Num momento em que uma série - "Adolescência" - fez suscitar o debate no Reino Unido e além fronteiras por alertar para o tema das influências tóxicas e misóginas a que os jovens estão expostos nas redes sociais, a Ordem dos Psicólogos decidiu abordar a problemática e fornecer um guia para que todos possam identificar o que é verdade e mentira na internet. E que melhor dia para fazê-lo do que no Dia das Mentiras?

Chama-se "Vamos Falar Sobre Desinformação" e vai ser lançado este terça-feira, com um objetivo bem definido: dar ou fortalecer "as competências de todos e, em particular, apoiar as mães, pais, professores e educadores na tarefa de ajudar as crianças e jovens a navegar na (des)informação disponível nas redes sociais e noutras plataformas digitais".

Mas o que é a desinformação? Como o próprio nome indica é qualquer tipo de conteúdo - muitas vezes uma espécie de notícia - "que contribui para o aumento de informação falsa, não validada, pouco clara e/ou que tem a intenção de afastar as pessoas dos factos e da verdade".

Pode, porém, apresentar-se de diferentes formas e com diversas intenções. Já deve ter ouvido falar em termos como deepfakes, bots, contas falsas, clickbait, conteúdos virais ou manipulados, certo? Todos eles são sinónimo de desinformação que pode ser criada apenas "por brincadeira" ou com um objetivo claro de enganar, ganhar dinheiro ou até com fins políticos ou ideológicos, promovendo "a desconfiança nas instituições, alimentando a polarização, e aumentando o extremismo, a violência e o discurso de ódio".

Mas, explica a Ordem dos Psicólogos, a razão para a qual é criada é clara: "explorar vulnerabilidades psicológicas". É, por isso, importante "resistirmos a três armadilhas", três tentações. São elas:

  • a tentação de confirmar a nossa visão do mundo. A desinformação é mais perigosa quando está alinhada com a nossa visão do mundo, fazendo com que a aceitemos fácil, rápida e acriticamente;
  • a tentação de confiar cegamente nas pessoas do nosso grupo. O mensageiro/a da desinformação também influencia a credibilidade que atribuímos à mensagem. Se esta nos chega a partir de alguém em quem confiamos ou de um grupo a que pertencemos, a nossa predisposição para acreditar aumenta exponencialmente;
  • a tentação de simplificar aquilo que é complexo. A desinformação tende a simplificar o mundo – preto ou branco. As instituições, pessoas ou assuntos são retratados como sendo sempre bons ou sempre maus, facilitando que as perspetivas diferentes das nossas sejam ignoradas ou considera- das falsas logo à partida.

Face a estas "três armadilhas", a Ordem alerta que apesar de "todos" podermos ser afetados, são as crianças, os adolescentes e as pessoas mais velhas os mais vulneráveis. Cerca de 50% dos alunos de 15 anos não distingue factos de opiniões, e pessoas com mais de 65 anos partilham sete vezes mais desinformação do que jovens adultos.

Redes sociais, o palco preferido

Chesnot/Getty Images

A era digital, nomeadamente com a chegada e proliferação das redes sociais, trouxe uma "mudança significativa" na forma como a desinformação se propaga, "aumentando exponencialmente o seu alcance e rapidez de disseminação". Sabia que, nas redes sociais, "uma notícia falsa espalha-se seis vezes mais rápido do que uma notícia verdadeira".

"Todos os dias, enquanto utilizadores, podemos percorrer distraidamente cerca de 90 metros de feed nas redes sociais – aproximadamente a altura da Estátua da Liberdade. Para garantir que permanecemos atentos aos ecrãs, estas plataformas têm de certificar-se que recebemos conteúdos que gerem reações e sejam emocionalmente intensos. O conteúdo que melhor encaixa nestas condições é a desinformação".

