É costume usar-se o ditado “depressa e bem não há quem” quando se quer dizer que a pressa é inimiga da perfeição. No caso da habitação em Portugal — especialmente na tão necessária habitação acessível — não se procura a perfeição, apenas que fique bem e, acima de tudo, depressa. Mas, dizem os arquitetos, neste caso específico a pressa chega a ser inimiga até do bem.

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Expresso

“Esta emergência vai ser aleatória. Vão construir-se edifícios desagregados e as cidades vão perder qualidade, porque vai ser feito de uma forma avulsa numa malha urbana que já existe. [Além disso], um parque [habitacional] construído em emergência vai degradar-se rapidamente”, diz Miguel Saraiva. Para o fundador da Saraiva e Associados, as casas a preços acessíveis que venham a ser feitas — pelo Estado, pelos privados ou por ambos — têm de ser pensadas, e por isso os Governos têm de recuperar outra responsabilidade perdida: a de fazer urbanismo. “Sempre houve uma tendência para os arquitetos dizerem aos decisores o que se devia fazer. Desde a Roma Antiga. Por força do crescimento urbano nos anos 50, o Estado demitiu-se de construir cidade e passou essa responsabilidade para os privados, que têm outros interesses. Em Leiria, entre 1964 e 2002, foram aprovados mais de 400 loteamentos, sobretudo nos anos 70 e 90. Cheguei a ter mais de 70 loteamentos num ano e poucos foram para habitação”, conta António Moreira de Figueiredo, arquiteto e antigo técnico superior na Divisão de Planeamento da Câmara Municipal de Leiria.

Diz Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitetos (OA), que temos estado “a fazer as nossas cidades como um conjunto de lotes”, o que, em parte, acontece porque os instrumentos de planeamento que existem — Planos de Pormenor (PP) ou Planos Diretores Municipais (PDM) — demoram muito tempo a ser aprovados, acrescenta Miguel Saraiva. “Um plano de pormenor responde a necessidades, mas a média da sua publicação são 10 anos desde que foi desenhado. Ao fim de 10 anos esse plano está desatualizado.” A isto acresce o tempo que demora a aprovar o projeto, por exemplo, de um edifício. “Hoje em dia, demora mais a aprovar um projeto do que a construí-lo. Perguntam-nos quanto tempo vai demorar, mas não sabemos”, repara Avelino Oliveira, referindo que cada câmara tem os seus prazos.

O papel da habitação acessível

Independentemente dos riscos que existem em construir estas casas “em emergência”, como sublinha Miguel Saraiva, o sentimento geral é de que elas são muito necessárias. E não é só por haver pouca oferta e os preços estarem altos face aos rendimentos dos portugueses. É também porque o Estado deixou de fazer casas há cerca de 40 anos e, segundo o arquiteto, a existência de um plano de habitação pública “tem um papel regulador de preço”, porque são casas com preços mais baixos que influenciam todo o mercado. E, dado a escassez de habitação pública que existe atualmente — apenas 2% das casas em Portugal —, “esta regulação vai ser muito difícil de acontecer nos próximos anos”.

Os arquitetos entendem que a sociedade não reconhece o papel transformador da profissão

Por isso defende “um quadro legal e fiscal favorável”, que inclua, por exemplo, IVA a 6% para habitações construídas para arrendamento acessível. E ainda a criação de parcerias público-privadas, porque “somos um país pequeno e porque os privados têm outra dinâmica e vontade de fazer”. Além disso, argumenta Avelino Oliveira, seria importante que a profissão voltasse a ter um maior relevo nas decisões políticas. “Os arquitetos são o elemento que interceta todos os outros intervenientes nas políticas de habitação”, mas “não são tidos nem achados no problema da habitação”, lembrando que deviam ter sido ouvidos para os programas dos Governos de António Costa e de Luís Montenegro — o Mais Habitação e o Construir Portugal.

Este foi, aliás, o tema da conferência “O impacto da arquitetura na transformação das cidades”, que decorreu na semana passada em Leiria no âmbito dos Prémios do Imobiliário, uma iniciativa do Expresso e da SIC Notícias e que vai já na sétima edição. Para os três arquitetos convidados a profissão tem vindo a perder relevância de uma forma geral. E não devia. “O arquiteto tem um papel transformador. É indutor de alterações económicas e sociais, seja nos edifícios seja nas cidades, mas a sociedade não o reconhece. Se perguntarmos à classe média qual o papel do arquiteto, não saberá responder”, considera Miguel Saraiva.