

A nove jogos do final da temporada (contando como bem encaminhada a presença no Jamor), o Sporting não quer crescer, mas vencer, de preferência de forma tão declarada como o fez contra o Rio Ave (2-0).
O mote já foi dado há algumas semanas, quando Rui Borges abdicou do 4-3-3 ou 4-4-2, dependendo do posicionamento de Francisco Trincão, para recuperar o 3-4-2-1 que mais conforto dá aos jogadores do Sporting. A recuperação da lesão de Viktor Gyokeres, definitivamente de regresso ao melhor nível, modificou o jogar dos leões, cada vez mais direto na procura da referência.
Se em tempos foi demasiado relevada uma suposta “Gyodependência” que, na prática, era inexistente, nesta reta final da temporada são os últimos cartuxos do sueco em Alvalade quem mais permite ao Sporting sonhar com a Dobradinha. Diante do Rio Ave, num jogo que coloca os leões com um pé e meio na final da Taça de Portugal, o homem da máscara mais popular em Portugal nem fez um jogo de destaque em termos de eficácia, mas em tudo o resto foi o melhor em campo.

Comparando ao pior período do Sporting na temporada, em meados de fevereiro, Viktor Gyokeres a 100% fisicamente permite à equipa de Rui Borges estar confortável em jogar mais longe da baliza adversária e sem grande rendilhado na posse da bola. Se há uma situação de aperto ou não há uma linha de passe clara entrelinhas, uma bola mais direta para o sueco receber e segurar ou desatar a correr na direção à baliza resolve muitos problemas.
Estar dependente da condição física de Viktor Gyokeres para assentar o seu jogo é um risco calculado e que Rui Borges está disposto a correr. Mais importante do que construir o pavimento sob o qual poderá começar a caminhar na próxima temporada, é garantir que esta termina por cima. Embora não seja oficial, a saída do sueco no final da época é mais que provável e obrigará o Sporting a encontrar um novo ecossistema sem o sueco. E é por aí que importa começar a crescer.
Diante do Rio Ave foi Geny Catamo e não Geovany Quenda, que só entrou em campo na segunda parte, a começar o jogo pela esquerda. É evidente que neste momento os três principais desequilibradores do Sporting entrelinhas jogam com o pé esquerdo e, preferencialmente à direita. Francisco Trincão, o melhor jogador desta edição da Primeira Liga no campeonato dos humanos onde extraterrestres como Viktor Gyokeres não entram, tem lugar cativo e o jogo com os vilacondenses sacrificou o moçambicano.

A lesão de Pedro Gonçalves, a aposta frustrada (no imediato) em Biel e a chegada de Alisson Santos adiada para o verão obriga, desde novembro, a adaptações e tem levado Geovany Quenda a ter mais minutos a partir da esquerda. Se não há dúvidas de que é a partir da direita, pela facilidade em abrir o campo com o pé esquerdo para efetuar o passe, para encarar adversários no 1X1 e definir perto da área, que o jogo do adolescente sai beneficiado, também não há grandes dúvidas sobre o facto de ser o melhor jogador do Sporting a partir da esquerda.
A dinâmica com Maxi Araújo, com o uruguaio mais por dentro e Quenda mais aberto onde, apesar de tudo, aumenta a facilidade e naturalidade do uso do pé esquerdo, foi uma das variantes encontradas por Rui Borges para dar o conforto possível ao português. Contra o Rio Ave foi Geny Catamo quem jogou a partir da esquerda e a variante foi diferente. Quanto mais enquadrado estiver com a baliza, melhor será o produto do jogo do moçambicano que, para a realidade do Sporting, tem na relação com o golo o seu maior fruto.
Jogou quase sempre mais por dentro, procurando dar poucos toques na bola e visar a baliza sempre que possível. Marcou um golo na ressaca de um canto – à direita – mas viu outro ser anulado à esquerda, isolado por Viktor Gyokeres. Sem ser um jogador com um teto muito mais alto que o rendimento que apresenta, potenciar a sua capacidade goleadora poderá ser chave para o jogo do Sporting. Se for à esquerda, Rui Borges ganhará ainda tudo aquilo que Geovany Quenda acrescenta pela direita e poderá pensar mais ofensivamente no jogo com dois alas com um perfil mais ofensivo.

No que diz respeito ao crescimento, é a partir da valorização e da descoberta de novas funções para as individualidades do plantel que esta reta final da época poderá trazer frutos. Coletivamente, será muito complicado ver novas dinâmicas a surgir, mas individualmente Rui Borges quer retirar novas possibilidades dos seus jogadores, como confessou em conferência de imprensa.
É aqui que o nome de Zeno Debast surge com força. Um meio-campo com Morten Hjulmand e o belga lado a lado será sempre curto para a maioria dos jogos em Portugal em que o Sporting terá, naturalmente, de assumir maior protagonismo. Ainda assim, pensando quer na possibilidade da saída do dinamarquês, quer numa maior rotação em 2025/26, o perfil do novo médio do Sporting é interessantíssimo.
Já enquanto defesa central era com bola que Zeno Debast mais se valorizava. Como médio, a influência com esta pode ser maior, mas gera novos desafios. De frente para o jogo e sem pressão imediata, o belga é, quiçá, o melhor passador do campeonato. Quando o espaço aperta ou quando é obrigado a jogar de costas para a baliza, nota-se que precisa de crescer. Se no futuro será central, médio ou um híbrido dos dois, só o tempo o dirá. Mas Debast é chave para entender onde o Sporting poderá crescer para lá do resultado.

