A vida recente do Sporting haveria de confrontar a fala do segundo herdeiro desta época no posto de treinador com o falatório entre números e táticas, como as que na televisão, antes de cada jogo, a dispor os jogadores. “Não é tão linear”, resumiu Rui Borges, em tom professoral. “Já defendi em 5-2-3 e em 4-4-2, já ataquei em 4-3-3, em 4-2-3-1 ou 4-1-4-1, já construímos a três… o sistema é apenas um começo, depois tudo o resto tem a ver com dinâmicas que criámos perante a qualidade individual que temos, além da personalidade, da tomada de decisão e características, vamos percebendo de que forma podemos tirar o melhor de cada um”, acrescentou em idêntico registo didático, também bastante terreno, claramente cuidado em fazer os adeptos saberem com o que contar.
A preocupação do novo técnico dos leões foi clara na sua primeira conferência de imprensa de antevisão, logo uma na véspera de um dérbi contra o Benfica (domingo, 20h30, Sport TV1). “Mais do que o sistema em si é fazê-los acreditar e perceberem em pouco tempo pequenas coisas que serão importantes. Caso se consigam agarrar a pequenas coisas que eu falo, vamos ser melhores e vamos ser fortes”, vaticinou, então já emanando confiança, mas também uma generosa dose de realismo: “Haverá momentos em que não vamos ser tão fortes nem ter tanta qualidade, há uma clara adaptação aos métodos do novo treinador, independentemente se jogar em 4-3-3 ou 3-4-3, é natural que não vamos estar com ‘aquela’ qualidade, está longe, esqueçam isso.”
No posto nem há 72 horas, Rui Borges assumiu-se “felicíssimo” e fez por delapidar a ênfase que “a malta de fora tem batido” nos sistemas táticos. Para o fazer, apresentou-se mais terreno e desenvolto face ao antecessor João Pereira, com quem as coisas “não estavam a correr bem” e havia “expetativas elevadíssimas”.
Visivelmente descontraído, com outra rodagem nestes momentos de exposição, o treinador insistiu no lume brando do que espera ao Sporting. Logo no arranque, realçou que “a equipa vai estar muito longo daquilo que queremos, é natural, vai ser aos poucos”. Soltou mais adiante uma pergunta-resposta de autoria própria - “Vamos sofrer em alguns momentos? Vamos ter muitas dores de crescimento, esqueçam, não é só amanhã, é nos próximos jogos, mas faz parte, temos de saber lidar com elas sem nunca nos desviarmos do caminho e do acreditar no processo.” - e que “é natural” que os jogadores “agora precisem de ir ganhando confiança”.
E quis reforçar a mensagem: “Não é amanhã que a vão ganhar toda - vão falhar, vão errar, vai fazer parte.” Nenhuma cautela o impediu, contudo, de sublinhar que o Sporting “é candidato a ser campeão nacional” e ele vive cheio de ambição: “Tenho a maior certeza do mundo de que seremos capazes de muita coisa boa.”
Rui Borges salientou, várias vezes, o quão “capazes de ouvir” e disponíveis encontrou os jogadores para quem tentou “ser curto” e “não passar demasiada informação”, antes “ir diluindo” instruções e ensinamentos dos quais desvendou nada. Só reforçou algo não palpável, mas que pretende visível: “Se a atitude competitiva estiver lá, mesmo quando falharam um passe, uma interceção, um comportamento defensivo, um posicionamento e mais metro, menos metro, fará completamente a diferença ao longo do jogo.” Também para cativar os adeptos que “ficara um pouco desconfiados” no último mês e meio. “Tenho de arranjar formas de a reganhar. Temos de passar essa confiança aos adeptos, puxá-los para nós.”
O novo treinador tem a certeza de que Viktor Gyökeres será “o melhor marcador do campeonato”, mas não joga sozinho. O sueco não faz magia, nem ele tem esses truques ocultos. “Como é óbvio trabalhámos só 72 horas, não vou chegar aqui e fazer magia, não sou um mágico, longe disso”, disse, para reduzir ainda mais o lume às exaltações. Tal como a energia que quis emanar, descreveu um grupo de jogadores “humilde”, que “não anda em bicos de pés”.
E da mesma forma Rui Borges tocou na humilde postura, basilar para qualquer treinador embora nem sempre se a note presente em todos, de gostar de “sentir os jogadores o máximo confortáveis possível”. A explicação foi simples: “Vou impor coisas em que não se sintam confortáveis? Não vai correr bem. Vou percebendo algumas coisas, o sistema é muito relativo, a malta de fora de batido muito no sistema, mas quero é senti-los confortáveis para tirar rendimento deles.” Do que já diz ter captado deles, “estão minimamente confortáveis” e “sentem-se recetivos” ao que têm treinado.
Com tão pouco tempo para trabalhar, no campo, essa desvantagem pode ser uma vantagem por conspirar tramoias na cabeça de Bruno Lage, o técnico do Benfica que não dispõe de material de análise de um Sporting a jogar com este treinador. “Acredito que olhará para o Vitória antigo, se calhar à espera que o mister mude o sistema”, suspeitou Rui Borges, reconhecendo que “é difícil essa parte” para o homólogo encarnado, “aquela pequena percentagem estratégica que podemos ir buscar”.
As mazelas infestaram parte do plantel durante a vigência de João Pereira, outra herança depositada no colo do atual treinador. Entre Gonçalo Inácio, Hidemasa Morita e Daniel Bragança, alguém estará a postos? “Não, indisponíveis, poderá haver um ainda na dúvida, mas dois estão fora do jogo.” Há meses, quando foi entrevistado pelo “Voz de Trás-os-Montes” e falou com as guaridas em baixo, Rui Borges rendera-se às qualidades do japonês, deixando a confissão de que o japonês tinha sido o jogador que mais o impressionou quando defrontou o Sporting a época passada com o Moreirense.
Mais tarde na conferência, questionado acerca dessa “ponta solta” cujo nome não desvendara, reconheceu ser Morita. E sim, impressionou-o “bastante a jogar contra” e agora, a treinar com ele, impressionou-se “ainda mais” com um “belíssimo jogador” dono de uma “inteligência acima da média”.