[nota de editor: este texto foi atualizado às 18:40 do dia 3/3/2025, corrigindo algumas das gralhas que tinha]

Martin Anselmi cumpriu recentemente um mês ao serviço do FC Porto. O técnico argentino (oriundo dos mexicanos do Cruz Azul), foi o escolhido para substituir o anterior técnico Vítor Bruno, e foi anunciado a 27 de Janeiro do presente ano.

Ao contrário de Anselmi, o seu antecessor tinha começado bastante bem a sua etapa como treinador dos dragões (tendo sempre o fardo pesado de substituir um dos treinadores mais exitosos dos últimos anos, como é o caso de Sérgio Conceição), com a conquista da Supertaça, depois de uma reviravolta histórica frente ao Sporting, recuperando de um 0-3 e acabando por dar a volta ao resultado e ganhando essa final (4-3).

Esse bom início foi ainda sustentado por um ciclo de seis vitórias nos primeiros sete jogos. Mas com o primeiro desaire, a equipa começou a entrar numa dinâmica bastante negativa e o técnico português teve uns últimos meses penosos ao leme da equipa portista, e Vítor Bruno acabou por não resistir a uma série bastante negativa de resultados.

Perante uma onda gigante de insatisfação por parte da massa associativa portista, o presidente André Villas Boas acabou por ceder a essa pressão externa e despedir Vítor Bruno, escolhendo para o seu lugar o até então desconhecido técnico argentino Martin Anselmi.

Anselmi tinha ganho títulos nacionais e internacionais ao serviço dos equatorianos do Independiente del Valle, e estava a fazer um trabalho interessante nos mexicanos do Cruz Azul, mas quando foi apresentado, não despertou nenhum tipo de curiosidade mórbida ou de interesse desmentido de todos os intervenientes no negócio do futebol nacional, e acima de junto dos adeptos portistas.

Anselmi é jornalista de formação (embora nunca tenha exercido), e na sua apresentação, não fez valer os seus créditos por mãos alheias e demonstrou logo ali a sua forte capacidade de comunicação e argumentação, sustentada num discurso seguro e confiante.

Depois daquela primeira conferência de imprensa, os adeptos portistas (apesar de conhecedores da grave crise financeira que o clube atravessa) ficaram mais entusiasmados e esperançosos de que Anselmi seria o homem ideal para conduzir novamente o clube à senda das vitórias.

O seu primeiro jogo foi jogado em Belgrado (jogado em solo sérvio devido ao fato de Israel ser um país em guerra neste momento) contra os israelitas do Maccabi Tel Aviv, e apesar de não ter sido um jogo de encher o olho da equipa portista, o objetivo principal tinha sido alcançado: a vitória e correspondente qualificação para o play-off de acesso aos oitavos-de-final da Liga Europa.

O golo foi obtido pelo médio espanhol Nico González no seu último contributo ao serviço do FC Porto, uma vez que Nico protagonizou a maior bomba do mercado a nível mundial no último dia do mercado de transferências com a sua transferência para os ingleses do Manchester City.

Já privado de Galeno (entretanto transferido para os sauditas do Al Ahli), a perda de Nico teria certamente um efeito devastador e um grande impacto desportivo num plantel escasso de recursos e que certamente será um dos elencos mais fracos da história do clube portista.

Tudo isso é um fato indesmentível e deve ser levado em consideração quando analisamos o (curto) percurso de Martin Anselmi no comando do FC Porto.

Contudo (e à imagem do que já tive a oportunidade de escrever sobre Rúben Amorim no Manchester United), a soberba e a teimosia necessita de redundar em resultados, sob pena de que uma vez os resultados podendo não ser imediatos, colocará uma pressão maior naquele treinador, quer por parte dos adeptos, quer da própria direção, quer por parte dos jornalistas, etc…

Se os adeptos portistas sabem que o clube está numa época de transição (e que neste momento ainda estão a chorar a perda da sua maior figura, como é o caso do antigo presidente Jorge Nuno Pinto da Costa), também não deixaram de ser extremamente ambiciosos e não vão admitir discursos derrotistas e conformistas por parte do seu treinador.

Na antevisão do jogo em Arouca, o técnico argentino resolveu ter um exercício de uma profunda irresponsabilidade e uma autêntica tragédia a nível comunicacional, na minha modesta opinião.

Perante a pergunta legítima de um jornalista sobre se ia continuar a insistir num determinado sistema táctico, a resposta de Martin Anselmi (dada num tom agressivo totalmente despropositado), inclui as seguintes declarações: «Se quiserem, trago um quadro [aponta para o ecrã atrás] e vemos com quantos jogadores defendemos. Porque saltamos e deslocamo-nos consoante o adversário. Tenho de mudar o sistema a nível defensivo? Não. Não vejo porque fazer uma mudança, porque pressionamos e roubamos a bola como queremos».

Um bom líder não é só aquele que se sabe expressar muito bem, é aquele que consegue colocar as suas ideias em prática e que acima de tudo, consegue potenciar ao máximo os seus jogadores, de acordo com as suas características.

Faz sentido jogar com uma defesa de três centrais, quando não tem jogadores que possam cumprir adequadamente essa função? A resposta é claramente NÃO.

O plantel do FC Porto é bastante limitado e prova disso é que Anselmi em apenas um mês como técnico principal, já tenha experimentado várias soluções para o eixo defensivo da equipa portista.

