Depois da oitava vitória consecutiva sobre Gian Piero Gasperini, Simone Inzaghi vê-lhe ser colocado ao colo um novo contrato.

A dominância no duelo individual com o carismático treinador da Atalanta (21 golos marcados e só cinco sofridos…) serve para atestar o sucesso do projecto de Simone, que vai devagarinho impondo a sua vontade em tudo o que é competição, acumulando recordes com a mesma descontracção dum italiano a pedir um espresso.

É tudo um efeito borboleta. Com a eliminação italiana da Liga das Nações, Spalletti vê o lugar em perigo – é impensável falhar dois mundiais consecutivos. A forma como os transalpinos perdiam por três ao intervalo, ontem em Dortmund, ligou os alarmes no país da bota e deterioram-se as condições em torno de Luciano, ele próprio parecendo resignado por voltar à intermitência que o título de Napóles parecia interromper, mas só acentuou. «A verdade é que precisamos de corrigir algumas coisas.» dizia ontem no rescaldo, em declarações reproduzidas pelo Corriere dello Sport. «Temos de conseguir um equilíbrio em todos os momentos do jogo. O que se torna fundamental é perceber o calibre de quem jogou nestes jogos, os jogadores mereceram estar nesta fase. Assim, se caímos desta maneira na primeira parte, talvez tenha sido por eu ter escolhido a formação errada.» [1]

Quando Kimmich descobriu Musiala numa grande área repleta de italianos a gesticular intensamente com o árbitro, iluminaram-se as memórias de Trent e Origi contra um Barcelona descaracterizado. E antevendo a tentação natural dos dirigentes federativos de olharem para Simone como remédio para todos os males, o Inter apressa-se a chegar à frente, pedindo-lhe uma assinatura com o mesmo entusiasmo do adepto que pede um autógrafo.

O que por si só é o maior elogio que se poderá fazer ao «Demónio de Piacenza», como lhe chama a corrente memética das internetes. Neste momento, é o melhor treinador da história do Inter, se ignorarmos contextos e nos focarmos na estatística: tem a maior percentagem de vitórias (66,7%, mais que Conte, 62,8, Mourinho, 62 ou Helenio Herrera, 56,3), tem a segunda maior média de golos marcados por jogo (1,99, só perdendo para Conte, que conseguiu 2,1), a melhor média de golos sofridos (em igualdade com Trapattoni, 0,81), e alcançou frente ao Feyenoord a 22ª vitória na Liga dos Campeões, ultrapassando Mancini no topo dessa tabela.

Simone nasceu há 48 anos em San Nicólo, a sete quilómetros de Piacenza, filho de Marina e Giancarlo. O irmão mais velho, Filippo, mostrou-lhe como era bom o sentimento do golo – e tentou ensinar-lhe todos os tiques para se estar à vontade na grande área, sem perceber que o empirismo é o mais brutal método de aprendizagem. Por isso, Pippo teve sempre mais sucesso, ainda que Simone tenha alcançado o nível suficiente para disputar títulos contra o irmão, como aconteceu naquela 99/00 e o histórico scudetto da Lazio de Eriksson, ganho no sprint à Juve de Ancelotti.

Simone seguiria em Roma vida fora. Penduradas as botas, abraçava-se a vida de treinador – e pelos Primavera dos Capotilini ganharia duas Taças, permitindo moral suficiente para em 2016 confrontar os dirigentes: ou equipa sénior ou procuro oportunidade fora. Como a ideia era conseguir seduzir Bielsa, Simone foi obrigado a conversar com a Salernitana, já tendo tudo alinhavado quando a bronca se ouviu: o mago argentino não aparecera para dar início à pré-época, dois dias depois de assinar contrato. Num pânico e entre súplicas, Simone é chamado de volta. Em cinco anos, ganharia mais uma Coppa e duas Supercoppas, além de recolocar a Lazio na Champions treze anos depois.

