O 25 de Novembro deve ser lembrado e evocado como o acontecimento histórico que teve como objetivo reforçar a democracia constitucional e pluralista. No entanto, a comparação da dimensão de Novembro com a de Abril é muito mais do que um erro histórico; é fruto do tribalismo cultural que vivemos, sendo deliberada e estratégica, com o propósito de colocar Abril e Novembro em confronto.
A cada ano que passa, como afirma o General Eanes, assistimos a uma "trica sem interesse", um confronto ideológico entre os que pretendem enterrar o 25 de Novembro na história e os que lhe atribuem uma conotação de vitória saudosista de outros tempos. Ambos estão profundamente equivocados. É verdade que, a 25 de Novembro, foi derrotada a esquerda militar radical. É verdade que, a partir desse dia, o perigo iminente de Portugal se tornar um satélite da União Soviética foi eliminado, tal como o risco de Soares ser o Kerensky português. Mas também é verdade que, a 26 de Novembro, foi travada a direita, que tinha como objetivo erradicar e proibir o PCP.
Sobre o PCP, é fundamental sermos rigorosos: não se pode apresentar o Partido Comunista como o derrotado do dia, pois isso constitui um erro histórico. É verdade que saiu enfraquecido, mas continuou a integrar o Governo, sendo certo que para além disso, reforçou a sua votação e representação parlamentar em 1979, enquanto parte da APU - Aliança Povo Unido, que formava com o MDP/CDE.
Agora, como já afirmei, é um erro comparar a dimensão de Abril com a de Novembro. O 25 de Abril foi a data fundacional, que pôs fim a 48 anos de mordaça e a uma guerra insustentável, marcada pela chacina de jovens portugueses e africanos. Abril foi a data decisiva para o Portugal moderno, reforçada pelo pela entrada na CEE.
O 25 de Novembro foi um retoque, uma correção à enorme instabilidade que o país vivia; foi o retocar e o cumprir do "dia inteiro e limpo", daquela madrugada tão esperada.
Nos tempos que vivemos, recordar uma data como o 25 de Novembro é absolutamente crucial, desde que isso não se traduza num revisionismo histórico.
Portugal tem hoje um quadro parlamentar profundamente fragmentado, e seria ingénuo da nossa parte achar que esta vontade de celebração de Novembro é inocente. Não é. É uma deturpação vil dos acontecimentos do dia 25 de Novembro, com vista a realizar um ajustar de contas com Abril.
Não há problema algum em comemorar Novembro, mas só serviremos verdadeiramente o sistema político e Portugal se formos sérios nessas comemorações. Isso implica não alimentar a iminente guerra civil do passado — que, para pena de alguns, não foi fomentada apenas por um dos lados.
Novembro é lembrar o Grupo dos Nove, lembrar António Ramalho Eanes e lembrar Mário Soares. Celebrar Novembro é celebrar Abril. Assim, implica não permitir que nenhuma destas datas seja entregue aos radicais ou à hipocrisia.
“(...) Afinal a revolução comunista com que nos ameaçavam – e que parecia iminente – era um tigre de papel.” – “O significado do 25 de Novembro”, Mário Soares, 1975