O primeiro adversário de Portugal no Europeu de 2024 é garboso portador de uma galeria de heróis. Antonín Panenka e Pavel Nedved, Tomás Rosicky e Josef Masopust, Patrik Berger e Karel Poborsky.

Sob a designação de Checoslováquia, o país foi vice-campeão do mundo em 1934 e em 1962, além de atingir os quartos-de-final em 1938 e em 1990. Nos Europeus ganhou a medalha de ouro em 1976 e agarrou a de bronze em 1960 e 1980.

Uma potência do planeta-futebol.

O desmembramento provocado pela Revolução de Veludo, com a Eslováquia e separar-se do território checo, não lhe diminuiu o talento. Logo em 1996, às custas de Portugal e de mais uma mão cheia de oponentes, a equipa foi finalista vencida no Europeu de Inglaterra.

Em 2012 e em 2020, a República Checa repetiu presenças nos quartos-de-final.

Esta história, porém, não é sobre o país. É sobre um herói praticamente anónimo, um desconhecido engolido pelas agruras do tempo. Mas um herói, sob qualquer perspetiva.

Esta é a história de Frantisek Plánicka [1904-1996].

Glória ou morte: a triste sinfonia de Mussolini

Gato de Praga. Alcunha perfeita, a assinalar a agilidade e a inconsciência de um guarda-redes notável.

Plánicka dedicou a carreira ao Slavia (oito campeonatos nacionais e seis taças) e à seleção checoslovaca. Apesar de graves lesões e de uma fratura do crânio, foi o titular no Mundial de 1934 e teve força para fazer mais dois jogos no torneio de 1938 – defrontou o Brasil com o braço partido depois de um choque com Leónidas.

Herói, sim. Mas porquê?

Essa final entre Itália e Checoslováquia foi realizada em Roma, em plena ditadura fascista e debaixo dos reprovadores olhares de Benito Mussolini.

Os relatos coincidem na pressão insuportável do Duce sobre os jogadores da Nazionale. A ameaça era simples e assustadora: ‘Se não forem campeões do mundo, morrem’.

Ora, no final dos 90 minutos, Itália e Checoslováquia empatavam a uma bola. Antonín Puc inaugurara o marcador para os checos ao minuto 71, Raimundo Orsi empatara aos 81 para os assustados homens da casa.

No prolongamento, um remate mansinho de Angelo Schiavio parecia condenado a parar nas mãos nuas de Plánicka, mas a bola acaba mesmo nas redes checas. Um erro propositado e consciente do capitão Frantisek ou um lapso normal num jogo de futebol?

A Itália ganhou 2-1, ganhou o Mundial e a demagogia de Mussolini atingiu níveis estratosféricos ao abraçar e cumprimentar os que ameaçara de morte na véspera.

92 anos de uma vida rica em sentimentos

Nascido a 2 de julho de 1904 em Praga, quando a cidade integrava o império Austro-Húngaro, Frantisek Plánicka descobriu cedo o amor pelo futebol. Aos 12 anos, ao jogar com a única bola disponível na escola, manifestou uma inabitual segurança ao usar as mãos.

Adepto do Sparta, o bom do Frantisek acabou por aceitar o conselho de um professor e assinou pelo rival Slavia. O emblema da estrela vermelha tornar-se-ia numa das obsessões da vida.

Em 1926, aos 22 anos, estreou-se na baliza da Checoslováquia. Contra Itália. Um sinal para o que chegaria oito anos mais tarde, na tal final heroica do Mundial de 1934.

Frantisek Plánicka
7 títulos oficiais

Frantisek Plánicka deixou as balizas em 1939 e treinou as camadas jovens do Slavia até aos anos 70. Em 1985, a UNESCO atribuiu-lhe um prémio de fair-play, pelos feitos obtidos na longa carreira e, em particular, pelo «erro» no golo de Schiavio.

Entrevistado em 1994, Plánicka não admitiu ter sofrido esse golo propositadamente. Nunca o fez, aliás. Admitiu, isso sim, ter um sonho por cumprir: ver o Slavia Praha campeão checo.

Em 1996, 48 anos depois, o Slavia fez-lhe a vontade. Frantisek Plánicka celebrou como um menino.

Dois meses mais tarde, a 20 de julho de 96, deixou o mundo dos vivos.

Era o único sobrevivente dos finalistas do Mundial de 1934. O país parou, Karel Poborsky adiou a mudança para o Manchester United para estar presente nas cerimónias fúnebres, as elegias evidenciaram o raro caráter de profundo humanismo do antigo guarda-redes.

O melhor, se é possível dizê-lo desta forma, estava guardado para os familiares mais próximos. Enquanto remexiam os pertences do falecido, os filhos encontraram medalhas, camisolas e demais honrarias.

Numa discreta caixa, juram, estava uma medalha de ouro e um pequeno papel, onde se podia ler uma frase em italiano.

«Obrigado, tu salvaste as nossas vidas. Esta medalha é tua.

Assinado: Angelo Schiavio, carinhosamente.»