Iniciei a colaboração com a Pinto Lopes há cerca de oito anos. A ideia seria a de realizar uma espécie de “peregrinações biográficas” em torno da vida de artistas e movimentos icónicos da história da arte ocidental.
O conceito de “peregrinação” não se encontra muito longe da ideia original. O termo possui múltiplos significados: viagem a países longínquos; romaria a lugares santos ou de devoção; percurso de homenagem a um lugar onde viveu alguém que se venera. Retirando a dimensão sobrenatural, estas viagens conjugam os três fatores.
Não se trata apenas de visitar os incontornáveis da arte, mas de mergulhar nas suas vivências, nas paisagens que contemplaram, nos locais onde amaram e sofreram, nas casas que habitaram, nos caminhos que percorreram e nas obras que aí produziram.
A Paris de Picasso
A primeira viagem que realizei foi A Paris de Picasso. Tinha de ser. O meu primeiro confronto com a obra de Picasso aconteceu-me por volta dos 12 anos. Guernica regressava a Espanha no dia 10 de Setembro de 1981 com honras de Estado. Foi instalada num anexo do Museu do Prado, atrás da espessura de um vidro à prova de atentados.
Impressiva. Ameaçadora. Um encontro poderoso. Ainda hoje sinto o arrepio desse primeiro vislumbre.
Quarenta anos depois, o arrepio permanece. Titânica, gigantesca, revolucionária, cruamente violenta, enigmática… Mergulhei na obra durante tempo indeterminado. O meu deslumbre viajou pelas linhas compositivas do branco, do cinza e do negro. O tempo foi passando e a minha ligação a Picasso e à sua obra consolidou-se. Sempre que contemplo Guernica, recuo a esse tempo inaugural.
Deambular por Paris é caminhar no tempo
Falar e vivenciar Picasso é viver Paris em toda a sua plenitude. Paris não possui apenas alguns dos melhores museus do mundo ou algumas das mais icónicas obras de arte. Não. Cada rua, cada esquina, cada casa, conta a sua história. Uma história que ilustra a aventura da arte desde o impressionismo até ao modernismo e movimentos subsequentes.
Deambular por Paris é caminhar no tempo. Não é por acaso que os franceses possuem um termo específico para esse exercício de errância ou vadiagem poética: flânerie. Quando juntamos as obras, a deambulação citadina e as descrições literárias da época, obtemos algo poderoso: a viagem no tempo.
Dois heróis sagrados
Porém, estas viagens biográficas não se esgotam em França. Rumar a Itália é prestar homenagem a dois dos meus heróis sagrados: Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo.
A contemplação da aspereza de Caprese Michelangelo ou dos vales que abraçam Anchiano e Vinci, abre uma viagem pela consciência e pela personalidade de cada um destes homens, que moldaram tormento em génio.
Todas estas viagens concretizam velhos sonhos. Fora da sala de aula, trata-se de ensinar História da Arte nos locais que ela habita: ateliers, casas de artistas, museus. Frente às mais icónicas obras, nasceram os cursos de história de arte em viagem.
Os quatro capítulos destes cursos proporcionam uma única visão de conjunto. O primeiro capítulo inicia-se em Londres.
Entre a National Gallery e a Tate Modern, estudamos algumas das mais célebres pinturas do ocidente, desde a pintura medieval dos séculos XIII e XIV aos modernismos emergentes dos séculos XIX, XX.
Nove séculos de imagens que forjaram a consciência histórica, religiosa e filosófica do ocidente.
Dois artistas apaixonantes e com destinos antagónicos
No segundo capítulo, regressamos a Paris. À eterna Paris. Desta feita, para uma viagem dedicada ao Impressionismo, mas com um enfoque muito particular sobre a vida de dois artistas apaixonantes e com destinos antagónicos: Vincent Van Gogh e Claude Monet. Um lunar, o outro solar.
A ida a Auvers-sur-Oise é uma peregrinação em si mesma.
Deambular pelos campos de trigo, pisar os mesmos trilhos que Van Gogh, visitar a sua campa ou almoçar no célebre Auberge Ravoux, constitui uma genuína viagem emocional.
Já em Giverny, encontramos a dimensão solar da obra de Monet. Tudo irradia felicidade, cor, calor e paixão.
No dia seguinte, confrontar estes espaços físicos e emocionais com as obras expostas no extraordinário Musée d’Orsay, constitui um privilégio raro e um exercício absolutamente único.
No terceiro capítulo, partimos rumo a Madrid onde reside um apaixonante triângulo museológico: Museo Nacional Thyssen, Museo del Prado e Museu Reina Sofia. Em cada vértice deste mundo, encontramos obras míticas: Hotel Room de Hopper, Las Meninas de Velázquez, Guernica de Picasso…
O quarto e último capítulo será inaugurado este ano. Conduzidos por Harold Rosenberg e pelo seu incontornável ensaio The Fall of Paris, rumamos ao novo mundo em busca da mítica Escola de Nova Iorque. Após os obrigatórios MoMA, Metropolitan e Guggenheim, peregrinamos aos Hamptons para viver a casa e o atelier de uma tragédia em forma de artista: Jackson Pollock.
Por último, importa destacar os ciclos de exposições Paris em 3 Olhares. Uma oportunidade para remodelar (pre)conceitos, rever velhos amigos nas paredes ou vivenciar em pleno a paixão pela arte. Partamos em peregrinação.