Foram seguramente das mais emotivas e profundas experiências que vivi na minha longa carreira de dirigente desportivo. Como muitos outros adeptos do futebol, mas sobretudo como benfiquista, e apaixonado desde que me lembro, tive conhecimento daquela tragédia ainda jovem. Mas ter conhecimento dela não é comparável a tomar contacto direto com a realidade do que foi um dos maiores dramas que o mundo do futebol, e do desporto em geral, testemunhou e pôde sentir. 

Foi ainda antes de 2013 que sem dúvida ganhou outra dimensão a minha experiência emocional sobre a tragédia aérea que vitimou toda a equipa de futebol do Torino (conhecida como Grande Torino, por ser considerada, na época, a melhor de Itália e uma das melhores do mundo), de que se assinalam agora 75 anos. 

Prosseguiam ainda os trabalhos para erguermos, no Sport Lisboa e Benfica, o Museu Cosme Damião, que veio a ser inaugurado em 2013, quando recebemos em Lisboa, e eu na qualidade então de vice-presidente responsável pela iniciativa, o presidente do Museu do Grande Torino, o senhor Domenico Becaria. 

Imaginem a emoção ao vermos que o senhor Brecaria trazia consigo para oferecer ao nosso museu um dos restos da fuselagem do avião que se despenhou naquela dramática tarde de 4 de maio de 1949 contra a Basílica, no cimo do monte Superga, nos arredores de Turim, no norte de Itália, e vitimou toda a equipa de futebol do Torino, que jogara na véspera em Lisboa, no Estádio Nacional, na festa de homenagem ao lendário Francisco Ferreira, capitão de um já muito prestigiado e grandioso Benfica, quer na dimensão da massa adepta, quer no impacto internacional, como viria a ficar demonstrado pela resposta do Grande Torino ao convite benfiquista. 

Apesar de distância do tempo, mesmo sendo muito difícil imaginar o que foram a tristeza e o drama, a profunda mágoa e o sentimento ligados a uma tragédia praticamente sem paralelo no mundo do futebol e do desporto, que infelizmente acabou cedo demais por tornar lendários e imortais heróis alguns dos mais valorosos jogadores italianos de sempre, a verdade é que quis o destino que acabasse por me ver emocionalmente ligado a acontecimentos, e sentimentos, de que, como benfiquista, tinha, como milhões de outros adeptos, apenas conhecimento histórico. 

Jamais esquecerei, na realidade, aquele momento em que o presidente Domenico Becaria nos trouxe, no fundo, um pouco da memória física de uma tragédia que tão triste é recordar como tão importante é manter viva, porque só a memória dos homens faz com que sejam eternos os nomes de todos os que viram terminado o caminho da vida e um muito valioso, dedicado, muito talentoso e tão excecionalmente reconhecido percurso desportivo. 

Aquele encontro com Domenico Becaria foi capaz de me levar no tempo para o já de si tão tocante momento histórico. Mas fez mais. Deu início a uma nova e sentida amizade, que perdura e perdurará, e me faz lembrar, uma e outra vez, como são as amizades o que mais devemos reter desta nossa vida como dirigentes desportivos. 

Todas essas relações e ligações emocionais ainda mais aprofundadas e marcadas ficaram quando, já em 2014, no final do mês de abril, por altura do memorável jogo do nosso Benfica com a Juventus, também de Turim, que nos levou à final da Liga Europa, fiz parte da delegação do Benfica que fez uma visita às ruinas do Stadio Filadelfia, casa do Torino até à década de 60, e ao Museu do mítico clube italiano, onde fomos recebidos, ainda, por Domenico Becaria e por dezenas de atletas da formação do Torino. 

No dia seguinte, a 1 de maio, a nossa homenagem à memória de todas as vítimas, mas sobretudo às vítimas do grande emblema do futebol, italiano, levou-nos a colocar flores no cimo da colina de Superga, onde há 75 anos se deu o trágico acidente que ligou para sempre coração e alma de Torino e Benfica. Por si só, esses já seriam momentos de intenso sentimento. Mas a presença de dezenas e dezenas de adeptos do Torino e alguns familiares dos atletas desaparecidos tornou profundamente mais afetiva, mais comovente e, sem dúvida, mais inesquecível uma experiência que viria a ser marcada também pela simples, mas intensa cerimónia religiosa com que o padre Delmar tocou todos os presentes. 

Dois anos depois, a 26 julho de 2016, esta minha relação, na primeira pessoa, com uma história tão devastadoramente trágica e tão profundamente comovente que temos, todos, também, e especialmente, no Sport Lisboa e Benfica, a obrigação de perpetuar, levou-me ao Estádio Nacional, para, em conjunto com alguns membros da direção do Torino, voltar a homenagear a histórica equipa que ali jogou pela última vez a 3 de maio de 1949. 

No dia seguinte a essa homenagem no Estádio Nacional, a 27 de julho de 2016, portanto, pôde o Torino celebrar, no Estádio da Luz, a conquista da prestigiada Eusébio Cup, e seguramente nunca, como naquela tarde, uma derrota terá sido capaz de preencher tanto o coração dos benfiquistas!