mais importante é saber transformar essa ansiedade em orientação. Estudos demonstram que os jovens são capazes de tomar melhores decisões quando, desde cedo, são incentivados a refletir sobre as consequências ao invés de apenas seguirem ordens. Por isso, talvez seja mais benéfico o diálogo aberto sobre os desafios da viagem, para que assim possam refletir sobre os riscos, limites e estratégias de agir com responsabilidade.

Para os pais que, por esta altura, se questionam se devem ou não permitir a viagem, que fatores devem pesar na decisão?

Mais do que a idade, é a maturidade emocional dos jovens que deve guiar esta decisão. A pergunta que muitos pais devem fazer a si próprios é: será que o meu filho já demonstrou ser responsável noutras situações? Se sim, esta viagem pode transformar-se numa experiência enriquecedora e transformadora. Quando existem dúvidas e incertezas talvez seja importante repensar se este será o momento certo para o permitir. Os pais têm de ter em consideração que a autonomia dos filhos não surge do nada. É construída através das experiências e aprendizagens desde cedo.

Esta viagem é mais do que uma simples festa. Para muitos jovens, pode simbolizar o primeiro grande momento de independência, longe do contexto familiar, onde encontrarão um espaço de afirmação social para testarem os seus próprios limites

Fala-se muito de excessos nestas viagens, muitas vezes associadas a algum descontrolo e até consumo excessivo de álcool e estupefacientes. Enquanto especialista, entende que estas viagens podem ter um lado positivo?

Os excessos são, sem dúvida, uma das maiores preocupações dos pais. Situações de descontrolo podem resultar em consequências sérias, desde problemas de saúde a comportamentos de risco que podem marcar negativamente esta fase da vida. A impulsividade típica da adolescência, aliada à influência do grupo, pode fazer com que os jovens tomem decisões que, noutras circunstâncias, talvez evitassem. No entanto, dentro de limites saudáveis, esta experiência pode ter aspetos positivos, como por exemplo, saber dizer 'não' a certas pressões, fortalecer laços de amizades e potencializar um maior sentido de autonomia e responsabilidade na vida.

Então, considera que esta viagem é mais do que uma simples 'festa'.

Sim. Para muitos jovens, pode simbolizar o primeiro grande momento de independência, longe do contexto familiar, onde encontrarão um espaço de afirmação social para testarem os seus próprios limites. Se pensarmos que a adolescência para os jovens é uma fase de construção ativa da sua identidade e o contexto social tem um peso grande nesse sentido, então esta viagem pode ser uma extensão disso. Mas, como em qualquer outra experiência, deve existir um equilíbrio entre diversão e responsabilidade para que a viagem traga boas memórias em vez de arrependimentos.

A viagem de finalistas é um verdadeiro teste tanto para os jovens, que procuram a sua própria independência, como para os pais, que precisam de confiar no caminho que ajudaram a construir. Esta viagem, em vez de ser vista apenas como um risco, deve ser encarada como uma oportunidade para os filhos demonstrarem responsabilidade e aplicarem os valores que lhes foram transmitidos.

Os pais devem envolver-se na organização da viagem, definir limites e falar dos perigos?

Sim, mas sem cair no excesso de querer controlar tudo. O objetivo de se envolverem deve ser apenas para garantir que existe uma base de segurança, desde a viagem à estadia até aos entretenimentos. Contudo, acredito que o mais importante é falar previamente sobre os riscos, limites e, principalmente, criar um ambiente onde eles sintam que podem pedir ajuda caso necessitem.

Para os pais que pretendem evitar ou impedir que os filhos participem na viagem, que dicas lhes deixa?

Dizer 'não' também é uma forma de educar e estabelecer limites quando os pais percebem que ainda não há maturidade emocional ou responsabilidade suficiente. No entanto, essa decisão pode ser explicada de uma forma simples e objetiva. Mesmo que o filho possa não concordar, talvez a compreenda melhor se perceber que o 'não', não é uma imposição arbitrária, mas uma proteção baseada em factos.

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