O presente é uma corrente de ar entre o passado e o futuro. Para a interromper, inevitavelmente, é preciso fechar uma janela. Tendo o Sporting consumado um pretérito indesejável e imutável, tornava-se mandatório trancar o acesso do caminho em frente de modo a parar o fluxo. Nesse momento, os leões ficariam imersos no pacato silêncio dos seus erros, invejando o mundo de coisas a acontecerem lá fora. A viagem para a Alemanha foi feita com essa noção.

Era incurável a desvantagem trazida da primeira mão (3-0) do playoff de acesso aos oitavos de final da Liga dos Campeões. “Apenas e só por gestão”, Rui Borges não convocou Gyökeres e Trincão. Estranho costume este de um falecido assinar a própria certidão de óbito. Ou então chamemos-lhe gestão de realidades, porque se nesta o Sporting sucumbiu, há em Alvalade um motivo para acreditar na vida para lá da morte chamado campeonato.

Ir ao Signal Iduna Park foi quase um incómodo. Para Biel terá compensado. Ainda nem há um mês está na Europa e estreou-se a titular no imponente albergue do Borussia Dortmund. Aquele risinho a ouvir o hino da Liga dos Campeões foi um agradecimento genuíno ao contexto. Não só o brasileiro fez parte do depósito inicial da conta poupança de Rui Borges. Ricardo Esgaio, atualmente sujeito de aparições invulgares, compôs a linha de cinco, opção que também ela se julgava extinta.

As queixas de Morten Hjulmand alarmaram o Sporting, não fosse o médio colocar-se na lista de espera da enfermaria de Alcochete já saturada de pacientes. Não foi o dinamarquês a encostar-se às boxes, foi João Simões, substituído por Zeno Debast aos 40 minutos. Não há descanso para o departamento médico.

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As intermitências causadas pelos problemas físicos têm acicatado a perda de músculo exibicional no Sporting. Como se viu pelo protagonismo assumido, quem nunca parou de crescer foi Geovany Quenda. Mesmo numa época periclitante desta equipa de porcelana, não deixa de acrescentar valências ao portefólio. Quando joga junto à linha, começa a demonstrar desenvolvimentos na explosividade. No entanto, na Alemanha foi opção para jogar por dentro, muitas vezes como terceiro médio, alternando o posicionamento interior com Esgaio.

Apesar de tudo, e mesmo com Quenda a tentar destapar-se da colmeia do adversário, poucas vezes o Sporting teve desenvoltura para se impor. Sempre enérgico, Harder fez inúmeros movimentos de ataque ao espaço, afundando a linha defensiva da equipa de Niko Kovač sem que tal trouxesse proveito para a ligação leonina. Por sua vez, o avançado acabava refém no condomínio de Nico Schlotterbeck, Julian Ryerson e Emre Can. Frustrado, quando baixava em apoio para saciar a fome, acabava por cometer erros. Numa perda de bola, o samurai Marcel Sabitzer golpeou a baliza do Sporting com Rui Silva a evitar que o ato fosse mais doloroso.

Tendo Brandt a tricotar por dentro, Gross a romper sem bola e Gittens a velejar por fora, o finalista vencido da última edição da Liga dos Campeões não tinha dentro da grande área do Sporting situações flagrantes. Porém, de pulsações reduzidas com a vantagem na eliminatória, o Borussia Dortmund ia-se limitando a manter a zona defensiva em pousio com uma posse segura no meio-campo do Sporting.

Adeyemi veio com uma contundência inédita para a segunda parte, agitando um frasco de águas paradas. O input teve ramificações várias que fizeram Rui Silva validar-se como um verdadeiro reforço de inverno. Em catadupa, o internacional português parou Adeyemi, Daniel Svensson – perspicaz nas incursões interiores – e Guirassy, que o desafiou numa grande penalidade pelo próprio guarda-redes cometida.

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Sacudido o frenético arranque de segunda parte, Rui Borges passou ao plano (equipa) B. De um banco cuja lotação máxima decidiu não usar, o técnico lançou Lucas Anjos, Afonso Moreira e Alexandre Brito. Se o conjunto verde e branco precisava de ser alvo de um acontecimento taumatúrgico para marcar quatro golos sem sofrer, a realização de apenas um remate à baliza de Kobel (um cabeceamento fraco de Harder aos 85’) não chamou propriamente a atenção dos deuses.

A cadência lançava suspeitas quanto à inevitabilidade do Sporting se despedir da Liga dos Campeões com uma derrota. Giovanni Reyna acertou no poste após se movimentar pelo lado esquerdo da defesa, a zona mais permeável. Seguiu-se um golo anulado a Emre Can. Detalhes salvaram os jogadores de Rui Borges.

Pelo volume do triunfo e por ter sido o último jogo de Ruben Amorim em Alvalade, o tempo vai preservar a memória da goleada imposta ao Manchester City (4-1). Passaram três meses, o Sporting mudou de treinador uma vez a mais do que aquilo que era suposto e os desempenhos intimidaram-se. Desde o resultado frente aos citizens, em que deixaram a Europa de queixo caído, os leões fizeram mais seis jogos na Liga dos Campeões. Perderam quatro e empataram dois. A Europa que um dia afrontaram virou-se agora contra eles e não houve quem conseguisse travar a desforra.