
Na dia 28 de março, a remota Gronelândia voltou a estar no centro das atenções da política global e das relações internacionais. A norte da ilha, o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance, visitou a base espacial de Pituffik. E a sul, na capital Nuuk, era apresentado um governo de coligação, composto por 4 partidos, pronto a desafiar a retórica agressiva de Donald Trump. O povo gronelandês está unido na sua autodeterminação e não aceita que decidam nada sem eles.
A “famosa” visita de JD Vance à Gronelândia foi marcada pelas sucessivas mudanças de planos. A forte contestação popular e diplomática por parte dos gronelandeses e do governo dinamarquês surtiu efeito e, o vice-presidente dos EUA acabou por visitar apenas a base americana de Pituffik. Durante o tempo que lá esteve, JD Vance destacou a importância geoestratégica da Gronelândia na salvaguarda dos interesses americanos. E, aproveitou, ainda, para dizer que a independência do povo gronelandês seria mais rapidamente alcançada se a Gronelândia estivesse sob a alçada americana.
Estas declarações não caíram bem ao governo da Dinamarca e, menos ainda, aos gronelandeses. Se, por um lado, revela falta de compromisso diplomático criticar publicamente um aliado histórico, por outro, ao impor à Gronelândia o caminho que deve seguir, os EUA estão a menosprezar as aspirações à independência e a semear a desconfiança entre os gronelandeses que sempre valorizaram as relações cooperativas com os americanos. Mute Egede, antigo primeiro-ministro e agora ministro das Finanças gronelandês, mostrou-se descontente com a postura agressiva do novo governo americano.
Horas antes da visita de Vance, o novo governo de coligação gronelandês tomou posse em Nukk. A coligação, composta por quatro dos cinco partidos candidatos às legislativas na Gronelândia, é comandada por Jens-Frederik Nielsen, líder dos Democratas, partido que venceu as eleições de12 de março. De facto, Nielsen, após ter ganho as eleições, insistiu que os partidos pusessem as suas diferenças de lado e se unissem aos Democratas a fim de mostrarem a sua unidade como nação contra as declarações de Donald Trump. Foi o que aconteceu, com exceção do Naleraq, os outros partidos corresponderam ao apelo de Nielsen, garantindo uma maioria parlamentar de 75%. Este novo capítulo na governação gronelandesa evidencia o compromisso do país em continuar a construir uma identidade como nação independente.
Ideologicamente, os partidos gronelandeses defendem ideias semelhantes para o país, havendo apenas algumas diferenças nas estratégias para lá chegar. Matérias como Economia, Saúde e Educação são tópicos importantes, as oportunidades de cooperação são bem-vindas e têm um papel fundamental para a independência. Todos os partidos estão de acordo em relação à posição imprudente dos EUA. Contudo, o principal tema de debate entre os gronelandeses é, sem dúvida, a autodeterminação e qual o melhor caminho para alcançar a total independência sobre a Dinamarca. É neste aspeto que residem as principais divergências entre partidos. Os Democratas têm uma abordagem mais cautelosa em relação à separação com a Dinamarca, defendem uma cimentação das instituições e da Economia, ou seja, valorizam uma abordagem pró-business. Acreditam que a Dinamarca pode ajudar o país a libertar-se. Por oposição, o Naleraq, o único partido não-coligado, defende uma separação imediata com o país escandinavo. Esta foi a principal razão de não se terem coligado.
O tom agressivo de Washington revelou-se impopular e pouco eficaz. Mais do que “precisar da Gronelândia por razões de segurança nacional” (palavras de Trump), o governo americano precisa de repensar a sua estratégia para o Ártico. A inclusão dos seus aliados, oportunidades e acordos de cooperação são uma alternativa mais convincente para abordar o futuro polar. Trump e Vance chegaram (sem ter sido convidados), viram (o ambiente pouco acolhedor) e não Vance(ram). A Dinamarca sai beneficiada com a abordagem pouco prudente dos EUA. O tópico da anexação permite que o governo dinamarquês ganhe tempo e fique bem visto aos olhos dos gronelandeses.
Logo na primeira semana do novo Governo, a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, fez uma visita oficial de 3 dias em que foi recebida pelo Governo. Esta visita veio, justamente, mostrar o apoio e cooperação entre a Dinamarca e Gronelândia. Numa agenda cheia, os líderes repudiaram a ideia da anexação americana e frisaram que não rejeitam cooperar com os EUA desde que de maneira adequada e respeitosa.
O Centro Cultural de Katuaq, epicentro da promoção da cultura gronelandesa, foi o local escolhido para apresentar o novo governo. Não foi coincidência… foi, sim, uma declaração a dizer que a Gronelândia está unida neste momento de incerteza e, apesar das diferenças políticas, a estabilidade e coesão são os alicerces para o futuro como nação independente