Tiago Djaló, Nehuén Pérez e Otávio num jogo, Nehuén Pérez, Otávio e Zé Pedro noutro, e recentemente em Arouca até chamou à causa o veterano espanhol Ivan Marcano, que não jogava há mais de um ano (!). Como é possível estabelecer rotinas com tanta rotação? Como podem os jogadores absorver as ideias de um técnico que demonstra tanta confusão tática?

SSim, um treinador é pago para encontrar soluções, mas também é pago para ser inteligente no exercício das suas funções. A imprensa não é a inimiga e se queres que assim seja (o que a mim me resulta bastante estranho adotares essa postura quando és jornalista de formação), tens que justificar essa intransigência com rendimento desportivo e com uma identidade de jogo.

Pois, apesar de estarmos a falar de apenas um mês ao serviço do clube (com pouco tempo para treinar e implementar as suas ideias), não poderemos deixar de nos cingirmos a fatos.

Sob o comando de Martin Anselmi, a equipa portista tem o “brilhante” registo de três vitórias, quatro empates e uma derrota.

Nesse ciclo de jogos, o FC Porto já foi eliminado das competições europeias (caiu aos pés dos italianos da Roma (do qual de nada valeu um golo de antologia de Samu Omorodion, depois de uma brilhante exibição do mágico argentino Paulo Dybala) e já conseguiu desperdiçar a oportunidade de se aproximar na tabela classificativa.

Na jornada passada, o FC Porto dependia só de si mesmo para reduzir para quatro pontos a desvantagem para Sporting e Benfica, e falhou estrepitosamente com uma exibição absolutamente paupérrima em casa contra o Vitória SC, que perdeu a maioria dos seus jogadores influentes no último mercado de transferências.

Em Arouca, o objetivo principal foi conseguido (e apesar de uns pequenos lampejos de Fábio Vieira) mas foi novamente um deserto de ideias. Uma equipa com pouquíssima produção ofensiva, que concedeu várias oportunidades de golo ao Arouca, e que acabou por ganhar mais por inércia do que propriamente por futebol.

Acreditar no processo? Sim, claro. Mas é preciso saber trazer os adeptos para a causa, através de uma melhoria evidente da equipa, e não é isso que se tem verificado.

Claro que é prematuro fazer uma análise profunda do trabalho de Martin Anselmi, assim como é igualmente prematura e precipitada esta postura de Anselmi com a imprensa, que apenas e só está a fazer o seu trabalho.

Alguém que se formou em jornalismo, não sabe responder friamente a perguntas mais incómodas?Saberá Anselmi a dimensão do clube que comanda neste momento?

Anselmi não foi contratado para ganhar no futuro, foi contratado para ganhar já. Num clube como o FC Porto, nenhum adepto entende e aceita anos de transição. E será muito benéfico que Anselmi perceba isso com a maior brevidade possível, porque pode tornar-se refém das suas próprias palavras (que não deixa de poder transparecer confiança e uma liderança forte junto de parte da massa associativa).

Em circunstâncias semelhantes, o técnico (Sérgio Conceição) que resolveu criticar por um último ano menos conseguido, fez um primeiro ano acima das expectativas e conseguiu a obtenção de um dos campeonatos mais meritórios da história do clube.

Nessa conferência de imprensa absolutamente surreal, quando questionado se a ideia que tentou implementar é a melhor para o clube ou se o próprio é que se deveria adaptar ao mesmo, Anselmi respondeu de uma forma exageradamente taxativa:

«Como terminou o FC Porto na temporada passada? E agora porque me contrataram a mim?».

Já sei que muitos irão dizer que José Mourinho teve exactamente o mesmo tipo de discurso nos primeiros compassos ao serviço do FC Porto (com o célebre murro na mesa a afirmar peremptoriamente que a equipa ia ser campeã no ano seguinte).

Provavelmente irei engolir estas minhas palavras dirigidas a Martin Anselmi, mas enquanto não tiver prova contrária, vou considerar esta conferência de imprensa um exercício de injustificada prepotência e totalmente descabido.

Por exemplo, Sérgio Conceição é um ídolo para a generalidade dos adeptos portistas, e criticá-lo de forma tão acérrima e arrogante não é de todo o melhor caminho para o técnico argentino. É necessário que seja bem assessorado e que perceba o clube onde está.

Durante essa conferência de imprensa, Anselmi também fez uma análise exaustiva à sua equipa e, depois disso, mostrou-se bastante agastado com as perguntas, tendo tido uma atitude que demonstra um nada aconselhável nervosismo para quem está há apenas um mês ao serviço de um clube.

«Já respondi a tudo, já posso ir embora. Vamos falar de quê? Sabem que não falo individualmente de jogadores, sabem que não gosto de estatísticas, já falámos do adversário… de que vamos falar? Das próximas jornadas? É futuro. Se existir uma perda de pontos? Ahhh, é futurologia».

Do ponto de vista comunicacional, considero mesmo que o tom adoptado, o teor das declarações e o tipo de comunicação usados, são totalmente desajustados para a atual fase que a equipa atravessa.

Convém fazerem Anselmi descer à terra, para que este entenda que está apenas a dar os seus primeiros passos na Europa, que ainda não ganhou nada de relevante e que tem muito para provar, para que possa adoptar esta atitude sobranceira.

O feitiço pode-se virar contra o feiticeiro. Às vezes, é necessário haver alguma soberba em todos os quadrantes da nossa vida (nomeadamente em desportos de alta competição), mas essa precisa de ser assente em resultados.