BnR na Conferência de Imprensa
Bola na Rede: O Geny Catamo foi titular e fez um belo jogo. Pergunto se jogar Geny Catamo na esquerda pode voltar a ser opção, também para libertar Quenda na direita e o que é isso pode influenciar a nível defensivo e ofensivo?
Rui Borges: Vocês às vezes é que fecham os jogadores. Para mim, um jogador nunca pode estar preso a uma posição onde seja bom. Se formos pela posição, vão dizer todos que o Quenda e o Geny jogam todos bem à direita, na largura, a fazer linha de cinco. Eles jogam no Sporting, num grande clube e um jogador não pode estar preso a uma coisa dentro da sua capacidade, senão não vai crescer. Só vai dar aquilo. Ele aquilo dá, mas se lhe der algo mais, vai-se tornar mais jogador ainda. Por isso é que se valorizam os jogadores. O Geny está a jogar numa posição que é a dele, que é extremo. Joga dentro, joga fora, num sistema normal 4-3-3, mesmo com três centrais. Está numa posição que é a dele. Tem que, ao longo do tempo, ir crescendo e jogar por dentro. Vai falhar? Vai, mas eu vou dizer para falhar mais vezes ainda porque só assim é que ele cresce. Acredito muito naquilo que ele já é bom, e nisso não posso ajudar muito, porque já é bom. Tenho é de ter capacidade de o ajudar a ser melhor e de ter mais comportamentos noutras zonas de campo em que possa usufruir da sua capacidade individual dentro do coletivo. Serve para o Geny e serve para o Quenda. A malta tem-me falado do Quenda jogar à esquerda, que só joga bem à direita, mas também sabe jogar à esquerda. Quando chegámos fez grandes jogos à esquerda, mas não vai estar sempre num patamar alto. No futuro vão vê-lo a jogar, mesmo fora que já está vendido ao Chelsea, não vai jogar a falso lateral direito. Não acredito nisso. Foi contratado por outras coisas, não tenho dúvidas nisso. Vai ter de ter capacidade para jogar à direita e à esquerda. Sei que à direita é bom, pé esquerdo, aceleração, fora-dentro, mas tenho de lhe dar a capacidade de falhar à esquerda e jogar à esquerda porque é pé esquerdo. Se der, com o Geny é igual, torna o jogador mais estrondoso ainda e confiante. Vê-se a confiança que tem e sente-se confortável a jogar à direita e à esquerda, fora ou dentro, e é isso que me deixa feliz. Tal como o Zeno [Debast] que ao início estava desconfiado. “Este maluco vai-me pôr a médio?” e agora se lhe perguntar se calhar prefere jogar a médio e tem crescido imenso. Se os puser ajudar de alguma forma, top. Se nalgum momento perceber que não vai dar, temos de ajustar em alguma coisa. Tenho de ter essa capacidade como treinador. Por isso é que se calhar cheguei ao Sporting e vim lá de trás, ou lá de cima, do Mirandela. Vou tendo alguma capacidade e ao longo do meu caminho a valorização de jogadores tem sido imensa.
Bola na Rede: O Rio Ave procurou muita mobilidade na frente, com o João Graça de fora para dentro a tentar gerar situações de superioridade, mas teve dificuldades em criar situações de perigo a partir de ataques organizados e as principais chances são em transições. O que faltou fazer com bola para ameaçar mais vezes o Sporting?
Petit: Tínhamos algumas situações. O Kiko [Bondoso] lesionou-se no treino, o [Tiago] Morais e o Marios [Vrousai] só treinaram ontem por problemas musculares e não quisemos arriscar. Optámos pelo Graça a vir de fora para dentro onde poderia criar porque o Sporting pressiona a nossa primeira fase de construção com três na frente, junta os dois médios, o Debast e o Hjulmand, na pressão sobre os nossos jogadores, o Demir [Tiknaz] e o Aguilera. Poderia abrir espaço entrelinhas para o Ole [Pohlman] e para o Graça. Tivemos essas oportunidades, mas receções mal orientadas porque podíamos ver se estávamos a levar com pressão. Saindo da pressão desses dois médios, poderíamos abrir um espaço entrelinhas e dar profundidade com o Clayton e com o André [Luiz], jogadores fortes e intensos a atacar a profundidade. Muitos desses lances, na primeira parte, perdíamos as saídas e o Sporting recuperava a bola e criava desconforto para nós. É claro que não é fácil ter ataque organizado com o Sporting a jogar na sua casa, mas tivemos as nossas chances que podíamos ter definido de outra maneira na primeira parte. Na segunda tornou-se mais difícil, mas ainda estamos vivos. Vamos olhar para o jogo, corrigir alguns detalhes e pormenores. Esta equipa é muito jovem, se calhar a mais jovem da Primeira Liga com muita gente a fazer pela primeira vez jogos numa semifinal. Faltam alguns detalhes e pormenores, fruto do crescimento dos jogadores, mas temos de continuar a trabalhar. Amanhã já a trabalhar e a pensar no jogo com o Boavista.