Tudo se podia resumir a uma jogada logo no primeiro quarto do encontro. LeBron James, basicamente, fintou toda a defesa do Brasil com o olhar, como se fosse um mago com poderes hipnóticos. Olhou para um lado, simulou que lá meteria a bola, passou para o outro.

O recetor do truque do King James foi Steph Curry, que cumpriu a formalidade de encestar. Perante o “ohhhh” generalizado do público, o rei dos triplos apontou para um dos bancos que, ao estilo NBA, estava ali courtside, mesmo ao lado da quadra. O gesto de Curry dirigia-se para Snoop Dogg, o omnipresente dos Jogos, que ia assistindo ao encontro como uma criança num parque de diversões, gesticulando, apontando para coisas, fazendo ar de espantado.

Num lance, nuns dois segundos, ficava sintetizado o torneio olímpico de basquetebol masculino Paris 2024. Espetáculo e eficácia, magia e assombro, poder mediático e show, star system e brilho. Entretenimento e desporto, desporto e entretenimento. Ou desporto como entretenimento? Será, ao invés, entretenimento como desporto?

Pouco importa. Depois da fase inicial em Lille, o circo está em Paris. A festa chegou à capital. Bem-vindos ao Dream Team versão 2024, ao pináculo do desporto americano trazido para este palco global, as fantasias da NBA executadas sob o olhar da Torre Eiffel.

Houve afundanços e triplos. Houve bancadas cheias desde antes do aquecimento. Houve o “Still D.R.E.” a ser tocado no pavilhão no exato momento em que LeBron estava mais perto de Snoop Dogg, uma conveniente coincidência amiga de contéudo instagramável.

Ah, e, pelo meio, houve uma eliminatória de basquetebol, um encontro que dava acesso às meias-finais, que permitia ter a certeza de discutir mais dois jogos, de lutar por uma medalha. Bem, não foi bem um duelo. Foi mais uma exibição, uma noite de all-star mais séria. Por muito que o Brasil se tenha esforçado, por muito que Aleksandar Petrović, técnico dos sul-americanos, tenha passado boa parte do tempo berrando e gesticulando como um polícia sinaleiro a quem ninguém liga, o resultado final foi uma formalidade.

EUA 122-87 Brasil. O próximo capítulo da tour é contra a Sérvia.

Depois do fiasco do último Mundial, com um 4.º lugar considerado humilhante, Grant Hill, diretor-executivo da USA Basketball, e Steve Kerr, o técnico, empenharam-se em convencer os melhores jogadores, os mais experientes, as estrelas, a virem a Paris. Um a um, eles foram acedendo ao apelo.

Assim, juntou-se nova versão da equipa de sonho, mais uma temporada de uma série que arrancou em Barcelona, em 1992, e se vai reformulando, reinventando, qual extensão deste país que é uma máquina de inventar e reinventar espetáculos, atrações. Aqui está uma equipa com quatro vencedores do título de MVP da NBA (LeBron, Kevin Durant, Stephen Curry e Joel Embiid), com 11 jogadores que já foram all-star.

Aqui está uma equipa que, além de jogar para ganhar e entreter, joga para si própria. Questionado sobre o que gostava mais da experiência olímpica, Anthony Edwards disse que era “jogar com Kevin Durant”, que era o seu “jogador preferido”; Curry foi, recentemente, na mesma linha de raciocínio, indicando que estava a viver “a melhor experiência de sempre” por estar a atuar “ao lado de lendas” com quem jamais partilhara equipa, como “o LeBron ou o Anthony Davis”.

Na noite em que o circo aterrou no seu destino final, o Brasil lutou por ter a mais digna das derrotas. No entanto, com uma abismal diferença de qualidade presente, a diferença no marcador já era, a pouco mais de meio do primeiro quarto, de 16 pontos, saltando para 27 ao intervalo.

Michael Reaves/Getty

Desde o começo da tarde que, em Bercy, se notava que era uma noite americana. Esta parece ser a arena yankee de Paris. Simone Biles primeiro, LeBron James & friends a seguir.

