E, após incontáveis semanas de emoções, aqui estamos nós. O dia aproxima-se. O Sporting chegou a andar com vários pontos de avanço, o Benfica também chegou a ter dois pontos na frente e ainda agora nesta última jornada chegou a pairar pelo ar a perspetiva de o Sporting chegar à Luz novamente atrás do Benfica. Parece que estava escrito, mas também parece que nunca mais chega sábado.

O dérbi lisboeta deste fim de semana será muito mais do que um jogo. Será uma “guerra” entre uma cidade, entre duas ideologias, entre dois eternos rivais, sendo que, de um lado, o Benfica pode ser campeão passados dois anos, e, do outro, o Sporting pode ser bicampeão 70 (!) anos depois.

A serem suficientemente confiáveis as pesquisas de registos que efetuei, encontrei e consultei, na história dos campeonatos nacionais disputados sob a fórmula de serem verdadeiramente todos contra todos, é mesmo um duelo sem igual, porque não há memória de um outro em que ambas as equipas se pudessem consagrar campeãs no mesmo confronto, o que muda por completo qualquer roteiro que se tenha preparado, até para as forças de segurança, imagine-se.

Assim, podendo ser o jogo do título, existe a hipótese de os encarnados serem anfitriões de uma festa que desprezariam, como sucedeu em 2010/11 e em 2021/22, sendo que, na primeira, o FC Porto venceu na Luz, sagrou-se campeão e fez a festa a cinco jornadas do fecho do campeonato, levando o Benfica a desligar a iluminação do estádio para uma celebração às escuras.

Outra possibilidade é os leões perderem, no próximo sábado, no lar do maior rival, recapitulando moldes parecidos aos de 2004/05: na altura, também na penúltima jornada, as duas equipas estavam empatadas na liderança da Liga, o Sporting tinha vantagem no confronto direto (agora, também o tem: venceu por 1-0, em Alvalade), prestou visita ao rival e perdeu tendo fresco na memória o golo eufórico de Miguel Garcia em Alkmaar, tal como agora tem o de Eduardo Quaresma frente ao Gil Vicente.

Além disso, também sinto que, com um FC Porto na maior crise financeira, desportiva e de valores dos últimos 50 anos, Benfica e/ou Sporting parecem lançados para poderem pegar na hegemonia do futebol português.

Não é por acaso que os dois clubes de Lisboa já este ano decidem entre eles a Taça da Liga, o Campeonato, a Taça de Portugal e a Supertaça. É possível que nos próximos anos seja igual.

Nesse sentido, por um lado, as águias têm a grande vantagem de jogar em casa e o jogo da época passada mostrou que a Luz tem o poder de virar um dérbi para a equipa mais fraca (um Benfica de Roger Schmidt já em fase decrescente capaz de uma reviravolta no tempo de compensação diante de um Sporting superior de Ruben Amorim).

Por outro lado, o leão tem a seu favor o facto de poder jogar com dois resultados para depender apenas de si para ser bicampeão (o empate serve-lhe se, depois, ganhar em casa ao Vitória SC, de onde saiu Rui Borges).

Ninguém, em bom rigor, consegue dizer qual das situações é a melhor, ainda que seja fácil cair na tentação de imaginar um leão mais confiante depois da incrível reviravolta frente ao Gil Vicente.

É verdade que ambas as equipas venceram os seus jogos por 2-1, mas é diferente, do ponto de vista anímico, virar um resultado indo ao fundo da alma ou ter ficado perto de ceder um empate no Estoril depois de estar a ganhar por 0-2, no segundo jogo consecutivo fora de casa, para o campeonato, em que Trubin foi salvador.

Posto isto, a verdade é que ambas as equipas não vêm de jogos perfeitos. O Benfica, na Amoreira, frente ao Estoril, fez um primeiro quarto de hora “à campeão”, no sentido de ter sido muito superior e ter podido marcar mais do que um golo nesse período de tempo.