Em 2021, muda-se para Milão. Uma Serie A, mais duas Coppas, mais três Supercoppas e a final da Champions em 2022-23, que muitos argumentam que só foi conseguida pela sorte do sorteio e o facto de ter calhado no lado bom da chave – que o FC Porto de Conceição, o Benfica de Schmidt e o Milan de Pioli, campeão italiano sobre Inzaghi, eram acessíveis e não permitiam aferir a verdadeira capacidade tática de Simone. Mas em Instambul, quando Guardiola coçou a cabeça e deu voltas e mais voltas para encontrar o caminho para o remate decisivo de Rodri, percebeu-se que o 3-5-2 de Simone não era só construído à base de química de equipa e acessos do sobrenatural. Havia uma imprevisível e complexa fluidez que permitiam a Çalhanoglu fazer uma suave transição para a carreira de regista, mostrar a destreza de Onana como primeiro construtorou tornar Acerbi num dos centrais mais fidedignos do mundo. No Atatürk, o Inter rematou o dobro do City: 14 para 7. Guardiola, habituado a dominar em posse, viu a equipa ser obrigada a aliviar… doze vezes.

O «Demónio de Piacenza» é o reconhecimento duma estranha atracção pelo sucesso. Que a sorte é mais amiga de Simone que dos outros, sem que isso desmereça as suas qualidades. Ainda agora, com a notícia da lesão de Alphonso Davies, desfalcando o Bayern para o embate com o Inter, os fãs nerazurri logo se apressaram a invocar Demone, Demone Inzaghi.

O seu estilo de liderança não traduz a imprevisibilidade nem o optimismo das ideias táticas. Não tem a impertinência de Conte, a obsessão de Pep ou a electricidade de Simeone. Não torce as sobrancelhas como Ancelotti nem tem a facilidade comunicacional de Luis Enrique. É mais soturno, tranca-se mais o rosto e tudo é mais sério, não está ali para sobressair ou ser ele o espectáculo – e de tão pouco se mostrar, cresce o mistério. Como o seu Inter, é difícil entendê-lo. Significa isso que não sabe ser autoritário?

No seguimento desta petrificação por Chiesa o ter confrontado, surge na flash interview acompanhado por Di Marco, o lateral que Simone conseguiu transformar em comboio. Quando o jornalista lhe pergunta o que achava da alcunha, Di Marco desmancha-se à gargalhada; e Demone, afavelmente, ao estilo Dr Jekyll e Mr Hyde:

«It’s nice

Mas a alcunha nasce sobretudo dessa propensão em encontrar soluções – e quando se esgotam, surge inevitavelmente o apoio do Além. O Inter foi uma das equipas que mais sofreu financeiramente com a COVID19 e o consórcio chinês que mantém o clube à tona tem tido o cuidado de nunca entrar em excessos. Com Inzaghi, e confiando na sua capacidade de improviso, o máximo que se gastou foram 31 milhões (Frattesi e Pavard), preferindo-se uma abordagem cautelosa ao mercado, vasculhando sobretudo nas gavetas dos jogadores livres. Entre lucro e despesa, o saldo são uns positivos 102 milhões em quatro épocas de governação.

Com as três principais frentes em aberto, Demone vai levando a sua avante, potenciando um plantel que não se evidencia pelo peso dos nomes nem pela fama da juventude (a média de idades anda acima dos 29 anos) e descobrindo soluções novas a cada semana: em 2024-25, foram 21 os jogadores que já ficaram de fora por lesão. E por isso foi preciso manietar Saka em Novembro com uma associação Bisseck-Darmian na ala esquerda, ou ir a Roterdão, encarar o mesmo Feyenoord que eliminara o rival histórico, com o latagão Bastoni a fazer o vaivém da ala. Nos dois casos, o mesmo resultado: vitória sem golos sofridos.


[1] Tradução livre de https://www.corrieredellosport.it/news/calcio/italia/2025/03/23-139422163/spalletti_diretta_dopo_germania-italia_interviste_e_conferenza_stampa