Em março de 2015, o Partido Socialista concorreu às eleições legislativas regionais da Madeira numa coligação que integrava, ainda, o PTP, o PAN e o MPT. A estratégia era fazer passar na região o processo que tinha levado a que o PS tivesse conseguido eleger uma pessoa próxima de si, Paulo Cafôfo, como presidente da Câmara do Funchal, em 2013. Era líder do PS Madeira o socialista Vítor Freitas. O resultado foi tão mau que a tal coligação foi relegada para terceiro lugar, atrás do CDS.

Feitas eleições internas, Carlos Pereira, um antigo diretor da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira e secretário geral da Câmara de Comércio e Indústria que também era deputado regional, foi eleito líder regional dos socialistas.

Ainda em 2015, aquando das eleições legislativas, António Costa queria que o cabeça de lista pelo circulo da Madeira fosse Bernardo Trindade. Carlos Pereira, na altura presidente do PS regional, meteu os pés na porta e afirmou a sua autonomia. Foi ele o escolhido.

Costa nunca mais esqueceria o acontecido. Apesar de Pereira se ter afirmado como um brilhante parlamentar e como um qualificado economista, caiu sobre ele um anátema que o acompanharia até hoje.

Convém dizer que Pereira também tem as suas culpas. Não tinha um feitio fácil e estava, naquela altura, a preocupar-se mais com a credibilização do partido externamente e com a chamada de novos quadros a afirmar uma alternativa não radical para a região autónoma. Esqueceu-se que o partido também conta, que os militantes são quem decide sobre os órgãos internos.

Foi tanto assim, que sendo líder regional viu-se marginalizado por Costa quando, em visita à Madeira, reuniu com o JPP, negando a autonomia que está estatutariamente prevista no PS.

No congresso regional seguinte, em 2018, Costa mexeu todos o cordelinhos e Pereira perdeu. O eleito foi Emanuel Câmara, que reuniu todos os que estavam incomodados com Pereira e todos os que temiam o aparecimento de um PS novo, ganhador. Revelou-se, em muitos, o princípio de que “é melhor que eu seja deputado regional do que o PS seja governo na região”.

Verdadeiramente, o que estava em causa não era substituir Pereira por Câmara, era mais fazer valer Paulo Cafôfo como o deus que nasceria para salvar a Madeira.

Costa, no seu permanente tacticismo, acabou por matar dois quadros políticos que podiam ter sido o garante de uma nova realidade política madeirense. Ao fazer de Cafôfo, presidente da câmara do Funchal, eleito numa coligação arco-íris, o centro de tudo errou na estratégia.

Cafôfo não tinha, e não tem, experiência política nem formação partidária para o exercício de funções de presidente do governo regional. Era um autarca que precisava de tarimbar e de se fazer para ambicionar outros voos.

Pereira vai ficando pela Assembleia da República e o partido madeirense inicia um processo de endogamia crescente que acaba por marginalizar muitas personalidades que acreditaram inicialmente em Cafôfo. São relevantes nesse caminho de afastamento Bernardo Trindade, João Pedro Vieira, Olavo Câmara.

Em 2019, o PS tem tréguas. O governo de Miguel Albuquerque degrada-se, muitos dos poderosos zangam-se com ele, o PSD abre novas guerras internas. Cafôfo vai a eleições e tem 35,7% contra 39,4% do PSD. O CDS resolve a falta de uma maioria e vai para o governo regional.

Cafôfo, que não era militante do PS, inscreve-se. Os socialistas aguardam meses até ele poder ser líder regional, entregam-lhe o poder todo.

Qual menino rabino, Cafôfo cansa-se do brinquedo. Demite-se da liderança regional, abandona o seu lugar de deputado regional e brinca com o partido através de uma nova liderança que lhe é próxima.

Em todo este tempo, são muitos os que entram no partido por efeito arrastão, seguindo as velhas marcas do PSD regional. O PS vai ficando sem respiração, mas o grupo íntimo do ex-alcaide do Funchal manobra tudo.

Costa não esquece Cafôfo. Afinal, o então líder do PS não queria ver a realidade. Fez dele Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, cargo que este desempenhou com pouco primor, mas com enorme autoconvencimento. A Madeira é um território muito próprio, quem se torna “cubano” e se afasta deixa de ter futuro.

Nas eleições autárquicas de 2021, Cafôfo faz a vida negra ao seu sucessor na Câmara do Funchal. Miguel Gouveia e o PS perde a câmara.

