Bruno Pereirinha é o terceiro português com mais jogos pela Lazio - apenas Fernando Couto e Sérgio Conceição têm mais. Maurício, por sua vez, totalizou 56 jogos no emblema italiano, após época e meia no Sporting.
Ambos contam com um passado em comum em Portugal (Sporting) e Itália (Lazio), sendo que, o testemunho - da vida em Roma -, apesar das diferenças, conta com muitas semelhanças.
Uma experiência, no global, «muito positiva» para os dois e devidamente sublinhada pela atmosfera «única» do Stadio Olimpico, com alto 'patrocínio' dos adeptos «loucos» e «apaixonados» da Lazio.
Em conversa com o zerozero, à boleia do Lazio - FC Porto, ambos refletem sobre o passado em comum e, acima de tudo, a vivência no clube romano. Uma conversa sem filtros sobre os momentos de maior angústia/felicidade, os adeptos, a «política» e as diferenças entre o futebol italiano e o português.
«Parece uma religião»
De Portugal para a Lazio: uma mudança transformadora. Embora a «proximidade» entre os dois países, a mudança cultural foi muito sentida por ambos. A receptividade das pessoas, a «simpatia» e muito mais.
Não obstante, a paixão - e uma dose de loucura à mistura - dos adeptos compensou alguns dos momentos menos positivos. Pereirinha recordou uma massa associativa «fanática» que vive o clube como uma «religião», ao passo que, Maurício destacou a «intensidade» das semanas de dérbi romano e de como isso deixava os italianos «doidos».
«São muito fanáticos mesmo, quase parece uma religião. A ligação ao clube em Roma é muito mais forte do que existe aqui em Portugal, pela proximidade que existe entre pessoas e clube», introduziu o ex-lateral luso.
[Pereirinha, recorde-se, depois de 150 jogos pelo Sporting e três experiências (mais discretas) no Moscavide, Vitória SC e no Kavala (Grécia), seguiu para os Biancocelesti e viveu uma das grandes mudanças na carreira: Itália representou a primeira saída em definitivo, depois de uma carreira ligada, maioritariamente, aos leões.]
17 títulos oficiais
«Foi o que ficou de melhor da experiência: a intensidade no estádio e a paixão dos adeptos. Eram mesmo muito fervorosos. Umas vezes motivavam - outras também desmotivavam -, mas eram ambientes que davam vontade de jogar», elucidou.
O central brasileiro do North Esporte Clube,que assumiu - em 13/14 - um lugar de destaque em Alvalade [seguiu para a capital italiana a troco de 2.6 milhões em janeiro de 2015] corroborou a ideia dos adeptos serem «fanáticos» e sublinhou que o dérbi de Roma foi a «melhor» atmosfera onde já esteve presente.
«É um clube muito bom e com uma estrutura muito boa, embora não tão boa como o Sporting, por exemplo. Os adeptos estavam sempre presentes e os jogos contra a Roma eram impressionantes. Falava-se todos os dias do dérbi. Não importava se o jogo era decisivo, se era para o campeonato, Taça, ou Champions League, o mais importante era vencer aquele jogo. Foram dias inesquecíveis, porque o pessoal [na Itália] ficava doido. Era uma atmosfera única», destacou referindo que adorava a «pressão» desses desafios.
O ex-lateral português, em cima disso, relembrou ainda um pormenor muito importante no quotidiano da Lazio: a política [n.d.r: recorde aqui por que razão o emblema romano é associado ao fascismo].
«É um clube que vive muito as questões políticas e extra campo. Recordo-me em particular de uma partida contra o Livorno. Havia muito barulho em torno do jogo e eu, sem perceber muito bem o porquê, questionei os meus colegas. E lá me explicaram que o motivo centrava-se na questão política. Na Lazio, os adeptos identificam-se muito com a 'direita' e o Livorno era, precisamente, o oposto, então isto tornou-se um jogo bem mais 'quente' do que expectável dentro das quatro linhas», anotou.
«No primeiro jogo acabei com o dedo partido...»
Para além dos adeptos, a rotina do dia a dia. Nem tudo foi bom (e fácil) na perspetiva de Pereirinha e Maurício. O futebol é melhor - mais «tático» e «intenso» -, as pessoas são «obcecadas» pelo clube, no entanto, na visão do brasileiro, os italianos são bem «mais frios» do que os portugueses.