No entanto, ainda que tenha marcado o 0-2 antes do intervalo, o ritmo baixou inexplicavelmente na etapa complementar, o que fez com que o Estoril acreditasse que fosse possível chegar ao empate. De facto, as águias demonstraram, mais uma vez, severas dificuldades em gerir o jogo em posse.

Já percebemos que este Benfica é altamente demolidor e castiga quem lhe dá espaço para acelerar, tirando partido dos recuos de Pavlidis, da condução de bola de Kokçu, do inesgotável pulmão de Aursnes, da velocidade de Akturkoglu e da exuberância individual de Di María, que acredito que vá ser titular, como é apanágio nestes grandes jogos, onde

Ora, Trubin ainda adiou por algum tempo, designadamente ao defender a grande penalidade batida por Begraoui, mas cheirava a golo dos canarinhos por todo o lado, que chegou mesmo e colocou o Benfica em claro estado de sofrimento nos últimos 10 minutos, embora não tenha sido suficiente para roubar pontos às águias.

Já o Sporting, conquistou uma vitória “à campeão”, mas no sentido de ter sido um triunfo num jogo em que praticamente nada criou em termos de oportunidades claras de golo, mas, ainda assim, lá está, conseguiu ganhar. Os dois golos que marcou surgiram de dois ressaltos, de duas “carambolas”, pelo que o Gil Vicente, a precisar de um ponto, na altura, para garantir a manutenção, podia muito bem ter saído de Alvalade com pontos.

Realmente, a manifestação mais marcante foi o desassossego e o nervosismo que se apoderou da equipa leonina, bem como alguma impaciência por parte das bancadas de Alvalade, que, no fim, se transformaram num autêntico vulcão.

A formação leonina pareceu, contudo, impreparada do ponto de vista psicológico para lidar com a obrigação de vencer, inaptidão que pode também ser imposta equipa técnica, que, depois do penálti cometido por St. Juste, colocou a equipa a procurar constantemente o jogo interior quando o Gil Vicente, num ousado 4-2-4 em momento defensivo, defendia com os extremos por dentro, não dando qualquer espaço aos homens de Rui Borges para tabelar e combinar entrelinhas.

Todavia, dada a desinspiração leonina, uma reviravolta num jogo com um carácter tão singular como foi aquele, só poderia acontecer mesmo com base na emoção, na garra, na raça, até porque, no futuro, ninguém se lembrará nem ninguém se perguntará sobre os “quandos”, os “porquês” e os “ondes” deste tipo de vitórias, mas, isso sim, daquilo em que resultaram.

Assim sendo, para sábado, há algumas coisas a reter.

Começando pelo Benfica, que não é uma equipa perfeita, longe disso. Mas Bruno Lage soube dar-lhe uma versatilidade tática que não tinha com Roger Schmidt, por exemplo.

A formação encarnada tanto pode surgir distribuída num 4-3-3, com Florentino a pivot e Kokçu a baixar para ajudar os centrais na construção, como em 4-2-3-1, com Aursnes naquele duplo papel que permite as diagonais de Amdouni ou Di María, salvaguardando as costas deste último, em 4-4-2, que, ultimamente e curiosamente, é a fórmula que se tem mostrado menos fiável, e até em 3-4-2-1, que foi usado em vários momentos frente ao AVS e também em jogos anteriores, tendo sido experimentado pela primeira vez na estrondosa goleada aplicada ao At. Madrid (4-0).

Na base desse plano, que permite atacar em 3-2-4-1 ou em 3-2-5, está Carreras, colocado como central pela esquerda, o que dá “autorização” para Dahl e Tomás Araújo se projetarem, enquanto os extremos se aproximam do cada vez mais reconhecido Pavlidis.

É a forma que garante mais unidade lá atrás (e o Benfica já mostrou no passado não saber travar um jogador como Gyokeres) e mais variedade ofensiva.

