Bruno Lage tem usado a palavra consistência para definir o segundo estágio da temporada do Benfica. Tornar mais repetidos e em maior duração os comportamentos que permitam estar perto da vitória é o grande objetivo que o técnico tem para o que resta de uma época que já passou o checkpoint da metade na Primeira Liga. Para tal, um dos segredos é a complementaridade.

A vitória impositiva e sem contestação diante do Famalicão (4-0) no jogo que iniciou a segunda volta em Portugal aumentou a sequência positiva das águias que vencem há quatro jogos e que, numa época vivida ao estilo montanha-russa, consistem um novo pico. É a consistência que o prolongará e a complementaridade que o explica.

Diante do Famalicão destacou-se, um patamar acima de todos os outros, Leandro Barreiro. O médio ainda não se tinha estreado a marcar pelo Benfica e decidiu fazê-lo em dose tripla, aproveitando o encaixe possibilitado por Bruno Lage que tem afastado cada vez mais o jogador da base das jogadas, adiantando-o no terreno.

Mais que um médio de contenção e de ocupação de espaços, Leandro Barreiro é um médio de deslocamento. Nas conferências de imprensa, tem sido algo exagerada a forma como, quando questionado sobre qualquer outro jogador, Bruno Lage destaca o luxemburguês, mas a verdade é que foi o novo técnico do Benfica quem melhor o percebeu e enquadrou.

O meio-campo de Roger Schmidt, com Florentino Luís e Leandro Barreiro, não encaixava porque a junção entre ambos em zonas de criação é redutora. A primeira decisão de Bruno Lage foi desfazer este miolo e a segunda – depois do internacional luxemburguês recuperar de uma lesão – está a ser afastar definitivamente o reforço de verão do Benfica de posições mais baixas de campo.

Sem bola, pela energia e disponibilidade física, Leandro Barreiro torna-se importante no desenho da pressão a partir de posições mais avançadas, quer pressionando o central, quer condicionando a entrada da bola no médio. Com bola, o engenho do luxemburguês está na forma como compensa movimentos dos colegas, ataca o espaço com ruturas e rompe entre os defesas. Está claramente mais confortável nesta função – lembrando a forma como Diego Simeone chegou a enquadrar Marcos Llorente no Atlético Madrid – de médio de chegada e recuperador em terrenos altos.

É também um jogador como Leandro Barreiro que mais retirará rendimento de Vangelis Pavlidis. Está aqui a primeira complementaridade que Bruno Lage pode explorar. O avançado grego fez mais uma exibição demonstrativa das suas principais qualidades e defeitos. Cada jogo de Pavlidis aproxima-se cada vez mais da sua definição da passagem pelo Benfica.

Foram inúmeros os movimentos feitos pelo avançado grego, arrastando marcações e abrindo espaços para a entrada de Leandro Barreiro. Não é de estranhar que, na pré-temporada, e jogando numa dupla de ataque, Vangelis Pavlidis tenha saído tão valorizado. Jogando sozinho, sem um jogador próximo a ocupar zonas de finalização, os movimentos do avançado tornam-se inconsequentes na maioria das vezes. Com um colega mais próximo – como foi Leandro Barreiro – passam a traduzir-se em mais oportunidades de golo para o Benfica. Até por esta razão, é estranha a pouca utilização de Zeki Amdouni como segundo avançado. Leandro Barreiro pode ser a solução.

A segunda complementaridade encontrada por Bruno Lage joga-se à esquerda. Andreas Schjelderup entrou no onze e, além da capacidade individual que ofereceu à equipa, deu novos argumentos à asa esquerda do Benfica que se revitalizou. Traz novas dinâmicas à equipa dos encarnados e oferece outra segurança às posses de bola.

Controlar o jogo foi um dos próximos passos que Bruno Lage apontou como necessidade para o Benfica crescer. Juntando jogadores como Álvaro Carreras, Orkun Kokçu e Andreas Schjelderup, as águias redimensionaram o seu jogo a partir de um – maior – critério nas ações com bola. A vertigem constante que jogar com Kerem Akturkoglu trazia, pelas constantes acelerações e movimentos a pedir a bola no espaço, permitia aproximações à baliza quando esse espaço era criado, mas tornava o jogo mais partido e menos controlado.

Com Andreas Schjelderup a pedir a bola principalmente por dentro (os extremos e Leandro Barreiro sobrecarregaram o corredor central), Álvaro Carreras sobe e Orkun Kokçu ganha opções para o passe. Aliado ao posicionamento mais conservador dos dois jogadores, o turco ganhou outra dimensão nos últimos jogos pelo Benfica e é a terceira das complementaridades que pode ser explorada por Bruno Lage.

A derrota contra o Sporting no último jogo de 2024 expôs a nu as limitações de Florentino Luís como médio construtor. A derrota diante do Braga com que o Benfica arrancou 2025 revelou as dificuldades de Orkun Kokçu a jogar como 6, mais posicional, para ocupar o espaço e cortar transições. A solução encaixa os dois nas suas funções preferenciais.

Com bola, Orkun Kokçu desce sobre a esquerda, jogando ao lado dos centrais e vendo o jogo de frente, organizando o jogo do Benfica e permitindo a Álvaro Carreras projetar-se no corredor. A forma como as águias pausam mais o jogo, também permite ao desequilibrador turco assumir outra segurança nos passes. Abriu o livro frente ao Famalicão, na tal função de primeiro médio no início da construção e de jogador dentro do bloco quando o Benfica se aproxima da área.

Florentino Luís, com menos responsabilidades na construção, continua a equilibrar a equipa sem bola. Diante do Famalicão, esteve muitas vezes sem um marcador próximo, focando-se essencialmente na cobertura do espaço. Também o médio, principalmente nos jogos grandes, sai valorizado com este novo enquadramento.

Depois de colocar os jogadores nos sítios certos, Bruno Lage procura agora o melhor equilíbrio e conjugação de perfis. Ainda há jogadores aos quais urge dar minutos – Benjamín Rollheiser e Gianluca Prestianni podem ser novos Andreas Schjelderup – e a enquadrar, mas o caminho da valorização do plantel está a ser consolidado. Se consistência é a palavra-chave, complementaridade é a ajudante.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: Depois de um início em que o Famalicão procurou uma ou outra saída mais direta, assentou como normal o jogo numa saída mais apoiada desde trás, mas sem grandes chances de golo criadas. Taticamente, quais as maiores dificuldades nesta noite?

Hugo Oliveira: A forma como explicou no início diz o que aconteceu. O plano não era sair direto, era sair ligado, encontrar o espaço e ser agressivo a atacar esse momento. Como o jogo defensivo, no início, criou constrangimentos e dúvidas em quem saltava à largura para prevenir as triangulações do Benfica, deu-nos depois dúvidas para o momento ofensivo em que tentámos ligar de forma mais direta, que não era a nossa forma de estar. Era atrair o adversário, encontrar espaços e aí ser objetivos. Penso que só depois de sofrer o segundo golo é que começámos a assentar no nosso jogo e, mesmo assim, quando começámos a assentar o nosso jogo quando chegamos próximos da área adversária temos de finalizar as ações. Temos de criar dúvida ao adversário e chegar ao golo de forma objetiva e não só manter a posse para não correr risco de levar com o adversário em ataque. Foi essa dúvida e receio que nos tirou a forma de estar. Temos rapidamente de tirar ilações disso e apontar para o próximo jogo.

Bruno Lage: Infelizmente, não nos foi concedida a possibilidade de fazer uma pergunta ao treinador do Benfica.