Para Bruno Pereirinha, ainda assim, foi uma «agradável surpresa» o que viveu nos primeiros tempos em Itália, referindo que a adaptação foi «rápida» e «fácil».
«A maneira de viver o futebol em Itália é bastante diferente de Portugal. As pessoas participam muito mais ativamente na vida do clube. Haviam rádios que falavam da Lazio 24/7, com a participação dos adeptos/jogadores e é uma forma distinta de respirar o futebol. Foi uma agradável surpresa, por um lado, mas, por outro, tornava-se um pouco angustiante. Às vezes precisava de libertar um pouco a cabeça, entrava num táxi e o taxista estava a ouvir na rádio algo sobre o clube [risos]», afirmou o ex-lateral de 36 anos ao nosso portal.
«Houve um pequeno choque inicial, mas a adaptação à cultura/idioma foi bastante fácil. Devido a alguma semelhanças com o português, consegui - ao fim de duas semanas - praticamente compreender tudo o que falavam. Em três meses já conseguia comunicar com toda a gente», completou Pereirinha sobre os primeiros meses em Roma.
Maurício, por sua vez, salientou que sentiu um maior «desconforto» nos primeiros tempos e assumiu que a convivência com os italianos foi mesmo «a parte mais difícil».
«Não é que eles não gostassem de nós brasileiros, mas denotei que se sentiam algo incomodados. É tudo muito diferente de Portugal. Sinto que os italianos são mais 'frios' a receber as pessoas de fora e o futebol é totalmente diferente», começou por dizer o central de 36 anos.
O futebol. Como mencionado previamente, mais «tático» «intenso» (que o diga Pereirinha...). Ambos partilham a mesma opinião: a qualidade é superior, contudo, a criatividade era, por vezes, deixada de lado, o que tornava o futebol mais «robotizado».
«No primeiro jogo acabei com o dedo partido [risos]. E até hoje está torto. No calor do momento, um jogador deu-me um pontapé na mão, o árbitro mandou seguir e cheguei, já no balneário, com o dedo meio torto. Como era a minha estreia e não queria dar a parte fraca, pedi para me fazerem um penso e lembro-me perfeitamente dos risos dos meus colegas. Eles apenas me disseram: 'bem vindo a Itália'. Foi a minha carta de boas vindas», rememorou o português.
«O futebol italiano é distinto, principalmente a qualidade dos jogadores e a cultura tática, que era algo que se trabalhava mesmo muito. Em Portugal, as coisas saíam de forma mais criativa, em Itália era tudo um pouco mais esquematizado. Às vezes, a malta já nem olhava porque já sabia onde era para meter a bola», referiu o ex-lateral.
Maurício, por sua vez, recorda a estreia supersónica e do período com Pioli, técnico que foi «fundamental» na sua carreira e na «vida» da Lazio. O brasileiro, recorde-se, fez parte da equipa que alcançou o terceiro posto em 14/15, algo que o emblema romano apenas conseguiu por três ocasiões no século vigente.
«Num dia foi vendido, no outro já estava a jogar contra o Milan. Foi tudo muito rápido, mas teve de ser porque também cheguei a meio da temporada. É um futebol mais tático e mais físico. Dá a sensação de ser um futebol até mais robotizado. Foi uma adaptação difícil, mas rápida», esclareceu.
«Foi o Pioli quem me contratou. Ainda antes da transferência, recordo-me de um amigável contra a Lazio - no Troféu Cinco Violinos -, em Alvalade. O Stefano Pioli, acompanhado do diretor desportivo, falou comigo e disse-me que tinha realizado uma análise profunda de seis meses ao meu perfil e que tinha gostado muito», recordou deixando elogios ao ex-treinador.
«Foi fundamental para a Lazio e para mim. Ajudou-me muito. Logo nos primeiros dias ele tentou ao máximo afastar-me dos brasileiros, mas por um bom motivo [risos]. Ele tentou que eu aprendesse a língua italiana o mais rápido possível, se não só iria estar a comunicar em português. Algo que foi chave, porque em dois meses já falava italiano fluente», finalizou.