
Cerca de uma centena de pessoas são acompanhadas por ano no Serviço Regional de Saúde (SESARAM) no âmbito da problemática associada à identidade de género, os números foram revelados pela psiquiatra Frederica Passos no âmbito das VI Jornadas Hospitaleiras de Saúde Mental, que decorrem hoje e amanhã na Casa de Saúde Câmara Pestana. “Temos que nos modernizar e acompanhar aquilo que os antigos já sabiam, que era que estes indivíduos existiam”, defendeu.
A psiquiatra que com uma colega psicóloga especialista em sexologia acompanha estes utentes adultos diz que são pessoas incompreendidas e “invisíveis”, na medida em que fazem tudo para passar despercebidas, por medo do estigma, da represália e do julgamento por causa da sua natureza transgénero. Diz que os utentes que as procura vão em busca “acima de tudo serem ouvidos, entenderem o seu próprio caminho, o que se passa com eles, procuram literacia, procuram um sentimento de conexão e de pertença, procuram muito aquilo que nós chamamos de aldeia.”
A maior parte dos pacientes de Frederica Passos contam que a descoberta da sua identidade transgénero aconteceu cedo na infância e a própria psiquiatra revela que quando estagiou a instituição acompanhava crianças no âmbito da identidade de género desde os quatro anos de idade. “O que não significa que fazíamos intervenções a partir dessa idade, mas supervisionávamos e acompanhávamos desde tão cedo”, revelou.
Sobre o que é isto de identidade de género, Frederica Passos convida as pessoas a fecharem os olhos e a se perguntarem se são homens e mulheres? “A resposta está no íntimo de cada um”, diz. “Identidade de género é isto, é eu saber quem eu sou, qual é a minha identidade”, algo diferente da questão de sexo, esclarece. A do sexo “tem que ver com os caracteres sexuais e com os cromossomas. São duas questões separadas e é importante nós separarmos”.
Da mesma maneira, continua, é preciso separar a orientação sexual. “Uma coisa é de quem eu gosto: se gosto de homens, se gosto de mulheres, se gosto de tudo, isso é uma coisa. Mas quem eu sou, são as questões da identidade de género. E ser uma pessoa transgénero não é doença, não está caracterizado como doença nos manuais de doença. O que é doença é o sofrimento associado a isto, que é a disforia de género”, esclareceu.
A grande maioria dos seus pacientes transgénero já está ou está na calha para fazer terapia de reposição hormonal. Do ponto de vista cirúrgico, nem todos querem uma mudança, revelou. “Até porque se têm um órgão que funciona, que lhes dá prazer e que não lhes incomoda, vão tirar para quê?” E conta que há homens trans que engravidam e amamentam. “É perfeitamente possível”.
A consulta de psiquiatria de Frederica Passos é que dá o aval para a terapia hormonal e para a mudança de sexo. Já a cirurgia é feita apenas no Sistema Nacional de Saúde, para onde são encaminhados. Quando este não dá resposta em tempo últil, os utentes podem fazer a operação ou operações no privado.
As adições sem substância foi outro dos temas abordados nas Jornadas. A psiquiatra Joana Vieira trabalha na Câmara Pestana e na Unidade de Tratamento e Reabilitação da Toxicodependência, no SESARAM. Descreve esta adições como perturbações comportamentais, como a perturbação de jogo e a perturbação de jogos e uso de Internet, as dependências tecnológicas.
“Temos cada vez mais casos, sobretudo em crianças e adolescentes”, disse a médica, oradora, sublinhando que o tema é ainda muito estigmatizado e as pessoas ainda têm muita dificuldade em reconhecer o problema, revelou, dando conta que têm alguns casos, ainda pontuais. No entanto, defende que é importante sensibilizar para esta problemática actual.
Embora se fale em vício do jogo, trata-se de uma dependência, esclareceu. Diz que quem sofre, sente a necessidade urgente de jogar. “Há esta compulsão, há uma dificuldade em controlar esta vontade. Há uma compulsão para o jogo e as pessoas têm uma sensação de alívio depois de o praticarem, vão muito na busca de alcançar um prazer, sem com isso reconhecerem as consequências negativas que isso pode ter”. O tratamento é complexo, a terapia é individualizada, mas envolve toda a família, explica. Temos de tentar evitar este comportamento. Diz que no caso dos videojogos e Internet a paragem completa é muito mais difícil, sendo que procuram a redução através da terapia cognitivo-comportamental e em alguns casos com medicação. Os sinais de alarme passam pelo isolamento e pelo grande número de horas em frente aos dispositivos, eventualmente diminuição do rendimento escolar. Não permitir a exposição precoce à tecnologia e limitar as horas de exposição são as recomendações para prevenir da psiquiatra.