
Numa reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) focada nos reféns ainda retidos pelo grupo extremista Hamas, o embaixador da Palestina, Riyad Mansour, afirmou que também Israel está a reter os corpos de centenas de cidadãos palestinianos, negando às suas famílias o direito de dar aos seus entes queridos um enterro digno.
"Israel considera que é uma barbárie apenas se os atos forem atribuídos ao Hamas. Mas é justificada se for cometida por Israel. É barbárie se o ato for contra um israelita. E é legítimo se o ato for contra um palestiniano", disse Mansour.
"Vejam esta desprezível dualidade de critérios. Israel tem o direito de matar e mutilar. Deter e torturar arbitrariamente. Deslocar, destruir e devastar. E nós temos o direito de morrer e desaparecer. Mas não é assim que o direito internacional funciona", insistiu, frisando que existem ações proibidas independentemente da identidade dos perpetradores e das vítimas.
Mansour acusou também Telavive de tentar convencer a comunidade internacional de que matar, desapropriar e deslocar palestinianos é o único caminho para uma solução em Gaza, mas, frisou, que "não há solução militar para este conflito".
"Não podem negar a existência de milhões de palestinianos. Estamos enraizados como oliveiras nas profundezas da nossa terra. Não nos podem matar a todos", disse o representante diplomático palestiniano, dirigindo-se ao seu homólogo israelita.
A reunião de hoje foi convocada pelos Estados Unidos, Reino Unido e França e contou com a presença de Eli Sharabi, um ex-refém israelita que relatou ao Conselho de Segurança os horrores que viveu em cativeiro.
Sharabi, que está numa campanha global para defender a libertação de todos os reféns que permanecem em Gaza, contou que sobreviveu "com restos de comida, sem atenção médica e sem misericórdia", indicando que perdeu mais de 30 quilos durante os 491 dias em que esteve em cativeiro.
"Só quando voltei a casa descobri a verdade: a minha mulher e as minhas filhas foram massacradas por terroristas do Hamas em 07 de outubro [2023]", disse Eli Sharabi, que perdeu também o irmão no cativeiro.
"Durante 491 dias passei fome, fiquei acorrentado, implorei por humanidade. E, em todo esse tempo, ninguém veio. E ninguém em Gaza me ajudou. Ninguém. Os civis em Gaza viram-nos a sofrer. Eles aplaudiram os nossos sequestradores. Eles estavam definitivamente envolvidos", acusou, pedindo à ONU que "traga os restantes reféns para casa".
Sharabi afirmou ainda ter visto os seus captores a alimentarem-se da ajuda humanitária distribuída em Gaza, incluindo "caixas com o logótipo da ONU e da UNRWA", a agência da ONU para refugiados palestinianos.
Essa acusação foi vista pelo embaixador israelita na ONU, Danny Danon, como uma evidência de que "a UNRWA apoia" o Hamas, que "está a matar os reféns de fome e a perpetuar a catástrofe humanitária em Gaza" - uma acusação recorrente de Telavive, mas que é rejeitada pelas Nações Unidas.
Já a representante interina dos Estados Unidos na ONU, Dorothy Shea, voltou a defender incondicionalmente Israel, repetindo a frase dita recentemente pelo Presidente norte-americano, Donald Trump:"O Hamas deve libertar todos os reféns imediatamente ou haverá um inferno a pagar".
No encontro de hoje, alguns países referiram os resultados de uma Comissão de Investigação da ONU, que acusou Israel de cometer "atos genocidas", ao atacar a saúde reprodutiva na Faixa de Gaza, e de abusos sexuais cometidos pelas Forças de Defesa de Israel (FDI).
Contudo, a diplomata norte-americana rejeitou a dimensão das conclusões desse relatório.
"Em relação ao relatório emitido pela Comissão de Investigação, citado hoje por alguns no Conselho sobre a suposta violência sexual pelas FDI, gostaria de salientar que este relatório confunde os atos de alguns que serão repreendidos por Israel com a campanha de violência sexual orquestrada pelo Hamas em 07 de outubro, e isso é vergonhoso", afirmou.
Dorothy Shea rejeitou ainda que Israel esteja a perpetrar ataques indiscriminados em Gaza, argumentando que as forças israelitas estão apenas a focar-se em líderes e agentes do Hamas que continuam a "esconder-se entre a população civil".
Israel rompeu unilateralmente, na segunda-feira, o cessar-fogo com o movimento Hamas na Faixa de Gaza e que estava em vigor desde meados de janeiro. Desde o retomar dos bombardeamentos israelitas, mais de 500 palestinianos morreram e mais de mil ficaram feridos.
Estes ataques interromperam uma trégua iniciada em 19 de janeiro, ao fim de mais de 15 meses de ofensiva, e ocorrem num momento em que as partes não alcançam entendimento para avançar para as etapas seguintes do acordo de cessar-fogo.
Na primeira fase, 33 reféns israelitas (oito dos quais mortos) foram entregues pelo Hamas em troca de quase 1.800 prisioneiros palestinianos que estavam nas cadeias de Israel.
Permanecem ainda 59 reféns em posse do grupo palestiniano, dos quais Israel estima que 35 estejam mortos.
O Hamas atacou o sul de Israel em 07 de outubro de 2023, matando cerca de 1.200 pessoas e tomando outras 251 como reféns.
Em resposta, Israel lançou um ataque em grande escala na Faixa de Gaza, matando mais de 49.000 pessoas, na maioria civis, segundo números das autoridades locais, destruindo a maior parte do enclave palestiniano, que está mergulhado numa grave crise humanitária.
MYMM // SCA
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