Além disso, as redes sociais "favorecem a criação de câmaras de eco (também denominadas bolhas informativas)", ou seja, as nossas opiniões e ideias são repetidas e reforçadas por outras pessoas que pensam igual a nós. Com o tempo, podemos ficar com a ideia de que 'toda a gente pensa assim' e se alguma pessoa não o fizer, deve ser rejeitada ou alvo de desconfiança".

O que é possível fazer?

SIC Notícias

Definido o conceito desinformação, como é criada e com que objetivos, a Ordem dos Psicólogos revela sete ferramentas práticas que apenas requerem algum "esforço individual e sistémico". Confira se no seu dia-a-dia as segue, se assim for, está no caminho certo.

  • Parar e pensar:refletir antes de reagir ou partilhar. Prestar atenção à reação emocional provocada pelo conteúdo. Muitos conteúdos são feitos para gerar cliques ou reações emocionais. Importa suspender a decisão de reagir até conhecermos as implicações do conteúdo;
  • Verificar e investigar: observar se o título corresponde ao conteúdo, verificar se o URL é confiável, confirmar se o autor é identificado, confiável e qualificado, confirmar a data e avaliar se a imagem corresponde ao conteúdo relatado;
  • Fazer uma “leitura lateral”: este método consiste em verificar o que se lê, enquanto estamos a ler. Se nos deparamos com informação que nos deixa na dúvida, precisaremos de outras fontes para nos sentirmos confiantes na sua credibilidade, como verificadores de factos, imprensa de referência ou fontes científicas;
  • Clicar com critério: os primeiros resultados de pesquisa nem sempre são os mais fiáveis. É importante avaliar a origem, o título e o resumo antes de aceder;
  • Denunciar conteúdos desinformativos: as plataformas digitais permitem reportar conteúdos falsos, ofensivos ou perigosos. Denunciar ajuda a reduzir a exposição de outras pessoas;
  • Divulgar informação de qualidade: partilhar informação validada por especialistas e que tenha base científica ajuda a contrariar a disseminação de conteúdos falsos.
  • Usar recursos de fact-checking: ferramentas como o Polígrafo, Prova dos Factos (Público), Fact Check (Observador), Iberifier ou EUvsDisinfo e Google Fact Check Explorer permitem verificar a veracidade de conteúdos.


Como ajudar pais, mães e educadores

É outra das questões que a série "Adolescência" lançou para cima da mesa. A importância de conversar sobre ecrãs e outras tecnologias digitais, "mantendo um diálogo aberto sobre os seus benefícios e riscos", e em simultâneo adotar hábitos digitais seguros e saudáveis, e estar a par do que significam certas práticas adotadas menos mais novos e que podem passar despercebidas.

Turkan Rahimli/Getty Imagens

As ferramentas que são sugeridas a "todos" devem ser explicadas aos jovens. É importante que também eles saibam verificar em conjunto os factos. Para isso, sugere a Ordem, "reveja as informações que a criança/adolescente leu e ajude-a a perceber como poderia identificar as informações falsas/enganosas".

Opte por não criticar ou gerar alarme, e encoraje "o pensamento crítico com perguntas como - 'Isto parece-te correto?; “Onde é que encontraste a informação?”; Quem criou este conteúdo? Qual o objetivo? O criador do conteúdo parece-te confiável? Isto são notícias verdadeiras? Um anúncio? Ou uma opinião? Quem pode ser beneficiado ou prejudicado com estas mensagens?"

Ajude a criança ou adolescente a perceber quando algo é falso, a conhecer os sinais mais comuns de sites, apps ou publicações enganadoras, assim vai "aumentar o ceticismo online e facilitar uma navegação segura".

E porque nem sempre os conselhos, conversas ou questões são bem recebidas, sobretudo na adolescência, lance-lhes um desafio em modo jogo. Já conhece o jogo pedagógico “Bad News”? A sugestão é da Ordem dos Psicólogos porque a brincar também se aprende. Este jogo "permite aprender, de forma segura, as estratégias de manipulação usadas na desinformação, fortalecendo a resistência psicológica a conteúdos falsos".