A dúvida é como Lage vai reagir à pressão de jogar com Florentino e, claro, Di María, já que o Benfica me parece ser melhor equipa sem o argentino no onze titular. Não se trata de gostar muito ou pouco de Di María, do qual eu sou um fã desde que me lembro e que foi um dos grandes protagonistas para me fazer gostar tanto de futebol. Trata-se daquilo que o argentino já não consegue oferecer ao jogo e aquilo que os seus substitutos conseguem.

É que Di María já não é um jogador associativo como os restantes colegas são, não tem a velocidade de um extremo, exagera no passe longo, nas viragens de centro de jogo e até na forma como desce no campo para ter mais bola.

Face ao seu estatuto e face ao que outrora foi, Di Maria continua a ser a solução mais usada em momentos de maior dificuldade, apesar de já não conseguir fazer coisas que em outros tempos fazia.

Acredito que o campeão do mundo vá ser titular, até porque Amdouni está em dúvida, porque poderá ser o seu último jogo na Luz e porque é sempre daqueles jogadores que, de um momento para o outro, pode mudar, por completo, o rumo de qualquer jogo, mas acho que a sua importância tenha de ser a partir do banco, principalmente em jogos que estejam “partidos”, que exijam maior atenção em momentos de transições, o que pode ou não ser o caso.

Passando para o Sporting, Rui Borges vai ter à sua disposição, na Luz, aquele que seria, grosso modo, o onze base no tempo de Ruben Amorim. Já não há Marcus Edwards e continuam a faltar Daniel Bragança e Nuno Santos, mas nenhum deles era titular indiscutível, ao contrário do que acontece com Diomande, Hjulmand, Morita e Pedro Gonçalves.

Não é garantido que o japonês já tenha o andamento necessário para um jogo de alto ritmo, mas, apesar da exibição tremida frente ao Gil, e por muito que Debast tenha remediado (até ótima e surpreendentemente) a situação nos outros jogos, o técnico português poderá arriscar jogar com a melhor dupla disponível na teoria.

O confronto na Luz vai esclarecer se o Sporting será capaz, do ponto de vista estratégico, de se preparar para o futebol mais dado à vertigem do Benfica. Irá, também, deixar claro se ter voltado a incorporar, finalmente, todos os principais protagonistas será suficiente para melhorar o ataque posicional. Digamos que iremos descobrir se o Sporting ainda sabe jogar de cor.

O grande problema leonino, na minha opinião, passa pela incapacidade de se impor nas partidas, principalmente nas segundas partes, onde existe uma quebra evidente de rendimento, a qual o treinador dos leões justifica com um cansaço acumulado dos jogadores (como se as equipas adversárias também não estivessem mais fatigadas nas segundas partes), e isso pode fazer a diferença, se a equipa leonina abordar a segunda parte dessa forma, correndo riscos desnecessários.

Claro que as primeiras opções de Rui Borges são teoricamente mais viáveis do que as que entram na segunda parte, porém isso não muda a forma como o Sporting se apresenta estrategicamente.

A falta de chegada dos médios sportinguistas à área é uma preocupação, principalmente quando jogam com uma linha defensiva de cinco jogadores, com laterais/alas que não consigam ter muita presença ofensiva (exemplo claro de Fresneda ou até Matheus Reis), ainda que não me pareça que isso vá acontecer neste jogo. A nível ofensivo, o Sporting de Rui Borges apresenta as melhores individualidades do campeonato – Gyokeres como goleador máximo, Quenda como principal criativo e Francisco Trincão que, a espaços, é do mais inteligente que pode haver.

Por último, chamar a atenção para o facto de a tática e a estratégia serem importantes, como em qualquer jogo, mas os jogos mentais que existem podem também representar um papel decisivo antes e durante a partida.

Saber quem respira melhor é a pergunta para um milhão de euros e é por este motivo que este não deve ser um dérbi só para português ver, mas para o mundo inteiro, basta saber “vendê-lo”.