Em 2023, o grupo reduzido que governava o PS Madeira escolhe Sérgio Gonçalves com candidato a presidente do governo regional. Sérgio era (é) um quadro político valioso, mas que não conseguiu livrar-se das amarras apresentando-se como mero emissário. O PS passa de 35,7% para 21,3%, o JPP duplica os votos e o Chega aparece em força. A direção do PS Madeira não tinha aprendido nada, não estava a ver nada.

Enquanto tudo isto acontecia, Carlos Pereira continuava a ser o Senhor Madeira na defesa dos interesses da região em Lisboa. As percentagens de aprovação do seu desempenho revelavam-se nas votações que o PS teve em 2019 e 2022.

Em 2024 o Ministério Público irrompe Madeira adentro. Vários dirigentes do PSD são constituídos arguidos, o presidente da câmara do Funchal, número dois de Albuquerque, é detido e libertado dias depois. A situação leva a novas eleições e Cafôfo, numa situação em que o PSD tem o seu ponto mais baixo de aprovação, volta a encabeçar a lista. Os resultados são miseráveis. Albuquerque tem, sozinho, 36,1%, o PS tem 21,3%, o JPP continua a crescer e já vai nos 16,8%, o Chega avança para os 9,2%, o CDS continua a desaparecer e tem 3,9%, a IL tem 2,5% e o PAN consegue 1,8%. Os partidos à esquerda do PS desaparecem, nenhum deles chega aos 2.500 votos, a sua importância eleitoral é zero.

Cafôfo meteu na cabeça que vai haver um dia em que os votos do PS e do JPP vão chegar para se construir uma geringonça e ele será presidente. Mostrou, mais uma vez, que de política nada entende.

Não contente no seu autoconvencimento, faz uma guerra nas eleições nacionais de 2024. Corre com o único ativo valioso da Madeira e elege-se deputado nacional. Ninguém lhe disse que era mais um prego no caixão. O homem via a Quinta das Angústias, também conhecida como Quinta da Vigia ou do Lambert, como o seu destino manifesto, todo o caminho era dele. No Largo do Rato houve o bom senso de salvar Carlos Pereira, de o manter ativo em defesa da Madeira.

Um ano depois, o PS nacional está na oposição, Costa em Bruxelas e Cafôfo no seu labirinto com os seus mais próximos. O Chega quer fazer cair o executivo de Albuquerque e Cafôfo, deslumbrado, entra no jogo. Tinha chegado, achava, a sua hora. Só que os madeirenses já tinham desligado a sua ficha, já não suportavam a sua clique, estavam já noutra.

Este domingo, o PS regressa a 2015 e volta a ser terceira força. Já não atrás do CDS, mas atrás do JPP, o tal partido vassoura que haveria de fazer com que Cafôfo fosse presidente. O líder regional do PS devia ter-se despedido do partido e da política, mas não o fez.

A estratégia é simples – aguentar até às autárquicas para dar lugar a Célia Pessegueiro. Tenho excelente apreciação da presidente da câmara de Ponta do Sol. Só que existe o problema de ser casada com Vítor Freitas, ex-presidente do PS Madeira que, apesar de uma coligação alargada, fez do PS a terceira força, atrás do CDS, em 2015.

Num tempo em que o “familiarismo” vem sendo visto, pelo eleitorado moderado que é o do PS, como um péssimo serviço à democracia, situação que se alargou a mais dirigentes do PS Madeira, não se está a ver o que possa beneficiar tal liderança. E há, ainda, a experiência de Cafôfo. Um autarca nem sempre é a boa solução para um governo regional se não vier da sociedade civil, se não tiver uma vida de entendimento da economia e da sociedade. Pessegueiro será sempre uma excelente dirigente do PS e até uma boa governante, mas está longe de ter a dimensão para se constituir como alternativa.

Paulo Cafôfo, Vítor Freitas, Jacinto Serrão, Miguel Iglésias, Rui Caetano, Sara Cerdas, Isabel Garcês são pessoas que marcaram o PS, que terão sempre um papel num futuro em que o PS chegue ao poder. Mas devem ponderar se faz sentido continuar num caminho de completa irrelevância.

Este texto resulta do meu conhecimento da vida política madeirense a partir das muitas funções que fui tendo no PS, no parlamento e no governo nacional. Não é um ataque pessoal, antes um alerta, um ponto de situação, sem espinhas, como a hora obriga.

Conheço o partido. Sei que muita gente não consegue partir o espelho quando ele lhe nega a beleza que tanto esperava encontrar. Vamos ver o que acontece ao PS Madeira.