Quando estavam decorridos 15 segundos de jogo, e a equipa da Vila das Aves aproveitou uma hesitação entre António Silva e Trubin para levar perigo à baliza encarnada, pensou-se que poderia haver um prélio tão equilibrado quanto a desproporção orçamental entre os dois emblemas permitisse, ou não estivesse a memória dos benfiquistas ainda fresca com o balde de água fria que lhes caiu em cima no final da partida com o Arouca. Porém, esse lance foi a tal andorinha que não faz a primavera, e de imediato a equipa da casa pegou nas rédeas do jogo e começou a adivinhar-se que as redes à guarda do mítico Guillermo Ochoa (vai para o sexto Mundial, pelo México) não se manteriam por muito tempo invioladas. Dito e feito: depois de um primeiro aviso de Akturkoglu (4 minutos), que viu um golo anulado por um offside de oito centímetros de Dahl, foi preciso esperar apenas mais quatro minutos para Tomás Araújo colocar o Benfica na frente e dar início a um vendaval atacante para o qual os forasteiros não encontravam resposta.

Rui Ferreira armou a sua equipa num 4x3x3 que com facilidade passava a 5x4x1, mas a forma como quis começar a defender, demasiado à frente, e a atacar, demasiado atrás, deu ao Benfica os espaços entre linhas que acabaram por tornar-se em verdadeiras alamedas que desembocavam na baliza de Ochoa.  

Mas, sem Florentino, que tática usou Bruno Lage para este jogo em que além da vitória precisava de golos que equilibrassem essa conta particular com o Sporting? A resposta é... muitas, porque as dinâmicas aplicadas alteraram sucessivamente o ponto de partida, que foi um 4x4x2, com Aursnes e Kokçu, no duplo pivot, Dahl na esquerda e Amdouni na direita, colocando-se Akturkoglu perto de Pavlidis. Porém, a partir daí houve 4x3x3 quando Dahl se juntava a Aursnes e Kokçu, descaindo Akturkoglu para a esquerda; 4x2x4 quando os alas abriam bem e se colocavam na linha dos pontas-de-lança; 4x2x3x1 quando Akturkoglu deixava Pavlidis na frente e passava a atuar decididamente nas suas costas, na mesma linha de Amdouni e Dahl; e 3x4x3, quando Carreras e Amdouni faziam os flancos, juntando-se no meio da defesa Tomás Araújo, António Silva e Otamendi. É quando a dinâmica, como sucedeu, permite levar a plasticidade de uma equipa a níveis elevados que se criam condições para exibições que confundem o adversário e encantam as plateias. Foi isso o que aconteceu com o Benfica, que acabou a primeira parte a vencer por 4-0, ficando-se a dever outros tantos golos. Na retina, obrigatoriamente, ficou o segundo golo, de Pavlidis, numa jogada de pelada, com cheiro a futebol de rua, mas com muito laboratório pelo meio, em que, após um canto da direita, a bola foi de Dahl para Akturkoglu, deste para o compatriota Kokçu, que voltou a endossá-la a Dahl, que serviu em bandeja de ouro o goleador grego para uma finalização simples. Estavam jogados 23 minutos e esse momento inspirou o Benfica para minutos de futebol-arte, em que Amdouni e Akturkoglu também faturaram, graças a uma atitude coletiva muitíssimo interessante.  

AVES CORRIGE BEM

Ao intervalo, deve ter passado pela cabeça do técnico avense a vitória do Benfica de Lage sobre o Nacional de Costinha por 10-0, e tratou de alterar processos, essencialmente para contenção de danos. Passou, com as entradas de Piazon, bom de bola, para o miolo, Tomás Tavares para a direita da defesa e Eric Veiga para a esquerda, a um modelo que só em tese era 4x3x3 e na prática foi cada vez mais um 4x5x1, com uma suprema diferença relativamente à primeira parte: a equipa baixou linhas e ao mesmo tempo compactou-as, retirando espaço ao Benfica, que durante os primeiros 20 minutos baixou em intensidade. Bruno Lage começou a reagir aos 67 minutos, quando tirou Carreras (amarelado, falha o Estoril) e passou Dahl para o lugar ocupado pelo espanhol, e mandou a jogo Schjelderup e Belotti, que se foi juntar a Pavlidis. Aí sim, o Benfica assumiu o 4x4x2/4x2x4 e criou fissuras importantes na muralha avense. Cinco minutos depois das trocas, o galo Belotti chegou à manita, e quando, aos 77 minutos, a equipa encarnada foi refrescada com Arthur Cabral, Prestianni e Barreiro, o Aves passou a ter como único desejo que o jogo acabasse. O Benfica ainda fez mais um golo, por Otamendi (82), ameaçou o sétimo, por duas vezes, por Prestianni, e terá ficado atónito quando viu o árbitro dar apenas dois minutos de compensação, claramente insuficientes para o que tinha acontecido na segunda parte, sabendo-se que o campeão nacional de 2024/25 pode vir a ser encontrado na diferença entre os golos marcados e sofridos por Sporting e Benfica.

Nota final para a exibição de Akturkoglu, que desempenhou várias funções com elevada competência, assistiu, marcou e defendeu, tornando-se provavelmente na peça mais relevante da plasticidade com que o Benfica de Bruno Lage se apresentou na Luz.