Apareceu com cara de bem-disposto, sorridente com facilidade, sem que a primeira pergunta da sessão vinda do canal do clube, portanto, amena e neutra, lhe desfizesse a postura. Disse ter “o coração um bocadinho ansioso para que chegue o jogo”, confissão natural perante uma semana a amontoar a antecipação rumo à derradeira jornada do campeonato, a decisiva, a do inevitável tira-teimas entre Sporting e Benfica. “Faz parte, temos de saber lidar e transformar a ansiedade em energia boa”, apregoou, mais tarde estendeu essa praxis aos jogadores, que tem tentado manter “tranquilos e a relativizar algumas coisas”, porque “essa tal ansiedade existe em todos” e ninguém é de ferro. Mas foi repetindo a lição que professa: “Só dependemos de nós.”

Em causa está o serem campeões, no caso dos leões bicampeões nacionais e o obstáculo que resta tem o nome do que Rui Borges quer no sábado, apesar de o Sporting poder não vir obrigatoriamente a precisar dela. Uma vitória contra o Vitória (18h, Sport TV1), é isso que pretende. “Para sermos campeões temos de ganhar”, estabeleceu o treinador, em Alcochete, perante os jornalistas a quem na resposta à segunda pergunta estava já a sugerir interpretações mal feitas das suas palavras de há uma semana, quando falou dos cartões amarelos vistos por jogadores vimaranenses e no ar ficou a impressão de insinuar que os ditos os tinham forçado, ao ponto de o Vitória, formalmente, lamentar a “deselegância”.

“Vocês levam sempre para o lado que quiserem”, disse agora Rui Borges, assegurando estar “completamente desligado do que foi isso, apenas e só ruído” e definindo o episódio como danos colaterais de ter a função que tem - “É o que leva, por vezes, ser treinador do Sporting.” Mas isso levou-o, por mais do que uma intervenção, a louvar o Vitória em várias frentes, da estrutura, aos jogadores que admira e “jamais” vai esquecer, pois lhe “deram muito”, o carinho “para a vida” estende-se aos adeptos e também elogiou a “equipa técnica atual”. Ao ponto de dizer que gostava que o clube atingisse o seu objetivo de qualificar-se para a Liga Conferência, apesar de isso poder colidir com os interesses atuais do treinador.

No sábado, quando chegar o momento de os tentar agarrar, Rui Borges não sabe o que dirá aos seus no balneário. “Tal como sou aqui, sou um treinador limpo, não levo nada trabalhado nem pensado, é o que sinto no momento. Não levo nada treinado ou escrito.” À sua frente, lá para o meio, estará Morten Hjulmand algures, não equipado por estar suspenso. A ausência do capitão terá “peso, claro”, mas o treinador, força do hábito que teve de inculcar na travessia pelo deserto de lesões em fevereiro e março, olhou com otimismo para isto: “A equipa tem sido capaz de responder às ausências porque o espírito coletivo e o compromisso são muito grandes, a coragem e a ambição desta equipa são infinitas.”

Houve peripécias, teve o Sporting períodos de provação, chegaram a ser 11 ausências por lesão a meio da época, vários foram os miúdos da equipa B apressados para o elevador, chamados a acudirem à falta de disponíveis. “Olho para a equipa e vejo-a capaz de dar resposta, seja pela ausência de quem for, já tivemos a ausência de quase todos”, lembrou Rui Borges, concedendo que “às vezes melhor, outras não tão bom”, mas a equipa apareceu. “Fomos”, disse-o assim. “E lá está, a tal frase que a malta agarrou e bem”, que ele nem sempre diz, mas cujo elemento central menciona em quase todas as intervenções públicas: “Quando faltar a inspiração, que não falte a atitude.”

O treinador garante que “isso jamais será apontado à equipa”, nem se por acaso, como diversos jogos do seu périplo, os leões parecerem titubear na posse de uma vantagem ou abrandarem na segunda parte de um jogo. Aconteceu no inverno, viu-se agora no primaveril dérbi na Luz, de há uma semana. Rui Borges continua a perceber as perguntas sobre o tema. Desta feita falou no conforto da equipa em defender onde for, esteja o bloco alto ou mais baixo, concedeu que “às vezes as equipas conseguem empurrar” o Sporting “para trás”, que a “parte mental dos jogadores” também joga. “Independentemente de não termos ganhado sempre”, reforçou, deixou um desafio que se responde a ele próprio - “mas digam-me um treinador que tenha ganhado sempre.”

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É facto, é verdade, é hoje cenário inexistente no campeonato. Como desértica foi a conferência de imprensa em futebol concreto, no que poderá ser o jogo com o Vitória mediante a forma de as equipas em questão o jogarem. Nem quando uma questão lembrou as dificuldades do último jogo em Alvalade, contra o Gil Vicente, resgatado por um golo de Eduardo Quaresma nos descontos, a conversa foi ao futebol puro e duro. “São jogos totalmente diferentes, equipa diferentes do outro lado, que dão coisas diferentes defensiva e ofensivamente”, fechou assim Rui Borges a entreaberta porta.

O foco, disse e repetiu, está na próxima partida, a 34.ª no campeonato. “Eu quero ganhar, é isso que quero.” Ele e os adeptos, tanto ou mais do que o treinador, esses a quem piscou o olho e não se atreveu a sugerir que os foguetes rebentados, as tochas acendidas e a euforia do último sábado, quando centenas de adeptos receberam a equipa no seu estádio ao regressar da Luz. “É natural a alegria dos adeptos, mas no sentido em que íamos jogar a decisão em nossa casa e eles sentem que serão importantes. Percebe-se a euforia, mas eles sabem que ainda não ganhámos nada.”

Para ganharem, têm de ganhar ao Vitória, sublinhou sem descanso Rui Borges, o foco está aí, não nos golos de Viktor Gyökeres ou na sua corrida à Bota de Ouro - “vejo-o focado em ajudar a equipa, em ser campeão, é um grande grupo, às vezes podiam existir egos, mas não há egos.” Não, no Sporting pensa-se numa só coisa.

Rui Borges assegurou que notou os jogadores tranquilos durante a semana, se estiverem ansiosos o treinador afirmou que tal “não transpareceu”. Afinal, todos eles saberão que ser campeão é obra, fazer do bicampeão mais de 70 anos depois será façanha ainda maior, o Sporting não tem necessariamente de ganhar para o ser, basta fazer igual ao que o Benfica deixar em Braga, mas o técnico só falou em ganhar. Mas, na sua calma do costume, lembrou o essencial que tanto é esquecido neste meio onde as emoções são ganhadores-crónicas sobre a razão: “É apenas um jogo de futebol e temos de desfrutá-lo como tal.”