No final da passada semana, o Governo surpreendeu as federações desportivas com um convite para uma “Apresentação de medidas de apoio ao desenvolvimento desportivo em Portugal”. Em época natalícia, é o mesmo que dizer, aí vem o Pai Natal!
Ora, como o Governo no mês passado divulgou a contratualização pelo Instituto Português do Desporto e Juventude de um estudo (a ser conhecido em 2025) para a definição de um plano estratégico para o desporto, dei comigo a pensar: das duas, uma - ou as medidas que vai apresentar são provisórias e temporárias, ou algo de especial está para acontecer que justifique tal surpresa.
E, como uma surpresa nunca vem só, acrescente-se o facto inédito de ter solicitado as instalações do Comité Olímpico de Portugal para essa apresentação. E, mais ainda, uma iniciativa que contaria com a presença ilustre do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro.
Como não bastasse já tudo isto, os convites dirigidos aos Presidentes das Federações diziam expressamente “pessoal e intransmissível” de modo tão perentório, que quem pretendeu fazer-se substituir (por várias e atendíveis razões) recebeu um rotundo “Não” da organização (leia-se Secretaria de Estado do Desporto)!
A apresentação era, por isso, da mais suma importância, ao ponto da organização - além dos ditos convites oficiais – ir ainda aprimorar alguns convites telefónicos e pessoais para acrescentar o brilho pretendido.
Não se pense que estou a dizer isto por não ter recebido um SMS, e-mail ou telefonema de convite. Teria certamente apreciado e aceitado tal convite, pois me preocupo e interesso ativamente pelo desenvolvimento do Desporto em Portugal e também com o papel que deve caber ao Governo nesse desenvolvimento. Mas, de pequeno, ensinaram-me: “a casamento e batizado não vás sem ser convidado.” E, ainda que fosse para possivelmente ouvir uma boa nova (e em tempo natalício!), entendi que não seria prova de boa educação aparecer nessas condições. Enfim… não fui!
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Confesso que não partilhei diretamente com nenhum dos responsáveis governamentais da área do desporto as minhas ideias ou quaisquer contributos que pudesse avançar sobre o desenvolvimento desportivo em Portugal. Não me atrevi, nem me foi sequer proposto. Mas não deixei de lhes assegurar – e de o fazer publicamente - plena disponibilidade para colaboração em tudo o que prosseguisse tal objetivo.
Imagino que o bom senso geral estará de acordo com o meu em achar que o desporto, com os seus princípios e valores intrínsecos, está seguramente na primeira linha das áreas em que é não só mais desejável como até mais fácil encontrar soluções de convergência, ou projetos e iniciativas solidárias e comuns. O país desportivo agradece uma nova atitude governativa, centrada numa visão de compromisso com todo o movimento desportivo.
A apresentação que o Governo ontem promoveu não foi seguramente o melhor nem o mais límpido caminho para um tal desígnio. Mas, se esquecermos outros cenários, podemos encontrar motivos para alguma esperança. Se não, vejamos:
1 - O Governo decidiu apontar, num programa de quatro anos, algumas sérias inovações no modelo de funcionamento do sistema desportivo, delegando contratualmente nos Comités Olímpico e Paralímpico medidas e recursos até aqui assumidos pela administração pública desportiva. Nenhuma objeção. Bem pelo contrário, sobretudo nas matérias em que o desporto pode melhor fazer de sua própria sentença.
2 - Não tendo ainda sequer sido adjudicado o Estudo estratégico para os próximos anos, que o Governo desde há meses diz que é fundamental, estas medidas são uma precipitação, ou porventura uma antecipação que fará desnecessário tal estudo?
3 - As verbas financeiras anunciadas (65 milhões de euros até 2029) e sobretudo algumas das áreas de intervenção a que se destinam (infraestruturas, recursos humanos, ciência, inovação, formação e certificação) no quadro das regras próprias da contratação pública a que estão obrigadas, exigirão das entidades um novo quadro de competências e habilitações e um reformular profundo do papel de entidades como IPDJ, COP e CPP (fica por saber se a Confederação e a Fundação do Desporto serão extintas?).
4 - Em todo o caso - sem prejuízo de mais cuidada avaliação - o movimento desportivo só pode considerar positivamente este anúncio do Governo como uma disponibilidade assumida de ajudar a impulsionar algumas áreas (Centros de Alto Rendimento e carreiras duais para os atletas) que preocupam sobretudo as instituições a quem incumbe promover a prática desportiva da base ao topo.
5 – Mas - e há sempre um “mas” - nenhuma destas medidas inverte o crónico e escasso investimento público no funcionamento e atividade das federações desportivas, que vivem em situação de permanente sufoco financeiro ou até mesmo de falência técnica. E, sobre isto, o Governo nada disse. Nada. E sabe perfeitamente, como todos sabem, onde está a solução! Mas não teve vontade nem coragem de iniciar esse caminho. Voltaremos ao assunto.
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O Pai Natal é sempre bem-vindo. Quem não gosta? Quem não espera ansioso o presente de sonho? Só que, às vezes, o nosso querido Pai Natal não lê a carta que está no sapatinho nem ouve ou conversa com quem espera os seus presentes! E depois capricha na surpresa, exagera no embrulho, e no dia seguinte regressa de novo a tristeza a quem esperava sorrir! Enfim… a todos um Bom Natal!