Sob os holofotes do distinto Stade Louis II, com o príncipe do Mónaco a assistir atentamente de uma tribuna ladeada por bancadas cheias e eufóricas, entra em campo a equipa das quinas, determinada a conquistar o troféu em disputa naquele imaculado relvado. Está em jogo a macroglória no microestado!
Vá, vá, talvez nos tenhamos deixado levar pela imaginação... O estádio não está cheio, muito menos eufórico, mas garantimos que tudo o resto é verdade! Há 11 portugueses em campo porque a diáspora portuguesa tem uma certa tendência para mostrar talento desportivo e há realeza na assistência porque se joga a final da maior competição de futebol do Principado.
Neste momento são vice-campeões do Mónaco - no último mês de maio perderam essa decisiva final -, mas não são estranhos à vitória, já que conseguiram fazer a festa na temporada anterior, 2023, e também em 2019. Contada ao zerozero pela voz de um treinador e um capitão, esta é a história do M.I. Monaco SAM, uma equipa de emigrantes que, fora do horário laboral, vence com as cores de Portugal...
Em nome de uma empresa e por um país!
«Alguns moços chegaram de Portugal, vieram trabalhar comigo e perguntavam-me se havia campos para jogar. Eu já sabia que o meu patrão queria montar uma equipa e por isso começámos a juntar pessoas. Já competimos há alguns anos e até já ganhámos o campeonato três vezes. Também perdemos três vezes na final, mas pronto, não podemos ganhar sempre», começa Carlos Ferreira, alegre, à conversa com o zerozero.
O campeonato em causa é o Challenge Prince Rainier III que desde 1975, quando foi criado a pedido desse mesmo príncipe, determina o campeão futebolístico do Mónaco. Apesar do glamour destas origens e da própria região, esta não deixa de ser uma prova amadora cujos participantes são maioritariamente empresas sediadas no Principado.
Desde logo, e apesar de ainda estar inscrito como jogador (de longe o mais velho, com 46 anos), admite-nos que «a idade começa a pesar» e por isso passou a ser o treinador da equipa. Além disso, o que antes ia pouco além de diversão corporativa é agora uma forte comunidade lusa: todos os jogadores são portugueses e esta temporada, pela primeira vez, jogam mesmo com a camisola (alternativa) da seleção!
«Nós somos quase todos da zona de Guimarães e por isso íamos usar a camisola do Vitória SC, mas como também havia alguns portistas e benfiquistas acabámos por escolher a seleção», conta, sobre a recente troca que os levou a deixar de usar a camisola do pequeno Ponte, da AF Braga. «Todos nós o achámos bonito quando saiu, por isso mandei fazer. Ainda nem tem a publicidade da empresa, mas vai ter.»
«Os adversários sabiam ao que vinham...»
André Miranda não está lá desde o início, mas juntou-se à equipa com 16 anos, por ser filho de um funcionário da empresa e jeitoso com a bola, graças à formação no Monaco e outros clubes. Lembra-se bem das brincadeiras e provocações de um balneário em que era o mais novo («coisas que um gajo agora dá valor», diz), mas hoje, praticamente uma década depois, é ele quem chateia os mais novos. André é um dos capitães.
«Esta equipa é primeiramente de amigos. Já nos conhecemos todos, alguns desde infância e por isso temos muito bom ambiente», começa por dizer ao zerozero o emigrante de segunda geração, que à boleia dos pais trocou Portugal pelo Mónaco quando tinha apenas três anos.
Cresceu ali mesmo, na joia da Costa Azul, mas o sangue é forte e também por isso apoiará o Benfica no jogo europeu desta quarta-feira. Um clube português para um coração português. Também o M.I. Monaco SAM bombeia esse sentimento.
Carlos Ferreira estava lá quando essa reputação começou a ser construída e também ele recorda as aventuras mais antigas. «Tínhamos tendência a chegar aos jogos em cima da hora e os nossos adversários riam-se. Diziam "os portugueses isto, os portugueses aquilo", mas depois viam-nos a jogar e calavam-se... Às vezes começávamos só com nove jogadores e mesmo assim ganhávamos 5-0, 6-0, 7-0!»
«Quando ganhámos o campeonato pela primeira vez, muitas equipas andavam atrás dos nossos jogadores, mas eles sempre foram fiéis. Ainda hoje acontece, mas eles jogam sempre por nós, seja para ganhar ou para perder. Sentem a equipa e por isso é sempre um prazer. É como se fosse uma família», atira.
Jogar no Stade Louis II, um palco principesco
A rotina é muito semelhante para os portugueses que compõem esta equipa, mesmo excluindo as segundas-feiras em que se juntam para mais uma jornada. Durante o dia, trabalham dentro das fronteiras do Mónaco; durante a noite, descansam do lado de fora, em redondezas onde residir é financeiramente possível: Beausoleil ou Roquebrune, por exemplo.
Cap-d´Ail é muitas vezes confundido como parte do diminuto território monegasco, mas tecnicamente é uma dessas localidades em torno do Principado. A estrada de apenas uma faixa que separa a casa do AS Monaco (o icónico Stade Louis II) do sintético onde se joga o Challenge Prince Rainier III (Stade Didier Deschamps) é uma das fronteiras invisíveis.
«Nós este ano por acaso perdemos, mas é sempre lá e até vai o Príncipe do Mónaco para entregar o troféu. Depois de jogar em sintético, pisar aquele relvado, onde joga o AS Monaco, é um prazer... É outro prestígio e é sempre uma grande satisfação», diz Carlos, campeão como jogador e mais tarde como treinador.
Já André, que falhou os primeiros jogos da nova temporada por lesão, espera regressar e ajudar a equipa a superar um mau arranque para voltar a esse estádio pelo terceiro ano consecutivo. «Já lá joguei três vezes e é espetacular... Este ano já empatámos e perdemos, mas a partir do próximo jogo já vai ser melhor. Todos os anos isto acontece, começamos mal e depois aparecem as vitórias.»
«Espero que este ano seja igual e voltemos a mostrar que nós portugueses, mesmo fora do país, fazemos história».