No “Les Spectacles”, café nos arredores do pavilhão, está escrito, à entrada, “USA Fan Zone”. A umas seis horas do arranque da partida, a esplanada enche-se de gente vestida de vermelho, branco e azul, com todo o tipo de merchandising e produtos relativos ao universo NBA possíveis e imaginários.

A singularidade deste jogo nota-se logo no aquecimento. O Brasil fá-lo parecendo uma organizada equipa de desporto escolar, todos com a mesma roupa, todos fazendo os mesmos exercícios, todos seguindo as instruções dos treinadores.

Os EUA, por seu lado, parecem um grupo de amigos no campo de basquetebol do bairro. Cada um surge vestido como quer, cada um faz o que lhe apetece: Curry brinca com a bola até lhe apetecer começar a ver quantos triplos seguidos mete, Edwards parece empenhado em encestar de costas o mais longe possível, Durant ensaia uns afundanços. LeBron parece o pai de todos, de manga à cava e chapéu, vendo mais perto do centro da quadra.

Mas não se pense que não há competitividade. Há, e muita. Só que é uma competitividade forjada no espetáculo, no querer mais porque mais é melhor, mas também porque mais é mais cool, mais divertido.

Olhar para o banco dos Estados Unidos era uma experiência singular. Não só porque lá se iam sentando vários dos atletas mais milionários e populares destes Jogos, mas pelas reações, pelos gestos.

Quando LeBron assistiu Holiday para um cesto espectacular, Durant e Davis levam as mãos à cabeça. Quando Booker fez um dos seus muitos truques de magia na noite, Curry fez aquele gesto de “que abuso” que muito se vê nas partidas de bairro.

A certo momento do terceiro quarto, Durant parecia mais Snoop Dogg que Snoop Dogg. Sentado de lado, ia fazendo expressões e gestos, apontava, dançacava suavemente ao ritmo da música que ia tocando.

Uma das notas curiosas do jogo, dando, também, alguma doses de competitividade, foi a relação de Embiid com o público francês. O craque dos Philadelphia 76ers poderia ter jogado por França, mas preferiu os EUA e os gauleses não lhe perdoam isso, gastando muitas energias em assobiá-lo. Embiid respondeu com 14 pontos e pedindo mais assobios, mais barulho, num gesto que foi imitado por vários dos seus companheiros.

Michael Reaves/Getty

É incrível que haja um macho-alfa entre tanto predador de tempo. Poderia ser difícil encontrar um líder entre a imponência de Kevin Durant, as mãos de ouro de Curry, a brutalidade de Davis ou Embiid. Mas há, claramente, uma referência aqui.

LeBron James faz 40 anos em dezembro. Mas vê-lo pisar, andar, comandar, dirigir é uma experiência incrível, assemelhando-se a um rei a dirigir a sua corte.

Ainda no quarto inicial, James levantou Bercy como, talvez, só as deusas da ginástica artística o fizeram até agora. Tinha um adversário em cima dele. Ressaltou uma, duas, três vezes. Deu um passo atrás e lançou uma bola suave, lenta, precisa. Entrou com a graciosidade da aterragem de uma águia após caçar uma presa.

LeBron saiu lesionado, depois de levar um golpe na cara. Alguém teve tempo para o momento cómico do serão, quando o público viu Léon Marchand nas bancadas e começou a cantar “Léon! Léon! Léon!”. James pensou que estavam a gritar “LeBron” e agradeceu, mas Anthony Davis fez-lhe um gesto como quem está a nadar e apontou para a bancada, mostrando que é para Léon. James sorriu.

Passe pelas costas após passes pelas costas, triplo após triplo, afundanço após afundanço, os EUA foram aumentando o número de pontos que somavam, passando os 100. 110-84 à Sérvia, 103-86 ao Sudão do Sul, 104-83 a Porto Rico, 122-87 ao Brasil. O circo está em Paris e só quer sair com o oitavo ouro nos últimos nove Jogos.